segunda-feira, 13 de maio de 2024

O rebelde do cinema brasileiro


Mal terminei de postar o texto anterior, me despedindo de Roger Corman, me deparo com mais uma triste notícia: a morte do ator Paulo César Pereio, aos 83 anos. Que domingo desgraçado! 

Pereio foi o último rebelde do cinema brasileiro. O Dennis Hopper tupiniquim. Quebrou com todos os preceitos e convenções possíveis e imagináveis. Se recusou a seguir a mentalidade e a formação dos atores de sua época. Se o queriam shakespeareano ou stanislavskiano, quebraram a cara. Até em Roda Viva, peça de Chico Buarque encenada por José Celso Martinez Corrêa, ele subverteu a ordem imposta no período. Uma frasista único, polemizador nato, foi parte integrante de uma geração cinematográfica que a cada novo falecimento deixa mais e mais saudades.

Foi preso, contestador até a medula; durante uma época desejou até mesmo a demolição do Cristo Redentor (para fúria de seus eternos detratores) e era dono de uma voz única que jamais deixará de ecoar em meus ouvidos toda vez que eu me lembrar dele.

Trabalhou em mais de 60 longas - fora tv e teatro -, com os maiores que o nosso audiovisual já viu até hoje (Glauber Rocha, Hector Babenco, Arnaldo Jabor, Hugo Carvana, Walter Lima Jr, Cacá Diegues, Neville D'Almeida, Ruy Guerra...), narrou documentários e foi até tema de programa humorístico. Mas o principal: transformou o ato de ser polêmico, sem noção e desbocado numa marca registrada e divertidíssima.

Eu poderia chegar até vocês, leitores, e dizer "imprimam no site IMDb a lista com todos os projetos no qual ele participou e assista tudo, comece agora!", mas há momentos únicos, que merecem um sincero destaque. Logo, se puderem, deem preferência aos da lista abaixo. Aposto que não se arrependerão:


Os fuzis, de Ruy Guerra (1964)

Terra em transe, de Glauber Rocha (1967)

Capitão Bandeira contra o Dr. Moura Brasil, de Antônio Calmon (1971)

Toda nudez será castigada, de Arnaldo Jabor (1973)

Iracema - uma transa amazônica, de Jorge Bodanzky (1975)

Lúcio Flávio - passageiro da agonia, de Hector Babenco (1977)

A queda, de Ruy Guerra (1978)

A dama do lotação, de Neville D'Almeida (1978)

A lira do delírio, de Walter Lima Jr. (1978)

Chuvas de verão, de Carlos Diegues (1978)

Eu te amo, de Arnaldo Jabor (1981)

Bar esperança, de Hugo Carvana (1983)

Rio babilônia, de Neville D'Almeida (1983)


E isso só para começar os trabalhos (rsss.)

Muito se falou sobre o cidadão e o ator renomado, mas a melhor definição que eu li sobre o Peréio foi do próprio, dita numa entrevista concedida em 2010 ao jornalista Geneton Moraes Neto, na GloboNews, na qual disse: "Construo este mito, para ser pouco incomodado. É uma espécie de self-art. Pereio, na terceira pessoa, é obra minha. Posso ser considerado no Brasil uma celebridade. As pessoas me reconhecem na rua. Mas posso me dar ao direito de sair sozinho por aí, subir morro, andar na banda podre e na baixa sociedade, tranquilamente. Sei como não ser vítima disso".

Ou seja: o cinema brasileiro empobreceu de novo ontem. Perdemos um mestre, um artista sem freios e também uma incógnita por natureza. E o que nos sobra agora, ó sétima arte? Estamos ficando sem opções. P.S: Pereio, meu caro, fica com Deus. Você era foda! 


domingo, 12 de maio de 2024

O papa dos filmes B


Como assim o diretor Roger Corman, mestre dos filmes B, faleceu no último dia 9 e somente agora eu fiquei sabendo disso? Que acinte! Enfim... Vou comentar aqui mesmo assim. O cinema hollywoodiano deve - e muito! - à sua figura e seu engajamento dentro da indústria audiovisual. 

Corman acreditou num modelo de cinema independente que está em voga até hoje no mercado exibidor. E muitos acreditavam que não duraria sequer dois anos! Produziu quase 500 projetos, dentre eles muitos clássicos para as mais diversas gerações (Os filhos do medo Fitzcarraldo, Piranha, Corrida da morte ano 2000, Sexy e marginal, Dementia 13, e tantos outros hoje chamados de cults). 

Como não respeitar o diretor de produções à frente do seu próprio tempo como Ameaça espacial, A ilha do pavor, O emissário de outro mundo, Rock all night, Carnival rock, Dominados pelo ódio, O solar maldito, A última mulher sobre a terra, A loja dos horrores, O poço e o pêdulo, O corvo, O homem dos olhos de raio-x, O massacre de Chicago, Viagem ao mundo da alucinação, Mercenários das galáxias, etc? Ninguém fez o cinema trash como ele. Ninguém adaptou Edgar Allan Poe para o cinema como ele. Ninguém assustou o público como ele. 

Podem procurar em qualquer lugar e não encontrarão um sucessor de Roger Corman onde quer que seja. Ele marcou época e dificilmente verão outro dando sopa por aí. Desse jeito, não!

Contudo, seu maior legado para a história do cinema norte-americano foi ter aberto as portas para uma nova geração de talentos. Sem Corman, não teríamos Jack Nicholson, Robert de Niro, Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Joe Dante, Dennis Hopper, Peter Bogdanovich, Ron Howard, Jonathan Demme e também talentos femininos do cinema de horror como Stephanie Rothman, Katt Shea, Amy Jones, Barbara Peeters, Deborah Brock e Sally Mattison (e muita gente que você vai ler hoje nos obituários sobre ele não vai comentar essa parte!). 

Em outras palavras: sem Corman não haveria, provavelmente, a hollywood mítica como a conhecemos.

Curiosamente comecei a conhecer a sua obra pelo último filme que ele dirigiu, ainda na época dos famigerados VHS, o extraordinário Frankenstein: o monstro das trevas, com Raul Julia e John Hurt. Fiquei tão impactado com o que vi que fui perguntar ao meu pai quem era aquele diretor visionário. E ele me deu uma listinha repleta de raridades para conferir nas videolocadoras. Virei fã pro resto da vida e volta meia revejo alguma coisa dele no you tube. 

Ele foi um dos primeiros cineastas a me fazer conversar sobre cinema com o meu pai, que quando não estava vendo - e revendo - os faroestes com John Wayne, Clint Eastwood, William Holden, James Stewart e Gary Cooper, estava assistindo ou os longas dele ou os de Ed Wood (hoje em dia mais rotulado como "o pior diretor da história do cinema", rótulo totalmente imerecido).

Com a morte de Roger Corman, aos inacreditáveis 98 anos, o cinema (não só made in USA) perde um de seus maiores realizadores. Ele era - e ainda é - um verbete sobre o fazer cinematográfico. E chamá-lo de "velha guarda" só porque a indústria hollywoodiana mudou e está mais preocupada com lucros, balancetes e franquias por vezes descartáveis (pois isso que é a galinha dos olhos de ouro agora) é, no mínimo, uma sacanagem. 

E eu espero sinceramente que a sétima arte feita em hollywood volte, um dia, a ter 1% dos culhões desse senhor. Só 1%. Porque acreditem: está fazendo muita falta. Mesmo. Perguntem a qualquer cinéfilo de verdade.  


sábado, 11 de maio de 2024

120 anos do surrealista que virou a arte do avesso


Falamos, nas últimas décadas, do quanto a vida, o mundo, a arte, a própria sociedade, ganharam contornos espetaculares, de grandiosidade, mas pouco nos referimos a um artista que, no meu entender, praticamente cunhou o termo extraordinário. Mais: fez de sua vida um exemplo ímpar de genialidade. Seu nome: Salvador Dalí. Sim, aquele catalão, esquisito, com os bigodes virados pra cima, pai do surrealismo como o conhecemos... Que promoveu uma grande revolução cultural e de costumes ao lado de seus parceiros, o poeta e dramaturgo Federico García Lorca e o cineasta Luís Buñuel.

Se vivo hoje, ele estaria completando 120 anos e, certamente, ainda aprontando - e muito! Se houve um artista visual que mereceu a alcunha de "experimental", "visionário", "à frente do próprio do tempo", foi ele (e com folga em relação aos demais).

Seu curta-metragem Um cão andaluz, produzido ao lado de Buñuel, é uma grande porta de entrada para começarmos a entender sua obra e, principalmente, o seu espírito inquieto, investigador. Dalí virou a arte do avesso e mostrou o que ela tinha de mais contestador. Ali já podíamos perceber um pouco do gênio que na década de 1920, quando ingressou na Escola de Belas Artes de São Fernando, em Madri, foi expulso após se recusar a realizar um exame por, segundo ele, não ter ninguém competente o suficiente para avaliá-lo. Era folgado? E como! Mas também a prova viva de seu talento irrepetível.

A mãe sempre acreditou em seu talento e capacidade (e, por isso, sempre o apoiou na carreira artística). Em suas telas, sempre com cores vivas e imagens oníricas e bizarras, pautadas principalmente pelas teorias psicanalíticas de Freud, utilizando o subconsciente como fonte, conseguíamos desnudar seu imaginário, por vezes confuso, por vezes devorador de quem o observava. Era grande amigo do pintor Pablo Picasso e viu no cubismo uma referência importante para anexar aos seus projetos.

Em sua obra cavalos gigantescos, formas humanas disformes, cisnes, nuvens formando figuras inexatas, relógios e instrumentos musicais derretendo, caveiras dentro de caveiras, o Tio Sam norte-americano com nariz de pinóquio, páginas de livros que voam, um ovo virando o pôr-do-sol, borboletas como velas de embarcações, elefantes com cabeças de tuba, um circo que flerta entre horrores e a esperança de um dia seguinte mais ameno, sem tantas guerras ou conflitos desnecessários. 

Dalí era tudo o que precisávamos nesse século XXI cada dia mais hostil, sem esperanças, refém de uma humanidade torpe, movida pela vaidade e a ganância. Pena que ele nos deixou antes.

Em 2014 fui ao Centro Cultural Banco do Brasil para assistir à espetacular exposição Salvador Dalí, com mais de 150 de suas obras. Uma fila astronômica de interessados como eu me fez aguardar pacientemente (quer dizer: nem tanto) por mais de três horas até que eu me deparasse com uma das experiências mais inebriantes que eu já senti em toda a minha vida. A sensação era a de estar dentro da mente dele, invadir seus sonhos, passear por seu cérebro e sua personalidade irrequieta. Poucas vezes vi algo que superasse essa mostra até hoje. 

Dito isto, fico sabendo enquanto escrevo este post desta outra expo aqui, em SP: https://salvadordalisp.com.br/. E achei o projeto também grandioso e muito bem feito. Para quem quiser saber mais sobre a lenda depois dessa simples homenagem, fica a dica!

Faltou dizer algo? Sim. Que é por causa de pessoas como ele que eu decidi ser um eterno devoto da arte, da cultura e de figuras fora da bolha, do sistema, do status quo. O mundo só não é uma perda de tempo completa por que indivíduos como Salvador Dalí passaram por aqui de tempos em tempos. Agora vão lá saber mais um pouco sobre esse moço em outros lugares, vão! Vocês vão ficar boquiabertos. 


quinta-feira, 9 de maio de 2024

A famigerada geração Z


Que inferno é acompanhar a cultura pop em meio a tanta gente ultrapassada e resmungona e novas "tendências de mercado"...

Em teoria é sempre o mesmo discurso: jovens que usam a tecnologia para difundir diferentes vozes, realidades culturais e sociais. Bonito, não? Já na prática... Um festival de mau humor, caretice, retrocesso, birra, às vezes beirando a esculhambação total dos fatos. 

Em suma: cada dia mais difícil (e constrangedor) conviver com a famigerada geração Z e seus pitis constantes.

E a própria palavra famigerada vem bem a calhar ao se referir à geração. Entre suas muitas definições, uma me agrada mais do que as outras: que desfruta de má reputação ou má fama; mal-afamado. Perfeito! Digo mais: são um retrato da contradição vigente na atual cultura pop. 

Reclamam da nudez nos filmes (acham-na desnecessária para o contexto da história). Reclamam dos palavrões em peças teatrais e shows de stand up comedy. Reclamam de cantores e compositores que satirizam ou denunciam figuras e arquétipos políticos (não veem necessidade de politização na arte). Reclamam que o artista a é pedófilo, o dramaturgo b é estuprador, o cantor lírico c é assediador de mulheres... Putz! Como reclamam. 

Agora, pergunte o que eles não são. A resposta? Modelos de conduta. Exigem do outro o que eles mesmos não são capazes de entregar.

Aumente isso tudo em 100%, incluindo produtoras de conteúdo cultural mais interessadas em fazer agenda ou criar um público cada dia mais vazio, mais alienado, e o resultado é catastrófico por natureza. Temo, infelizmente, pelo futuro de hollywood, da indústria cultural, da broadway, do mercado editorial e quem mais enveredar por esse território. E olha que ainda temos que ficar de olho nessa tal de inteligência artificial, ávida por ceifar empregos e a qualidade artística.  

Não bastassem os livros do gênero young adults; os filmes sobre videogames, bonecos, heróis, marcas de tênis e jogos de tabuleiros; as cantoras divas que se resumem a suas bundas e corpos esculturais; os espetáculos teatrais que não passam de escracho e tiração de sarro, ainda teremos que dividir espaço com máquinas que, na prática, nada mais farão do que sofisticar o velho ctrl c ctrl v? E ainda teremos que aplaudir isso, sermos gratos? Meu Deus!

Quer saber? Esse povo que enche o saco por tudo é só a ponta do iceberg. E uma hora o iceberg derrete.


domingo, 5 de maio de 2024

Madonna, Copacabana, 2024: uma catarse


"É o show do século", gritou uma fã, alucinada, na areia da praia, acompanhada por duas amigas, enquanto se dirigia ao palco. E desde que a rainha do pop anunciou sua vinda para o Rio de Janeiro, todos os admiradores no fundo já sabiam que tinha tudo para ser polêmico, histórico, antológico, inovador, avant garde, visionário... E foi. E como foi! 

Madonna encerrou ontem sua Celebration Tour na praia de Copacabana acompanhada por um coro de quase dois milhões de pessoas. E cá entre nós: é praticamente impossível explicar em palavras a dimensão do que foi essa noite. Logo, mal e porcamente dou aqui uns breves pitacos. 

Quem queria ouvir seus hits eternos ("Express yourself", "Vogue", "Live to tell", "La isla bonita", "Music", "Erotica", "Hung up", etc) saiu satisfeito. Teve até quem queria mais, muito mais. Afinal, ela é uma máquina de hits. Quem quis ver Anitta e Pablo Vittar, também aplaudiu, gritou, torceu, comemorou. E quem - como eu - quis ver um espetáculo à parte, ficou de boca aberta o show todo. 

Mais do que uma apresentação apoteótica, a Celebration Tour de Madonna é uma grande provocação aos falsos moralistas, bobalhões, fiscais do rabo alheio, fanáticos religiosos e outros segmentos sórdidos da nossa sociedade que andaram ganhando voz nos últimos anos. E nesse sentido, que bom que a material girl decidiu dar as caras justo agora, nesse Brasil (após um hiato de 12 anos sem se apresentar por aqui).  

Pugilistas e seus corpos impecáveis, uma espécie de puxada de orelha no conflito na Faixa de Gaza, sarcasmo, uma quase orgia no palco, uma leve incitação ao Kama Sutra, referência ao cineasta Alejandro Jodorowski, bailarinos crucificados, simulação sexual, os monólogos desaforados da cantora, desabafando sobre seu começo de carreira e os percalços até chegar onde chegou, desfiles despudorados, a talentosa filha ao piano, artistas brasileiros e vítimas da AIDS homenageados... E, claro, uma Madonna no auge e ainda mais frenética e à frente do seu tempo em seus extraordinários 65 anos. 

Ufa! Foi uma catarse. E no melhor sentido do termo, com tudo aquilo que os fãs aguardavam - e olha que teve gente dormindo na praia por quatro dias pra não perder o lugar - e mais um pouco. "Ela não quer voltar mês que vem, não?", eu fiquei me perguntando ao fim das duas horas de apresentação. Ah, Madonna! Só você mesmo pra me deixar desse jeito, sem fôlego!

Tivemos Rod Stewart e Rolling Stones nesse mesmo lugar tempos atrás, mas dessa vez foi covardia. Era tudo que precisávamos ouvir, sentir, comprar como reflexão para nossas vidas, em meio a tanta caretice, tanta babaquice, tanto conservadorismo de butique, tanta religiosidade de fachada. Obrigado, diva! Vou ficar devendo essa pro resto da vida. E volte quando quiser.

P.S: e vocês, chatos do cacete, que ficaram reclamando que ela fez playback, tocou sem banda... Vão procurar o que fazer! Definitivamente vocês não entenderam absolutamente nada. Na verdade, faz 40 anos que vocês não entendem essa mulher. Logo, se meter na história pra quê, hein?      


terça-feira, 30 de abril de 2024

A rádio não-oficial do Brasil


Primeiramente: você que está lendo este post, em algum momento da sua vida já ouviu a Fluminense FM? Mais do que isso: você sabe o que foi, como nasceu, qual a importância da Fluminense FM para a história da rádio nacional? Caso a resposta seja não, este - texto? resenha? breve comentário? singela opinião? enfim... - não é para você. Sério. 

Aumenta que é rock n' roll, longa-metragem de Tomás Portella, é um misto de delírio, nostalgia, provocação e muito amor à música (no caso, o rock, que as outras estações da época teimavam em boicotar). E o principal: me fez pensar no quanto o rádio perdeu relevância na minha vida nos últimos anos ao se associar a templos pentecostais e profissionais medíocres. 

A Fluminense FM - ou simplesmente a maldita, para os fãs mais nostálgicos - nasce em Niterói pelas mãos (e, claro, muita coragem) do jornalista Luiz Antônio Mello, que revoluciona muito do que vinha sendo feito no setor até então, a começar pela programação. 

Uma rádio que tocasse rock n' roll 24 horas por dia, sem repetir música, com locutoras do sexo feminino (um feito pioneiro), sem anunciantes e ainda por cima lutando contra seus detratores e até mesmo a falta de investimento dos gestores. Sim, era complicado e muito. E ainda assim se tornou histórica para uma geração de desajustados que precisava de um espaço para chamar de seu após anos de ditadura e repressão.    

Casos inusitados envolvendo a rádio, como os tumultos e confusões envolvendo as festas que bancavam os custos de produção da equipe; uma promoção envolvendo formigas e a banda de rock Adam and the ants na praia de Ipanema e que gerou muita confusão; um fã alucinado que chegou a montar uma rádio pirata e copiava o estilo da Fluminense; a escolha dos profissionais da dial por Roberto Medina para montar a programação do primeiro Rock in Rio em 1985... A Maldita passou por poucas, boas e muito loucas.

Detalhe imprescindível: sem ela, provavelmente o rock BR não teria acontecido da forma como aconteceu. E por um motivo bem simples: porque sempre vi a Fluminense como a rádio não-oficial do país, com cara de underground, subversiva, impondo seu estilo e gostos custe o que custasse. No próprio longa, Medina diz à Luiz: "no dia em que vocês forem oficiais, vocês acabam". Frase mais verdadeira sobre ela não há.

Até hoje sinto falta daquela estação onde eu ouvia The Doors, Stones, Legião Urbana, Blitz, Kiss, AC/DC e companhia ilimitada na hora e do jeito que eu quisesse. E por mais que me chamem de fanático, repito aos quatro ventos pra quem quiser ouvir: nunca mais haverá uma rádio que supere o que eles fizeram. Eram outros tempos, outro país, outra sociedade... E pior: encaretamos, de um jeito repulsivo. 

E se conseguirem encontrar um exemplar do livro A onda maldita: como nasceu a Fluminense FM, do próprio Luiz Antônio Mello (a saga para encontrá-lo na internet é árdua e o trabalho dele bem que poderia ser reeditado novamente... Os leitores certamente agradeceriam!), leiam como complemento ao filme. Aposto que até quem não viveu a época vai virar fã, de graça. 

P.S (ou uma nota triste): dentro do cinema onde assisto a sessão olho ao redor e vejo apenas 8 espectadores na sala. Uma pena. Não: um acinte! Além de nos tornarmos caretas, esquecemos do melhor da nossa história. O país precisa acordar! 


sexta-feira, 26 de abril de 2024

R.I.P Anderson Leonardo


Estava me preparando para postar outra coisa quando sou golpeado por uma triste notícia... 

Eu não me recordo (mesmo!) se já postei sobre o universo pagode aqui nesse blog. Caso nunca, deixo minhas sinceras desculpas desde já. Foi apenas minha escolha por outros temas e modelos artísticos. Sou de uma época em que se ouvia - e muito - nas rádios grupos como Só pra contrariar, Raça negra, Grupo Raça, Negritude júnior e companhia limitada. E era divertidíssimo vê-los em programas de auditório os mais diversos.

Mas por que estou falando disso justo hoje? Porque, infelizmente, a MPB perdeu hoje uma de suas figuras mais engraçadas. Morreu, aos 51 anos, o cantor Anderson Leonardo, vocalista do Grupo Molejo. 

Anderson era daquelas personas artísticas que você queria ouvir falando qualquer coisa (contando piada, falando sacanagem...), que dirá cantando. Foi dos primeiros pagodeiros, inclusive, que eu senti uma identificação imediata até mesmo com o público infantil. Tanto que trouxe para o seu show expressões associadas a esse universo. Ouçam, assim que terminarem de ler aqui, "Brincadeira de criança". Eu mesmo já ouvi hoje umas duas vezes.

Mas não somente esta. "Cilada", "Dança da vassoura", "Paparico", "Não quero saber de ti ti ti", "Ah! moleque", "Caçamba", "Samba rock do Molejão"... São vários os hits desse fenômeno de comunicação.

Quem, em algum momento, já foi numa das rodas de samba organizadas por ele, não esquecerá jamais. E não bastasse isso, ele ainda deu muita força para outros grupos do segmento em começo de carreira, um claro desejo de ver o pagode - bem como o samba de forma geral - se perpetuar sempre.

Ninguém riu (ou fez rir) como Anderson Leonardo. Ninguém debochou do sistema e do execrável politicamente correto vigente nos últimos anos como suas músicas. Vejo-o com símbolo máximo da sátira que anda em falta nesse mercado fonográfico cada vez mais chato e careta. Sua partida é, mais do que uma pena, um golpe duro nos fãs da boa música, sem rodeios ou agendas babacas.

Fica com Deus, irmão! Você definitivamente era a cara desse país.   


segunda-feira, 22 de abril de 2024

No fim é só a maldita guerra


Pergunto-me quase constantemente a quem interessa hoje em dia o discurso de como iniciou a guerra a, b ou c... São tantas e praticamente todas elas parecem tão iguais! Tremenda estupidez da parte de quem, a priori, só finge de isento, acreditar que a origem do conflito define que destino ele terá.

Foi exatamente nisso que me peguei refletindo enquanto assistia Guerra Civil, novo longa do diretor Alex Garland. Na verdade, fiquei foi bem mais curioso acerca do futuro pós-guerra, após testemunhar a última cena do filme.

Garland não se importa com quem começou a guerra ou não, quem está certo ou errado, quem tem seus motivos, se são mais fortes ou éticos do que o outro lado (ou não)... Esqueçam essa parte. Este não é um livro de história do Eric Hobsbawn, muito menos um tratado filosófico sobre a microfísica do poder.

Acompanhamos, isso sim, o combate do ponto de vista da imprensa. E há vários modelos diferentes de imprensa aqui: Lee (Kirsten Dunst) é a fotojornalista de guerra consagrada, a lenda, aquela que praticamente já testemunhou os horrores do conflito em suas mais diferentes nuances; Joel (Wagner Moura) é o viciado em adrenalina que toda redação de jornal possui ou já possuiu, aquele cara que simplesmente não consegue ficar longe do tiroteio, da matança, do caos; Sammy (Stephen McKinley Henderson) é o veterano, a voz da experiência, sempre transitando entre o rebelde à procura de um novo furo de reportagem e o conservador que não quer ultrapassar os limites da ética; e Jesse (Cailee Spaeny) é a novata, marinheira de primeira viagem, cheia de gás, energia, sonhos, ideologias e o que mais couber no pacote.

O que eles desejam? Chegar à Washington D.C e entrevistar o presidente, antes que ele seja morto bem como o restante de tudo o que tenha a ver com a Casa Branca (que, aqui, nada mais é do que um discurso falido, ultrapassado).

E enquanto testemunhamos, pela janela do carro, a destruição dos EUA numa batalha Tio Sam x Tio Sam (algo, para muitos aqui no Brasil, inimaginável em todos os sentidos) o que percebo é que no fim se trata apenas da maldita guerra. Ou seja: um ensaio sobre o nada promovido pela repugnância fabricada por homens prepotentes e infantilóides.

Mas como se sai disso? É possível um mundo além disso, de toda essa torpe realidade, de tanta disputa, de tantos descontentamentos, às vezes pelas razões mais fúteis? Acredito que refletir sobre isso - e não ficar apegado à motivos, origens, catalisadores, etc - seja o maior legado desse puta projeto. E infelizmente a mesquinhez da parte alienada da sociedade não consegue entender, sequer enxergar isso. 

Logo, sobra apenas o "até quando? ".


quarta-feira, 17 de abril de 2024

O museu das nossas vergonhas


Estamos à um passo... De quê? De tudo. Do fim dos tempos, da morte, do desespero, de desistir de tudo, do desemprego, do cansaço mental, da próxima guerra mundial, da cura da AIDS, de um novo ditador boçal propondo um mundo pior do que esse, de absolutamente tudo. E ainda assim, não desistimos. 

Por quê? Pois não faz parte da matéria-prima humana desistir. Ou então: porque é a parte que nos coube nessa história. Foi assim que eu me senti ao fim do espetáculo teatral Sísifo (ou Ensaio sobre a repetição em 60 atos), de Gregório Duvivier e Vinícius Calderoni.

Tomando como premissa o mito do homem que, após roubar o fogo dos deuses, é condenado a empurrar incessantemente uma pedra até o alto de uma montanha (missão nunca concretizada, pois a mesma rolava montanha abaixo, criando assim um círculo vicioso e inútil), a dupla propõe uma grande reflexão sobre o limite humano e seu eterno apego à questões nem sempre tão dignas de nota.

Num cenário mínimo (criado por André Cortez) e composto por uma única rampa, ao qual o ator sobe e cai sucessivas vezes, nos deparamos com dilemas, fracassos, labutas, desistências, conflitos existenciais e premissas as mais diversas. Da balada noturna ao dia na praia, dos seguidores de internet ao reles bate-boca na rua, tudo é motivo para estarmos na berlinda, a um passo do "já deu! o mundo é um caso perdido e eu, honestamente, desisto de continuar tentando".

O problema? Ele não desiste de fato. Quando muito, adia a decisão. De novo, e de novo, e mais uma vez. Como, aliás, é praxe na dita civilização. 

Junte a isso - a esse sentimento melancólico de "eu ainda aguento mais um pouco ou não? -, o ser ou não ser shakespeareano, a pedra no meio do caminho de Drummond, o clima meio claustrofóbico, meio Freud, a luz mínima (e não menos precisa e pontual de Wagner Antônio), a direção musical de Mariá Portugal e todo o jogo cênico e corporal de Gregório, e temos uma grande provocação a este mais que indecente mundo contemporâneo. 

Cabe um aparte meu aqui: haja fôlego da parte da plateia para acompanhar Duvivier nessa saga repleta de subidas e quedas. Fiquei cansado só de seguí-lo com os olhos! 

Em determinado momento da peça ele se refere ao mundo (ao nosso país? à realidade? todas as opções anteriores?) como o museu das nossas vergonhas, e está coberto de razão. Estamos sempre destruindo o que tocamos para depois tentar tapar o buraco ou, quem sabe, o sol com a peneira. E no final o que nos resta é o apego à mentira, à ilusão, a eterna mania de fabricar o irreal, torná-lo nosso "porto seguro". Resta saber até quando. 

P.S: para quem tiver interesse o espetáculo está disponível no canal do Sesc SP no you tube, e fez parte da série #Cultura em casa, ainda na época da Pandemia da Covid. Assistam! Achei espetacular.  

sábado, 13 de abril de 2024

Mad Max, 45 anos


Será que só eu tenho percebido isso?

Digam o que quiserem, mas que eu tenho a sensação de que o tempo, nos últimos anos, tem corrido demais da conta, ah eu tenho! E, cá entre nós, não me agrada a ideia de envelhecer à velocidade da luz, mas... é isso. O tempo passa e com ele aquilo que gostamos, apreciamos, cultuamos ganha história, vulto, novas interpretações, datas comemorativas.

Mad Max, de George Miller, começou a trilhar seus passos há 45 anos, quem diria... E acho que nem ele próprio imaginava o grande legado que essa franquia construiria (para mim, pelo menos, ela é tão icônica quanto Star Wars e Star Trek, guardadas as devidas dimensões, é claro!). 

Mais do que acompanharmos a saga de Max Rockatansky (vivido por Mel Gibson), que busca vingar a morte da mulher e do filho, o longa de Miller sempre me soou como uma grande metáfora para o que nos aguarda no futuro. E olha: esse futuro melancólico, diria mais: macabro, onde até a água é disputada a unhas e dentes, nunca esteve tão perto, se levarmos em conta o que os chamados "donos do mundo" têm feito com o planeta terra nas últimas décadas.

Se as últimas gerações ficaram impressionadas com as distopias e realidades fragmentadas propostas por Matrix, Jogos vorazes e Maze runner, muito antes disso (na verdade, muito antes sequer da existência de CGI, Chromakey, Imax ou qualquer outra tecnologia vista como salvadora da indústria do cinema), George Miller deu as caras, pôs a mão na massa com seus, então, efeitos práticos, e fez nosso mundo virar de ponta a cabeça com perseguições, explosões e muito tiroteio.

E a fórmula deu tão certo e atraiu tantos devotos que rendeu uma trilogia de respeito, embora uns e outros volta e meia reclamem da irregularidade da franquia. Eu nunca escondi que gosto até mais do segundo (cujo título original é Road Warrior) do que este que aniversaria aqui, mas todo o conceito por trás do projeto me ganhou de cara sem fazer esforço. 

Um detalhe importante: era um ano de produções arrebatadoras para qualquer cinéfilo que se preze (Apocalipse now, The warriors: os selvagens da noite, Hair, Fuga de Alcatraz, Alien, o 8º Passageiro, etc) e mesmo assim aquele australiano cheio de ideias inovadoras veio comendo pelas beiradas e fazendo o estrago necessário para conquistar o seu espaço na indústria.

E se você teve o desplante de Assistir Mad Max: estrada da fúria, com Tom Hardy como Max e não viu a trilogia original, você não merece ler esse singelo post. Logo, corra agora e procure pelo box em DVD ou Blu-ray com os três longas (eu tenho o meu aqui em casa e, de quando em quando, revejo porque a nostalgia bate forte).

No mais eu paro por aqui, pois quero que vocês, nobres leitores, vejam - ou revejam - essa pequena obra-prima dos action movies. Melhor: de um tempo em que os filmes de ação tinham culhões e não perdiam tempo com tantas pautas, propagandas, agendas políticas e culturais. Obs: corre o risco de vocês viciarem depois de assistir a primeira vez. Fica a dica.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Somos todos assassinos nesse jogo


Em tempos de John Wick no cinema, com quarentões (ou seriam cinquentões?) vingadores que descem o cacete no moral torta dos ditos privilegiados, acho extremamente bem-vinda a leitura da HQ Graffic Noire Jersey, de Immigrant. Primeiro: por se tratar de um trabalho de viés independente. Segundo: por fugir da mesmice super-heróica (que, a meu ver, já cansou!). E finalmente: por propor o desdobramento de uma temática que eu adoro. 

No caso, refiro-me à homenagem aos filmes de ação feitos em Hong Kong na década de 1990. Lembrei-me imediatamente das sessões que assistia pela tv na Bandeirantes dos longas produzidos pela Golden Harvest.

Aguardamos quase que com agonia a batalha de espadas samurais (as famosas katanas) entre Frank e Julian, guerreiros que disputam lâmina a lâmina a posse de uma mala. Detalhe: assim como no filme Ronin, de John Frankenheimer, não conhecemos, em nenhum momento, o conteúdo dela. E quer saber? Isso é o que menos importa na hora H. 

A motivação de ambos nesse duelo derradeiro em muito lembra, por sinal, a noiva vivida por Uma Thurman em Kill Bill, de Quentin Tarantino. O clima da hq, aliás, é altamente tarantinesco, com bastante sangue espirrado nas paredes e uma batalha de cunho quase épico.  

Se existe uma narrativa que não poderia ser colorida é esta aqui. Tanto o preto-e-branco, quando a estética que remete em alguns momentos à garranchos e pichações de rua, vem bem a calhar para o modus operandi da história. E nesse mashup estiloso cabem as mais variadas referências: dos filmes de samurais japoneses ao faroeste desconstruído em outras vertentes, com direito à personagem cantando Johnny Cash, o homem de preto, e tudo!

E como premissa básica, os próprios personagens da história deixam claro: "somos todos assassinos nesse jogo". O importante é cumprir o contrato estabelecido, concorde você com ele ou não. E ao fim, o criador do álbum ainda me deixa cheio de dúvidas e questões mal resolvidas, do jeito que eu gosto (para poder ruminar um pouco mais depois).  

E tudo isso por irrisórios 5 reais numa barraca de livros usados, em meio a um saldão cheio de raridades e outras surpresas não menos curiosas... E depois ainda me perguntam - depois de tanto tempo escrevendo por aqui - porque eu amo a cultura pop e suas infinitas possibilidades.

Procurem. Aposto que não irão se arrepender! 

sábado, 6 de abril de 2024

R.I.P Ziraldo


Quando, moleque, eu falava com os meus pais da minha eterna frustração por não saber desenhar, é porque no fundo eu queria saber desenhar como ele. E mesmo fazendo parte da geração que leu a Turma da Mônica, de Maurício de Sousa, ele nunca deixou de ser o meu maior ídolo. O primeiro quadrinho nacional que eu li, na vida, foi dele.

Ele foi o responsável pela Turma do Pererê (altamente inspirado no Sítio do pica-pau amarelo, de Monteiro Lobato); criou o eterno menino maluquinho, com a panela na cabeça e cheio de ideias e travessuras; nos apresentou aos Flicts e também aos Zeróis (uma resposta pra lá de bem humorada aos personagens da Marvel, DC, etc).

Não fosse pelos seus lápis eu jamais conheceria figuras inesquecíveis como a Supermãe, o bichinho da maçã, o joelho juvenal (do moleque levado, por isso vivia ralado), Jeremias o bom, a menina Nina, Vito Grandam, o menino da lua, o Aspite, e tantos outros.  

E ainda arranjou tempo para participar da grande revolução da imprensa promovida pelo Pasquim, além de trabalhos para o meio publicitário, jornalístico, teatral. Era um faz-tudo.

Ele fez charges políticas, literatura infantil, crítica de costumes da época, metalinguagem, humor ácido, irreverência até dizer chega... Isso quando não estava fugindo da perseguição de um regime de exceção e falando pelos cotovelos. Era bom de papo esse moço. E agora não teremos mais sua boa prosa, seu traço forte e multicolorido. 

O Brasil perdeu hoje, aos 91 anos, Ziraldo. Um mestre da pena, e principalmente, um homem que nunca deixou de pensar o país (essa, com certeza, sua melhor característica). 

Eu poderia até chover no molhado e me repetir sobre seus muitos talentos aqui (na verdade, há texto sobre ele aqui no blog. Procurem!). Mas quer saber? Está rolando uma exposição sobre ele no CCBB, o Mundo Zira. Vão lá conhecer o trabalho extraordinário desse senhor que, cá entre nós, é uma figura ímpar na nossa cultura. Aposto - não, tenho certeza - de que vocês não vão se arrepender. 

E fica com Deus, mestre. Você fez por onde!


quarta-feira, 3 de abril de 2024

Marlon Brando, um século.


Se vivo ele hoje completaria 100 anos de vida. Mais do que isso: acredito piamente que continuaria revolucionário em suas intenções, debochado, provocador, criador de caso e sabe lá Deus o quê mais... Quem? O ator Marlon Brando, claro!

Pouquíssimas vezes vi nas telas alguém tão ciente do caminho que queria trilhar quanto ele. Escolheu não dar trela à própria beleza (e, mesmo assim, foi considerado por muitos um símbolo de virilidade, o adônis do cinema americano). Meu pai dizia que vê-lo em cena era desconstruir tudo que se sabia sobre a sétima arte. "Às vezes ele levava o filme nas costas; às vezes não dava a mínima para o set", dizia ele. 

Foi através do meu pai, por sinal, que conheci dois de seus trabalhos mais extraordinários: Sindicato dos ladrões, de Elia Kazan e Queimada!, de Gillo Pontecorvo (que, depois soube, era o favorito de Marlon na carreira). Mas era apenas o começo da minha relação cinéfila com o ator. 

Com O poderoso chefão, de Coppola, ele virou a lenda. Depois de O último tango em Paris, de Bertolucci, ele foi execrado pelas feministas por conta da famosa cena da manteiga. Em Viva Zapata! eu entendi que o faroeste poderia ir além do que eu imaginava até então. A partir de Uma rua chamada pecado (adaptação de Tennessee Williams), ele ganhou a admiração dos grandes diretores da era de ouro, fez a passagem gloriosa da Broadway à Hollywood. E ainda teve O pecado de todos nós, A caçada humana, O selvagem, o extraordinário Apocalipse now - eu nunca mais esqueci do Coronel Kurtz -, o Jor-El de Superman: o filme e muito, muito mais. 

Sua vida foi tão fantástica (e cheia de reveses, catarses, polêmicas) quanto a carreira: a questão da sua bissexualidade; a ilha que comprou já no final da carreira e onde se exilou, desencantado com os rumos do cinema; a "falsa índia" que mandou representá-lo no Oscar em que ganhou pelo seu indefectível Dom Corleone; o suicídio da filha; o julgamento do filho, acusado de assassinato, etc etc etc...

Embora ele tenha escrito sua autobiografia (que é muito boa), recomendo aos leitores deste post um outro exemplar: conheçam Marlon Brando: a face sombria da beleza, de François Forrestier. Um trabalho que mostra em nuances o lado B dessa figura ímpar e avant garde.  

Esse é um texto-homenagem que já nasce em déficit, pois eu levaria toda uma vida e ainda assim não conseguiria explicar com exatidão para as novas gerações quem foi Brando. Deixo apenas uma dica: talvez vocês encontrem mais fácil, na internet, seus últimos trabalhos (Don Juan de Marco, Um novato na máfia, A ilha do Dr. Moreau, etc). Esqueça-os por ora, procurem os clássicos. Vocês, com certeza, vão querer apreciá-lo no apogeu do seu talento. Podem confiar. 

Faltou mencionar algo? E como! E por isso mesmo vocês, leitores, devem procurar material sobre essa lenda, ver seus filmes, entrevistas... O céu é o limite. Devorem Marlon Brando. Até para entenderem que, cá entre nós, nunca mais haverá outro como ele. Não mesmo. 

E onde quer que esteja, Marlon, meu muito obrigado. A minha cinefilia certamente não seria a mesma sem conhecer a sua jornada. 


terça-feira, 2 de abril de 2024

5 décadas de Stephen King



Ele estreou na literatura há 50 anos e permanece relevante como poucos no mercado editorial. Vou mais além: não consigo imaginar um outro autor nas últimas cinco décadas (e olha que há ficcionistas extraordinários no meio!) como sinônimo do gênero terror além dele. Vejo-o como um H.P.Lovecraft contemporâneo - guardadas as devidas proporções, é lógico. 

De quem falo? De Stephen King, ora bolas! Um escritor cuja obra veio parar nas minhas mãos pela primeira vez de forma bastante acidental: eu encontrei no lixo do prédio onde eu morava um exemplar carcomido de A hora da zona morta (cuja adaptação cinematográfica, feita por David Cronenberg, eu assisti 6 meses depois) e devorei em apenas 72 horas. Para reler duas semanas depois. 

De lá para O iluminado, Carrie - a estranha, Christine, It: a obra-prima do medo (hoje em dia editam este como It: a coisa), Louca obsessão (ou simplesmente Misery) foi um pulo e infinitas idas e vindas à sebos e livrarias. Um processo por demais viciante e não menos prazeroso. 

E o mais interessante: Stephen mostrou que o horror não estava presente apenas em figuras sobrenaturais, possuídas, alienígenas... Não. Ele conseguiu extrair da vida cotidiana e dos dilemas morais de uma sociedade caótica e fragmentada como a norte-americana matéria-prima para o sobrenatural. Mais do que isso: fez dessa escolha um cartão de visitas da sua obra, tornando-a única dentro de um cenário editorial cada vez mais competitivo.

Entre seus inúmeros temas, os fãs puderam testemunhar uma desconstrução acerca da morte de JFK, figuras paranormais, ciganas vingativas, um mistério sobrenatural no corredor da morte, um quarto de hotel mal-assombrado, um jogo televisivo de proporções catastróficas e até mesmo tentáculos assassinos, dentre outras peripécias narrativas. 

Todos aguardam ansiosos seus lançamentos, bem como as adaptações para cinema e quadrinhos de sua obra. Isso sem contar o seu filho, Joe Hill, que nos últimos anos também vem ganhando seu espaço nessa grande selva que é o mercado de entretenimento. 

É difícil indicar a iniciados por onde começar na obra desse grande gênio. Há histórias para todos os gostos e públicos. Além dos já citados no terceiro parágrafo, gosto muito de Duma Key, À espera de um milagre, As Quatro estações, Novembro de 63, O apanhador de sonhos, Os olhos do dragão e O talismã. Além desses, recomendo também Sobre a escrita (no qual King esmiuça seu processo criativo). Enfim... Em se tratando da lenda, o céu é realmente o limite.

Pouco tempo atrás vi em vídeos no youtube especialistas em literatura se perguntando se ele não mereceria um Nobel de literatura (mesmo se tratando de um autor comercial). Afinal, trata-se de um expert no tema a que se propõe. E se pararmos pra pensar em quem vem ganhando o prêmio nas últimas décadas, honestamente... Eu acharia, sim, digno da parte deles. Stephen vem fazendo muito mais pela literatura do que esses vencedores quase anônimos para grande parte do público. Um caso a se pensar. 

E enquanto eles pensam, que o mestre continue nos alucinando com seus livros pelos próximos 50 anos (se ainda tiver fôlego).      

sexta-feira, 29 de março de 2024

A cowgirl enfim chegou


Entre as muitas coisas que a pandemia da covid estragou ou encerrou ou mesmo atrasou, certamente há um capítulo à parte para Cowboy Carter, o oitavo álbum de carreira da Beyoncé. E desde já é preciso enaltecer: a expressão country a qual o disco foi rotulado antes mesmo do seu lançamento, funciona muito melhor como provocação do que simplesmente exaltação ao gênero musical.

Que o diga a capa, que traz a cantora montada num tordilho, raça que nasce preta e vai embranquecendo com o passar dos anos (numa clara alusão à história do próprio country, que teve seus precursores negros abafados ou escondidos com o passar das décadas).

E embora o trabalho atual seja o ato II de uma trilogia em construção, confesso: Cowboy Carter não só funciona como álbum solo como é infinitamente superior à Renaissance, seja melodicamente, seja pela ousadia das letras (que tem um clima mais pessoal, mais memoriográfico, em alguns momentos até dividindo momentos amargos da vida da própria artista). Foi a maior explosão de ritmos e referências que eu ouvi nos últimos anos - e com folga. 

De Dolly Parton à Miley Cyrus, de uma voz lírica quase remetendo a ópera à menção a um clássico dos Beach Boys, de um simples violão extremamente bem tocado à vozes inebriantes, duetos impecáveis, rimas ácidas, uma pegada que flerta com o western aqui, a cantora no seu apogeu R&B acolá, o álbum entrega tudo o que os fãs (e também os que nem eram tão fãs assim) esperavam. 

E eu fico me perguntando: imagine quando sair a turnê desse disco e, posteriormente, o ato III, a loucura que não vai ser isso!

Beyoncé já havia lançado previamente os singles "16 Carriages" e "Texas Hold 'Em", mas recomendo aos ouvintes que também fiquem de olho em “Ameriican Requiem”, “Ya Ya” (a faixa, para mim, mais Beyoncé de todo o trabalho) e “Levii’s Jeans”, em parceria com a banda Post Malone. E o encerramento com “Amen" é de um tapa na cara do atual status quo norte-americano quase cirúrgico. 

Ah! E como eu poderia esquecer dos covers de "Jolene" e “Blackbird”, minha canção-fetiche de Sir Paul McCartney desde meus 15, 16 anos, que eu não me canso de ouvir sempre que posso num spotify ou deezer da vida?

Encerrada a audição, coloco todas as faixas para escutar de novo. É inebriante. Ouçam! Os fãs mais apaixonados da cantora já especulam que seu ato III desse projeto seria supostamente um álbum de rock. Não sei se tal façanha se concretizará, mas com certeza se tiver o mesmo nível de exigência - e qualidade - deste aqui, os fãs podem agradecer de joelhos. 

Entra fácil na lista de melhores do ano. 


domingo, 24 de março de 2024

O Lamapalooza


Talvez eu tenha vindo ao mundo com este objetivo: o de não entender a sociedade, deixar pra lá, viver a minha vida, ponto. Mas que é, no mínimo, surreal, ah isso é! 

Hoje, último dia do festival Lollapalooza, vejo notícias em vários sites se referindo ao festival de lama e desorganização do evento. Importante dizer: de novo. Uma palavra chegou a viralizar em redes sociais e matérias de jornais: Lamapalloza. Será tão difícil tornar o Autódromo de Interlagos, em SP, minimamente apresentável para o público?

Os acusadores com seus dedos nocivos apontarão em minha direção para dizer: "mas em evento com chuva não tem jeito, é assim mesmo, sempre será, pipipipopopo...". E por que realizar um evento dessa magnitude justo nessa época do ano, em que temporais e enchentes são costumeiros e devastadores?

Reafirmo: eu não entendo o que leva uma pessoa em sã consciência a pagar valores absurdos para ser mal tratado dessa forma. A cada dia me dou mais e mais conta de que vivo num país de sadomasoquistas. Nada é pior do que o fanatismo exacerbado. Nenhum artista da cultura pop atual merece de fato tamanho imbecilismo, tamanha falta de amor próprio. 

Vi pelo canal Multishow a apresentação dos Titãs (uma banda fetiche minha e da geração a qual pertenci), em êxtase, cantando junto todos aqueles hits - "Polícia", "Televisão", "Go back", "Marvin", "Sonífera ilha", "Flores", etc - e declaro aqui, sem receio: jamais pagaria para estar ali ao vivo, não naquele lugar, não naquelas condições. 

Relativizamos - ou será melhor dizer naturalizamos? agora fiquei na dúvida - o absurdo, os preços caros, o desleixo, o tumulto, a falta de compromisso com o que é correto, e passamos a chamar de experiências únicas (e tem até quem chame uma porcaria dessa de imersiva), de viver a vida intensamente, otário é quem não faz parte desse universo. 

Há um filme do cineasta Michael Winterbottom cujo título explica bem o que é essa sociedade frequentadora desses festivais alucinógenos e mal organizados: A festa nunca termina. E o que interessa é ela, a festa, o evento, a balbúrdia, o sentimento de falsa rebeldia, de fazer parte de um momento único (que de único não tem nada: artistas que se repetem a cada edição, set lists quase sempre os mesmos, filas astronômicas pra tudo, muito playback, bagunça entra ano, sai ano).  

E o que sobra? O delírio coletivo. Agora chega! 2025 tem mais.  


sexta-feira, 22 de março de 2024

90 anos de pura resistência cultural


Falamos tanto do que está fechando, acabando, falindo no país que esquecemos de homenagear o que permanece de pé, lutando, enfrentando as adversidades, os governos caóticos, custe o que custar. Parece mais legítimo nos últimos anos para a sociedade brasileira se bastar com o que aconteceu com o Teatro Oficina após a morte do dramaturgo José Celso Martinez Corrêa - ou seja: o arrependimento - do que acreditar na resistência de quem decidiu não abaixar a cabeça. 

E  o Teatro Rival, que completa 90 anos hoje, é exatamente isso: a decisão de uma família fascinada por cultura em não querer desistir, de jeito nenhum. 

O Teatro Rival nasce em 22 de março de 1934, graças à vontade de Vivaldo Leite Barbosa, proprietário também do edifício Rex, ambos nos arredores da Cinelândia. Contudo, ele passou por várias mãos até chegar Américo Leal, um famoso empresário do ramo do teatro de revista em 1970, e adquiri-lo. De lá para cá o espaço ganhou uma cara nova, um foco novo. Ele decidiu resistir, contra tudo e todos. 

Totalmente dedicado à cultura musical e às artes cênicas, o teatro iniciou sua jornada com a comédia Amor, estrelada pela grande atriz Dulcina de Moraes, mas foi palco para praticamente tudo o que você puder imaginar. Os maiores nomes da MPB por ali passaram, grandes encenadores teatrais, até mesmo as travestis do lendário Divinas Divas (que chegou a virar documentário pelas mãos de Ângela Leal, neta de Américo), tiveram o seu destaque merecido.

Inclusive, foi a partir da entrada de Leandra assumindo o legado da família, que o teatro assumiu um novo projeto, abraçando de uma vez por todas a trinca música, gastronomia e boemia (do qual os fãs do espaço são devotos até hoje).

Entre os espetáculos que marcaram época, os frequentadores mais antigos gostam de citar Dona Xepa, de Pedro Bloch, mas praticamente a nata da cultura nacional passou por ali: de Grande Otelo à Oscarito, de Dercy Gonçalves à Rogéria... Um lugar que enfrentou ditaduras, diversas obras no centro da cidade (muitas delas polêmicas) e vários planos econômicos fracassados. E ainda assim, com tudo isso, permaneceu vivo e no imaginário de quem o frequentou e ainda frequenta.

Hoje tem festa no Rival, com roda de samba e homenagens à Zeca Pagodinho (que completou 40 anos de carreira esse ano) e à saudosa Beth Carvalho. A noite  certamente promete. E que venha, claro, daqui 10 anos, o centenário. O lugar merece! 


sábado, 16 de março de 2024

Binoche, 60


Meu pai dizia sempre quando via seus faroestes em vhs: "Existem artistas e 'artistas'. Não se deixe enganar por qualquer um". Aqueles entre aspas eram sempre os eternos canastrões, os inventados pela mídia sensacionalista, fabricados pela hollywood insossa e de fácil lucro, já talento...

Eu era moleque quando ele disse isso a primeira vez e, lógico, não entendi plenamente o conceito. Era preciso dar tempo ao tempo, encontrar meus próprios ídolos, observar os que fingiam de astros de ação ou galãs (e eu nunca fui muito adepto de ambos). Em outras palavras: só quando eu envelhecesse, quebrasse a cara, perdesse o meu tempo em frente a tela, ia começar enfim a tirar minhas conclusões. 

Hoje fiquei sabendo que a atriz francesa Juliette Binoche completou 60 anos de idade e, então, entendi de uma vez por todas o que disse o meu pai. Por quê? Porque ela, definitivamente, é artista com A maiúsculo. E também musa de toda uma geração. 

A sensação que eu tenho quando vejo Juliette nas telas é a de que ela trabalhou com todo mundo que realmente significou alguma coisa na sétima arte. Mesmo. De Abbas Kiarostami à Olivier Assayas, de Phillip Kaufman à Anthony Minguella (cujo projeto em parceria, O paciente inglês, lhe deu um Oscar de melhor atriz), de Louis Malle à David Cronenberg... E que cada momento seu em cena foi único e não reproduzível em outras grandes artistas. 

Como esquecer da mulher adúltera em Perdas e danos, traindo o noivo com o próprio genro? E da Cathy, amada de Heathcliff em O morro dos ventos uivantes? Dos seus trabalhos mais recentes, gostei muito também da María Segovia em Os 33, sobre o caso real dos operários da mina soterrados no Chile. Enfim... Binoche é um furacão, faz de tudo. Passeia do drama à comédia com uma desenvoltura ímpar. Sorri, chora, foi mãe, filha, mulher à frente do tempo, cientista, sabe lá Deus o quê mais. 

Tom Hanks ao entregar à Denzel Washington o seu Cecil B. DeMille Award mencionou a capacidade de certos atores serem reconhecidos por seus sobrenomes (Bogart, Peck, Brando, etc). Eles seriam um clube exclusivo. Para as mulheres, vale a mesma regra. Hepburn, MacLaine, Davis, Garbo... E com certeza há um lugar para Binoche. Que venham os 100, pois você, com certeza, merece!


terça-feira, 12 de março de 2024

Aqueles tempos que não voltam mais


Nessa última semana por duas ou três vezes vi textos e comentários na internet a respeito dos 50 anos da sessão da tarde, horário de filmes que por anos marcou época na Rede Globo (hoje, honestamente, não mais). E pensei comigo: por que não lembrar daquele tempo em que a tv aberta ainda valia a pena?

Minha primeira impressão acerca desse horário automaticamente remete, é óbvio, à comédia Curtindo a vida adoidado, de John Hughes. Lembrar das peripécias de Ferris Bueller (Mathew Broderick) fingindo de doente para matar a aula e curtir a cidade junto com os dois amigos, enquanto o diretor da instituição tenta desmascará-lo, é praticamente obrigatório para qualquer pessoa da minha geração (falo do final dos 1980, início dos 1990). 

E eram tempos da chamada geração B.R.A.T (dos filmes feitos para jovens), com Robert Downey Jr. em O rei da paquera, Molly Ringwald em A garota de rosa shocking, os moleques investigando o tesouro do pirata Willie Caolho em Os goonies (não esqueçam: até Thanos fazia parte dessa turma!), a dupla Corey Feldman e Corey Haim em Sem licença para dirigir... E eu, em frente a tv, ávido, querendo entender e fazer parte de tudo aquilo. 

Mas não esqueçamos, como sempre, das grandes franquias. Cocoon trazia o trio de velhinhos sabichões que ficavam mais espertos após se banharem na piscina energizada dos alienígenas; Indiana Jones (Harrison Ford) era o professor, aventureiro e herói que resumia a nossa paixão adolescente em belezas e frenéticas imagens; Christopher Reeve era o Superman, Lou Ferrigno era o Hulk e ninguém falava ainda em Liga da justiça e Os vingadores; haviam vampiros, dinossauros, gnomos, fadas e duendes para dar e vender. 

Aliás, um breve aparte desse cinéfilo angustiado e saudosista: por que o cinema americano não consegue mais produzir longas como Krull, Caravana da coragem, A lenda (um dos primeiros filmes da carreira de Tom Cruise), Willow - na terra da magia, Labirinto, A princesa prometida, O matador de dragões, Conan - o bárbaro e Guerreiros de fogo? Parecia tudo tão simples naqueles anos! 

Rimos com Arnold Schwarzenegger e Danny DeVito na pele dos irmãos gêmeos mais impossíveis que hollywood já produziu. Rimos com Steve Martin sendo incorporado por Lily Tomlin numa sessão espírita, pagando de pastor charlatão, de investigador particular, pai de primeira viagem e até encalacrado com John Candy numa viagem sem fim. Rimos com o policial Frank Drebin (Leslie Nielsen) fazendo tudo errado em Corra que a polícia vem aí. Rimos com Jim Carrey na pele do Máskara, de Ace Ventura, do Charada, do substituto de Deus. Finalmente: rimos - e muito! - com Eddie Murphy em Um príncipe em Nova York e na pele do detetive Axl Foley de Um tira da pesada.

Em outras palavras: era uma época alegre, divertida (ah! quase me esqueço de Gene Wilder e Richard Pryor).

E, infelizmente, hoje vemos - eu, pelo menos, vejo e até demais - isso tudo ficar no passado com programações semanais que, muitas vezes, beiram o ridículo de tão mal feitas e abaixo da crítica. Confesso que parei de acompanhar as sessões na época em que entupiam o horário com aqueles filmes meia-boca, feitos para a tv americana, com as gêmeas Olsen (eu nunca vi a menor graça nelas!). Às vezes eram 3, 4 por semana. Fora os longas que não passavam de sequências ruins, sem o elenco original, de produções que fizeram sucesso nos cinemas. 

Foi então que eu decidi: "já deu! próximo capítulo". Troquei tudo por dvds, blu-rays e agora o famigerado streaming (que começa a cair na mesma esparrela e crise de criatividade ocorrida aqui). 

Como não sei de que maneira terminar este post que já estendeu mais do que o necessário, pois era para ser uma singela lembrança gostosa, me pego refletindo a respeito do futuro do cinema e, consequentemente, do que chega a posteriori na tv. A sétima arte tem pouco mais de um século de vida e se rendeu a isso, a essa coisa gratuita, por vezes vulgar, que visa unicamente ao lucro rápido e fácil? Meu Deus! E eu que pensava que nós fôssemos mais inventivos...

Breve P.S (ou delírio cinematográfico apenas): como eu AINDA QUERO que a tv seja lugar de bons filmes, à tarde ou no horário nobre, tanto faz. Será que é pedir demais?


quinta-feira, 7 de março de 2024

Meio nostalgia, meio bate-papo


Quando fiquei sabendo do lançamento de Especulações cinematográficas, segundo livro do cineasta Quentin Tarantino, no Brasil eu sequer tinha lido a sua obra anterior (a versão romanceada de seu último longa, Era uma vez... em Hollywood, que - eu confesso - achei fraco). E ao contrário de seus fãs mais devotos, não saí correndo para comprar, pois estava entretido com uma adaptação em quadrinhos de Drácula, de Bram Stoker.

Passadas algumas semanas - e comentários divididos sobre o livro na internet - me deparo com ele em versão PDF num desses sites de compartilhamento e acabo fazendo o download. Devoro o livro em três dias, uma prosa fácil e rápida, porém... Fiz bem em não comprá-lo. Não só esperava bem mais, como acho que Tarantino fará mau negócio em trocar o cinema pelo mercado editorial. 

Especulações cinematográficas mostra um Tarantino fascinado pela década de 1970 do cinema americano. Mas não pelos clássicos que eu amo - Um dia de cão, Rede de intrigas, Serpico, etc - e sim por longas mais cáusticos, ácidos, perturbadores, fora da curva, por vezes depravados, indecentes, até. E sobre eles faz monólogos saudosos e até mesmo inspiradores (principalmente quando lembra das idas ao cinema com a mãe e seus namorados). 

Com seu livro, descobri que Quentin prefere Steve McQueen à Paul Newman (meu pai, se lesse, com certeza discordaria!); que acha Dublê de corpo uma ode erótica e vazia; que - como eu - sempre achou Ali MacGraw sem graça em Os implacáveis, de Sam Peckinpah (meio que um diretor-fetiche para ele); que venera o extraordinário Don Siegel, parceiro eterno de Clint Eastwood e diretor dos extraordinários Dirty Harry e Alcatraz - fuga impossível; e, principalmente, que o mórbido e o extravagante, de certa forma o excita. E por isso se tornou diretor de cinema. 

A primeira coisa que eu entendi de cara, ao término das mais de 450 páginas, foi o porquê ele precisou dirigir À prova de morte, parte integrante (junto com Planeta terror, de Robert Rodriguez) no projeto Grindhouse. E o quanto os fãs aqui no Brasil não entenderam absolutamente nada da sua proposta! Tarantino é nostalgia pura, na melhor acepção do termo. Fã das músicas da década de 1950, dos faroestes clássicos, de John Flynn e da raiva por vezes contida, por vezes direta, do roteirista Paul Schrader.   

No último capítulo ele ainda dá uma colher de chá ao oitentistas para falar de Pague para entrar, reze para sair, de Tobe Hooper (um clássico da minha adolescência) e aproveita, claro, para destrinchar o maior longa do diretor: o irracional, e não menos cult, O massacre da serra elétrica. E eu me senti um pouco carente, pois queria que ele continuasse por ali mais um tempo, mencionando os slashers (Freddy, Jason, Myers), mas - infelizmente - era hora de colocar um ponto final no livro. 

Ao fim, o sentimento que me ficou foi meio nostalgia, meio bate-papo entre amigos cinéfilos, com algum palavrão aqui, uma gíria ali, um descompromisso acolá... E não necessariamente isso é positivo como avaliação da obra. Mais: achei o preço do livro, em várias livrarias onde entrei, bem salgado para quem oferece algo tão informal e não tão diferente do que vejo em muitos blogs e sites sobre cinema atualmente. Enfim...

E me peguei pensando se seu último longa, The movie critic, terá essa mesma pegada. Espero sinceramente que não. É a despedida dele, não é? Que o último ato, como costumam dizer os grandes diretores, seja glorioso. Do contrário, de que adiantou acompanhar a carreira dele até aqui? 

Em outras palavras: que o livro - e suas limitações - o inspire a voos maiores. Os fãs, que sabem do que ele é capaz (eu já vi em Pulp fiction e Bastardos inglórios), certamente agradecerão... 


domingo, 3 de março de 2024

A febre do swing é real, gente!


O sucesso não cai do céu e todo artista que se preze sabe disso como ninguém. Mas refazer a rota é também um gesto de lucidez necessário para quem quer continuar em evidência, relevante e atento ao seu público e às novas gerações que estão chegando. 

Construir uma carreira é difícil? Reinventá-la é ainda mais. Lutar contra a certeza de que aquilo que você sempre fez, que o colocou no olimpo da sua profissão, não está mais funcionando (não daquele jeito) e recomeçar. Às vezes, do zero. Rod Stewart conseguiu, um pouquinho, um tijolo de cada vez. Foi do hitmaker de "Maggie may", "Sailing", "Da ya think i'm sexy?", "Tonight's the night", "Hot legs" e tantos outros sucessos ao regresso às origens da canção americana. E nunca foi tão feliz em suas escolhas! 

Com seu mais novo álbum, Swing fever, atingiu o zênite de sua musicalidade e, principalmente, provou por a mais b ser um notório pesquisador de repertório. O conjunto de canções aqui proposto passearam não somente pelo imaginário norte-americano como também produziram uma espécie de fenda no tempo em minha mente. Coisas que eu sequer imaginava que existiam e fiquei encantado de conhecê-las pela primeira vez (e pela segunda, a terceira, a quarta também...).  

Acompanhado do pianista - e também apresentador - Jools Holland, Rod nos faz cantar junto, fazer coro, sapatear, procurar as letras no google (fiz questão de encontrar as traduções das músicas para entender o significado de cada uma, saber o que elas representam para aquele povo) e tudo num clima altamente dançante, no melhor estilo "arraste o sofá da sala agora e requebre o esqueleto também".

E se você já assistiu aqueles filmes antigos hollywoodianos, com aquelas jazz bands maravilhosas, únicas, e se pegou com os olhos brilhando, querendo fazer parte de tudo aquilo, no meio daquela multidão de ensandecidos, então meu caro leitor, este álbum foi feito sob medida para você. 

Como escolher as melhores canções num monumento à canção como esse? Vocês só podem estar malucos! Enfim... Ouvir (e reouvir) todas as músicas é quase uma obrigatoriedade para o fã de coisa boa, artigo raro hoje em dia. Mas vale a pena uma audição a mais em faixas como "Frankie & Johnny", "Lullaby of Broadway", "Them there eyes", "Oh Marie", a extraordinária "Pennies of heaven" e "Good rockin' tonight" (com um clima que me lembrou dos antigos filmes de rito de passagem dos anos 1970).

Ao fim das quase dez vezes que ouvi o disco (e querendo ouvir de novo), o que mais posso dizer? Esqueçam esses cantores fajutos, que fazem playback o tempo todo, repletos de bailarinos e coreografias indecentes; esqueçam esses falsos rockstars cheios de pose, marra e com pouquíssima ou quase nenhuma voz; e também parem com essa mania de esperar pelo próximo revival de alguma banda ou artista que fez sucesso pelo menos 20 anos atrás. 

O artista está aqui. Se chama Rod Stewart, está lúcido, cantando como nunca, no melhor da sua forma, e deixando claro que quem decide a sua carreira - fazendo o que parece simples, mas de simples não tem nada - é ele, não a sua gravadora ou a mídia especializada. E caso você nunca o tenha ouvido, já passou da hora de dar uma chance, não acha? E aposto que não vai aguentar ficar sentado na cadeira o álbum todo. Eu não aguentei. Entra agora no youtube ou algum serviço de streaming e tira a prova dos nove você mesmo!