quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Amor em xeque


É difícil falar do amor. Quem tentou, saiu cheio de cicatrizes (e em alguns casos, renovado). Porém, é uma catarse necessária, acho até imprescindível, principalmente em tempos caóticos e confusos como estes atuais, cheios de fake news e sociedade polarizada guerreando por uma classe que nunca se importou com o povo. 

Levando isso em consideração me deparo com um exemplar de Eu sei que vou te amar, livro de Arnaldo Jabor criado a partir do longametragem homônimo de 1986 que deu a Palma de Cannes à atriz Fernanda Torres, abandonado numa barraca dessas de livros usados em plena feira de subúrbio. Já havia lido o romance uns oito anos atrás e adorado (tanto que, quando lançada sua versão para o teatro, fui correndo assistir). Retomá-lo após tanto tempo e ciente do que o tema proposto nele fez na minha própria vida, decidi encarar a empreitada novamente. 

Eu sei que vou te amar - que tem tintas de Vinicius de Moraes não só no título - traz um casal que viveu junto por seis anos e após uma breve separação se reencontra para discutir a relação que passou e tentar entender o que fez de errado no processo. Na própria contra-capa do livro o autor define sua obra como "o livro definitivo a traduzir as D.Rs". E está absolutamente certo. 

O romance de Jabor é um tapa na cara com luvas de pelica na vida de casais que passaram a vida errando em seus relacionamentos e não conseguem admitir a culpa (isso quando não empurram toda a parte catastrófica para a conta da outra metade da relação). 

A narrativa é cheia de silêncios, reticências, discursos entrecortados. Há momentos em que se percebe nitidamente a tentativa (seja dele ou dela) de construir sua defesa no calor do momento, tentando deixar no passado escolhas infelizes que fizeram, mas que são indispensáveis para entender o que os levou ao término.

Há um clima entre o rock n' roll e a bossa nova conflitando no cenário que, na versão cinematográfica, acaba por remeter ao Steven Soderbergh de Sexo, mentiras e videotape (tenho até vontade de rever o filme para saber se ainda tenho essa mesma impressão de quando o assisti pela primeira vez). E essa antítese de sentimentos, gostos, caminhos, é muito bem-vinda na hora de entendermos os sentimentos dessa geração (que não é a minha), ofuscada pelo período militar e suas castrações ideológicas. 

Talvez muitos que conheceram a obra quando acabara de ser lançada a considerem hoje datada e defendam a ideia de que nada disso acontecesse com a atual geração, simplesmente porque ela "não ama mais com esse mesmo vigor". Em certo sentido, concordo. Tornamo-nos evasivos, efêmeros e mentirosos de carteirinha como sociedade, mas ainda vejo a possibilidade de podermos discutir a vida a dois (pelo menos, entre "alguns" seres humanos).

Em outras palavras: a literatura pretendida por Arnaldo Jabor - ele próprio, um provocador por natureza - é debochada, irônica, e toca numa questão muito contemporânea. Perdemos a capacidade de ouvir. Queremos ordenar e fazer dos outros empregados de nossa vontade. E não é à toa nem começou do dia para a noite esta cultura tendenciosa. 

É uma pena que nossos literatos não tenham migrado mais para esse debate nos últimos anos. Andamos carentes de uma boa discussão. Não essa guerra de interesses dos dias de hoje, esse mundo videogame onde seus vizinhos, parentes, amigos são adversários a serem aniquilados e nada mais. 

Por mais amores de carne-e-osso como este aqui e menos vidas de plástico, botoxizadas, construídas à bisturí e esteróides... 

domingo, 28 de outubro de 2018

Será isso um poema ou um rap para uma nação destruída?


Que país é esse?

não importa quantas vezes cantem 
não importa quantos compositores repitam o refrão
a pergunta persiste:

Que país é esse?

É o país da Júlia que está no Canadá e não voltou, 
da garotada que jogou Baleia Azul e se arrependeu,
dos convidados da festa de aniversário do cachorro da Vera Loyola,
daqueles que dizem que são crias de lugares que nunca deram valor,
dos boçais que furaram o patinho da FIESP naquela "manifestação", 
dos que idolatram a barbárie como solução para a barbárie, 
do pobre que elegeu, cheio de orgulho, o milionário apresentador de tv,
do alienado paz e amor com arma na cintura em nome da família, 
da menina bem--nascida que matou os pais por causa da grana,
do povo de Deus? 

Meu Deus!
Meu Deus!
Meu Deus!!!!

MEU DEUS!!!!!!!!!

grita
grita
grita mais alto
grita, pois quem sabe um dia te ouçam
quem sabe os surdos, os cegos, os alienados te ouçam
quem sabe eu, um dia, te ouça
(e eu disse quem sabe)

o país virou aquele livro do Saramago
sabe qual?
aquele que todo mundo fica cego
lembrou?
aquele que o Fernando Meirelles, o do Cidade de Deus, filmou
lembra não? 
aquele...

procura

procura no Google que você acha

no Google você acha tudo 
da Rita Cadillac nua à Declaração universal dos direitos humanos
tudo, tudo, tudo
é só procurar com calma que você acha

o Google é a bíblia do caos do século XXI

corta para:

morreu Moa do Catendê
morreu Marielle Franco
morreu Amarildo 
morreu Eduardo Campos
morreram as moças que colocaram silicone industrial no corpo
morreu o travesti na parada gay
morreu o deputado que promete empregos e salários 
(mas nunca cumpre)
morreram Marias, Joões, Helenas, Pedros, Cecílias, Brunos, 
todo dia morre alguém novo, alguém diferente
alguém que não se enquadra no parâmetro 

é uma violência diferente todo dia
empurrada goela abaixo da gente

no final 
nós não passamos é de estatísticas
nós somos os números de nossas identidades e CPFs

não passamos de gente

que gente?
gente servil?
gente obediente? 
gente que não sabe dizer não?
pois é...
gente

todo dia 

todo dia a mesma história
a mesma - negra - história

(opa! não pode dizer negra; afro, então!)

maldito politicamente correto tomando conta das ruas, dos bares, das escolas, dos cinemas, dos teatros, das filas dos bancos, das conversas entre vizinhos, da porcaria toda

até pra dizer a verdade neste país está difícil 
está difícil pertencer a este país!!!

tem que conhecer as regras do jogo atroz 
cheio de cotoveladas, socos, pontapés
e o jogo tem vários nomes

tem gente que chama de mimimi 
tem gente que chama de empoderamento
tem gente que chama de luta de classes
tem gente que chama de "restaurar a ordem" (com aspas e tudo)
tem fascista posando de galã em academia fitness
tem falso moralista pregando discurso pseudoreligioso
que mais parece livro de auto-ajuda xerocado de faculdade particular
daquelas que o diploma não é nem credenciado pelo MEC

falando nisso...

por onde andam as escolas?
a última vez que tive notícias delas estavam ou ocupadas ou em greve
o que no final das contas dá na mesma

dá?
na mesma?

sei lá... no meu tempo não era assim
pelo menos, parecia que não era
ou era e eu é que não percebia?

por que o ensino no Brasil nunca é, de fato, reflexivo?

antigamente ensinavam Moral e cívica, OSPB, mas não ensinavam filosofia... e eu perguntava pro professor qual era a diferença, mas ele não sabia me responder

antigamente o lugar onde o professor ficava tinha um degrau acima dos alunos e eu achava estranho

depois, é bem verdade, tiram o degrau e eu continuei não entendendo porque antes tinha degrau

antigamente também tinham maus professores e alunos relapsos, mas não sei porquê as pessoas que estudaram comigo não lembram mais deles

então repito: 
por que o ensino no Brasil nunca é, de fato, reflexivo?

porque o ensino no Brasil é sinônimo de aprisionamento, 
de ficar dentro de sala aprendendo alguma coisa meia-boca 
com professores fajutos, mal formados, 
porque é melhor do que ficar na rua aprendendo a virar bandido? 

não, não estou defendendo vagabundo, não!
você entendeu tudo errado

eu quero que a escola volte a ser escola

tem candidato a presidente que não entende nada de política, de economia, de segurança pública, mas defende o ensino de antigamente

tem empresário no Brasil que é bandido 
e ninguém fala nada
tem engravatado no Brasil que é bandido 
e ninguém fala nada 
chamam esses de homens bem-sucedidos

tem a crise de valores 
(eu disse de valores, não financeira)

tem gente que ganha um salário mínimo por mês
gasta no mesmo mês o quádruplo do que ganhou
se endivida no cartão de crédito e no cheque especial
fica encalacrado até o ano seguinte
e ainda bota a culpa no Estado

"o país deve, por que eu não posso também?"

tem gente que deixa os filhos passando fome em casa
contas a pagar, mulher ralando na cozinha
mas não falta dinheiro para ver o jogo do Flamengo
todo fim de semana no estádio

tem gente que é tão pobre, mas tão pobre, 
pobre, pobre, pobre de marré derci,
que acha que é classe média, 
posa de classe média 
e os vizinhos e amigos ainda acreditam 
que a pessoa é de fato classe média

é sério isso?
é... é muito sério. 

aqui na minha rua tem uns 7 ou 8...

falta definir seriedade por aqui

aliás: temos que definir muita coisa por aqui
ética, moral, honestidade, certo, errado, gênero, fé
joga o Aurélio na lata do lixo e começa do zero 
novamente
(não é a primeira vez que alguém deve ter dito isso... tenho certeza)

querem mudar a Constituição 
de novo
mas não o vocabulário
pra quê?

o importante, na hora H, é (lista básica):
futebol 
MMA
novela das 9
mulher erotizada (ex: Globeleza pra cima)
menininhas precoces vestidas de miniputas em bailes funk
(lembram das roupinhas da Bicho Comeu, loja da Xuxa?)
cantar o hino nacional em jogo da seleção 
(pra dizer que é patriota)
seguir alguma religião 
(se puderem todos seguirem a mesma, melhor ainda)
ter carro do ano
(e mudar de seis em seis meses pra não dar bandeira de pobre)
e burlar burlar burlar, 
muito, 
praticamente o tempo todo
da blitz da lei seca ao Imposto de Renda

Ah! e quando tiver tempo
#Elenão
#Elesim
#Osoutrosnãotemamenorchance
pois não pode faltar uma guerrinha particular nas horas vagas

o resto é conversa pra boi dormir

boi boi boi boi da cara preta 
o boi era friboi e foi direto pra sarjeta
(malandro do Tony Ramos que meteu o pé antes)

na lapa um show em prol da democracia vara a noite
tem sambista, pagodeiro, sertanejo, cantor consagrado da MPB, rapper
mas democracia não estava fora de moda? 
não entendi

"está", grita a tia-avó de um amigo meu, uma senhora de 88 anos
que me disse já ter visto de tudo nessa vida, 
mas não sabe contar a história de absolutamente nada
(obs: ela não tem Alzheimer)

"vai pra Venezuela", ela gritou de novo
(antes era Cuba, não sei porque mudou, o povo gosta de modinha)

essa mesma senhora reclamou da última viagem que fez pra Europa 
viajou lado a lado com o filho do porteiro do prédio dela
ficou indignada
quase chamou a aeromoça pra pedir que o meliante se retirasse

o tal garoto é bolsista 
e estuda na PUC 
faz engenharia civil
graças ao financiamento estudantil
e foi agredido na saída do campus 
por quatro bad boys com camisas estampando suásticas
se disseram "defensores da lei e da ordem" os valentões
gozado!
os mesmos valentões nunca estão na sala de aula 
mas se formarão advogados, médicos, engenheiros, arquitetos
repito: gozado!

Tem gente que acredita que a Idade Média não voltou
que é tudo ilusão
tudo montagem
o mundo virou uma ficção na cabeça de alguns

típico! 

já reparou que tudo de mais estranho nesse país é típico?

novela com personagem gay descontextualizado dando beijo no último capítulo

carnaval na Marquês de Sapucaí com mulheres nuas nos carros alegóricos, corpos cheios de purpurina

caravana para assistir culto em templo evangélico aos domingos

marombeiros viciados em complementos vitamínicos e esteróides correndo pelos quarteirões das ruas onde moram levando nas costas bolas gigantescas

as pessoas não podem ser diferentes
não podem ter direito à escolha 
a liberdade dos outros é libertinagem, já a nossa...
ir e vir? nem pensar!
e detalhe: o passado era uma mentira

os filmes dos anos oitenta agora são misóginos 
Monteiro Lobato e Euclides da Cunha são racistas
O caso dos dez negrinhos, da Agatha Christie, mudou de nome
o golpe de 64 agora é movimento...

...e o mundo 
tá de cabeça pra baixo

quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?
o tempo que você perdeu tentando responder a pergunta
o ovo já foi parar no x-tudo de alguém e a galinha já foi assada
você demorou demais
não pode demorar demais

que país é esse?

já foi Tubiacanga, Mangue seco, Passárgada e outros oásis fictícios
tem quem chame de país do futuro
(apesar de nunca ter tido presente)
tem quem chame de zona do meretrício
O cortiço, de Aluísio Azevedo, na comparação, vira hotel 5 estrelas

o país tem jeito? 

segundo certo famoso colunista do mais importante jornal do país
não 
segundo este quase-poeta, que escreve estas mal traçadas linhas,
"prefiro não comentar"
(a frase é emprestada de uma personagem de sitcom da Rede Globo)

o que responder nessa situação, diante de um país
que não lê 
que não sabe cantar o próprio hino 
que não sabe (de fato) falar a própria língua
que só escreve pelo computador
que não desgruda do celular
que vai a escola apenas para tirar o diploma
que vive de bolsa isso, bolsa aquilo 
e que adora levar vantagem sobre os outros?

e eis que chega outubro e com ele as eleições e as opções...
hummm...
votar nulo de novo? 
caso sim, será minha quarta eleição seguida nessa categoria
tô ficando especialista no assunto

tá difícil, my brother! me ajuda aí!

e o representante do TRE chama esse período do ano 
de "festa da democracia"
então porque o voto não é opcional?
nunca entendi isso, nunca me explicaram

só pode ser deboche!

no passado diziam que índio queria apito, senão %¨&$#@ ia comer
hoje estão querendo desaparecer com o índio de vez
o %¨&$#@ virou protagonista da música

estão querendo desaparecer com tudo de vez

é a purificação do mundo
é a teologia da libertação 
é o novo país
das negociatas escusas
das delações premiadas 
do dinheiro na mala, na cueca, no apartamento
da devassidão moral travestida de oportunismo

"ou você tá dentro, ou tá fora"
quem não gostou mete o pé agora
amanhã pode ser tarde
pode ser ou tá difícil?

entre a cruz e a espada 
continuo da minha janela observando tudo 
passo a passo
opinando na internet de vez em quando 
escrevendo minhas memórias 
(vai que alguém algum dia quer ler)
testemunhando o avanço do retrógrado, do ultrapassado
homem virando mulher, mulher virando homem
tentando entender essa eterna mania do ser humano de andar pra trás
e chamar isso de progresso

ORDEM E PROGRESSO

palavras grifadas em nossa bandeira

pensa rápido: 
quais as cores da bandeira nacional?
e o que cada uma delas significa? 
tá demorando...
te ensinaram isso na escola
e aí?
coméquié?
você entendeu que é pra pensar rápido?

brasileiro e rápido na mesma frase nem sempre combina

modelo de brasileiro típico:
Rubens Barrichello

toca o hino nacional na tv
que raridade!

ouviram do Ipiranga às margens plácidas
de um povo heróico... heróico? ah tá

Me espera aí que eu já volto
(ou não?)

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

O brasileiro do momento em Hollywood


Conhecemos nosso cinema por seus grandes atores e diretores. Pergunte a qualquer cinéfilo que acompanha nossas produções com regularidade quem é Selton Mello, Wagner Moura, Alice Braga, Lázaro Ramos, Fabíula Nascimento, Caio Blatt, Ingrid Guimarães, Cacá Diegues, Laís Bodansky, Fernando Meirelles, Lúcia Murat, José Padilha, Walter Salles e companhia limitada e provavelmente eles saberão quem é cada um deles e delas. Agora pergunte a respeito de nossos produtores, os homens e mulheres que muitas vezes realizam verdadeiros milagres para tirar um projeto do papel e... Em 80% dos casos, no mínimo, provavelmente não citarão um nome sequer. E quando citarem é Luiz Carlos Barreto, o Barretão, com 90 anos de idade. Triste, eu sei... E isso precisa mudar. 

Dez dias atrás assistia O animal cordial, filme de Gabriela Amaral, e me deparei mais uma vez com o nome de Rodrigo Teixeira nos créditos como produtor (algo que já virou rotina nos últimos tempos, aqui e no exterior. E mais uma vez disparou o alarme: "ainda não escrevi um artigo sobre esse moço. Preciso corrigir isso urgentemente". Eis que um estalo soa em minha mente: "por que não agora mesmo?". Pois bem...

Quando você o vê pela primeira vez em imagens de portais de cinema e sites de notícias na internet, usando calças jeans simples, barba por fazer, óculos na cara, cabelo desgrenhado, à primeira vista pensa: "deve ser mais um daqueles nerds que se formaram no M.I.T (Massachusetts Institute of Tecnology)". Nada disso. Sequer chegou a concluir a Faculdade de administração de empresas e abriu mão de um grande emprego no setor financeiro para embarcar nessa jornada, a da sétima arte. 

Seu começo se dá quando sua vida esbarra com a do produtor e diretor Paulo Machline (responsável pelos recentes Trinta, cinebiografia do carnavalesco Joãosinho Trinta, e O filho eterno, adaptado do romance best-seller de Cristóvão Tezza - que já havia virado uma peça teatral bem-sucedida - e foi indicado ao Oscar de curta-metragem por Uma história de futebol). Dessa parceria nasce O casamento de Romeu e Julieta. E daí por diante Rodrigo não parou mais...

Porém, o mais importante sobre Rodrigo Teixeira é entender que vocês, cinéfilos, não estão diante de um homem obcecado com a fama ou com a indústria das celebridades. Tanto que ele nunca quis se mudar de vez para Hollywood. Continua com sua vidinha em São Paulo, só saindo de lá quando tem algo a fazer ou dizer no exterior. É aquilo que chamávamos antigamente de cdf, preferindo ficar em casa, lendo seus livros, procurando bons projetos. 

E, nesse quesito, hajam bons projetos! Quando tiverem um tempinho sobrando deem uma passada em seu perfil no IMDb e analisem sua filmografia como produtor. Seu grande mérito: saber fazer bons filmes com pouco dinheiro. "Profissionalismo e rentabilidade", costumam falar os amigos sobre o segredo do sucesso de Rodrigo. 

Entre seus projetos que mais repercutiram vale destacar as duas parcerias com a atriz (agora badalada após seu primeiro longa como diretora, indicado ao Oscar) Greta Gerwig, Frances Ha e Mistress America; o longa em que dividiu os créditos com ninguém mais, ninguém menos do que Martin Scorsese, Ciambra; o longa de terror para lá de bem sucedido A Bruxa; Me chame pelo seu nome (vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado esse ano); o meio nacional meio latino Severina e o independente Patti Cakes. Isso fora as futuras parcerias, como por exemplo Ad Astra (projeto lado a lado com o mega astro Brad Pitt), a adaptação do livro de Fernando Morais, Os últimos soldados da guerra fria (a ser dirigido pelo diretor francês Olivier Assayas) e o próximo longa de Brian de Palma, Sweet Vengeance (com Wagner Moura no elenco). 

E ainda tem espectador babaca, que acha que sétima arte se resume a Marvel e DC, que ainda chama o cara de cavalo paraguaio. Enfim... O brasileiro não valoriza seus verdadeiros talentos. 

Quer dizer: excetuando o autor (e quase crítico) deste modesto artigo. 

Que a ascensão de Rodrigo Teixeira em terras estrangeiras abra as portas mais profissionais do ramo. Tem muita gente boa nesse segmento por aqui. Que o diga Vânia Catani, parceira de Selton Mello nos longas O palhaço e O filme da minha vida, bem como Marcos Prado (produtor de Tropa de Elite e diretor de Paraísos Artificiais, um longa que merecia melhor atenção do público nacional quando aqui foi lançado).

Resumindo em poucas palavras: é o brasileiro - excetuando os atores Rodrigo Santoro, Wagner Moura e Alice Braga - mais comentado em hollywood atualmente. Então prestemos atenção ao que ele tem a dizer. 

domingo, 21 de outubro de 2018

Terra de ninguém (e de todos)


Mais uma vez o rap nacional vem à público para afrontar a verdade nacional e suas distorções políticas, conservadoras, mórbidas e acachapantes. Não faz nem um mês que mostrei aqui uma reflexão sobre o último clipe do rapper Gabriel, o pensador, Tô feliz (matei o presidente)2 e agora seu concorrente musical, o pernambuco Criolo, entorna o caldo de vez com Boca de lobo

A premissa é ótima: criaturas assustadoras (ratos, cobras, porcos, morcegos, abutres, "tucanos") invadem a nação e destroem nosso status quo básico, roendo e corroendo as esferas sociais. No meio da rua, numa manifestação pública cujo horror é multiplicado à milésima potência, o povo grita, ruge, corre, sobrevive como pode, enquanto os oportunistas professam sua fé, seu ritual da enganação, com a clara intenção de roubar nossas últimas esperanças. 

O clipe é escuro e obscuro e precisa ser dessa maneira. Chegamos a um ponto no país em que não dá mais para pôr a mão na cabeça desses homens e mulheres que vivem de tornar a nossa vida pior dia-a-dia. 

Diferentemente de Gabriel, o pensador em seu clipe, aqui Criolo opta por não aparecer. O que se vê dele durante todo o vídeo é apenas sua voz dura, cheia de farpas, o sotaque acentuado, engajado, cheio de ironias, melindres e desabafos. E cá entre nós: prefiro assim. Tenho certeza que os "metidos a burgueses" e os infames classe média, caso vissem sua imagem encheriam as redes sociais de comentários do tipo "começou o chororô de comunista", "cai fora, babaca!", "esquerdopatas que se lixem", entre outros "elogios" mais ácidos. 

Pergunto-me onde foi que erramos, por que tantos choram, por que a minoria abastada não para de enriquecer às custas da miséria humana, e o que se vê durante toda a canção, misturada que está às imagens fortes e desoladoras, é um grito de desespero, um sentimento de que não aguentaremos mais um ano, um mês, sequer mais um dia disso que aí está. 

Boca de lobo explora nossos sentimentos mais negativos, mas em contrapartida oferece uma fúria libertadora, uma coragem, uma vontade de mudar na marra, de querer invadir aquele lugar (vocês sabem bem de onde falo!) armado até os dentes e gastar até o último projétil naquela corja infame. Precisamos disso. Mais do que simplesmente acordar, precisamos tomar uma atitude. 

"Já passou da hora de tomarmos as rédes da situação", é o que parece gritar o rapper pernambucano mais influente do momento (e que já mostrou ao longo da curta mas intensa carreira, ser versátil, e entender de samba e até mesmo de Tim Maia). 

O mais revoltante, penso eu durante todo o clipe, é saber que nós, quando eleitores, criamos esses monstros que aí estão, verdadeiras múmias sagradas, que não largam o osso da impunidade um minuto sequer, nem mesmo quando estão doentes ou inválidos. Até quando seremos burros novamente?

Criolo é corajoso até a raiz do cabelo e pode ter certeza que sofrerá críticas abissais sobre sua postura. Espero que esteja preparado para a guerra (leia-se: enxurrada de comentários preconceituosos e vazios sobre o seu trabalho). No mais, uma certeza: ainda há pessoas com culhões na nossa MPB. 

Pena que ela nunca mais ganharam espaço de verdade nas mídias que fazem a diferença...

Tirem suas próprias conclusões vendo o desabafo do rapper no link:  https://www.youtube.com/watch?v=jgekT-PEb6c

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Amor, som e fúria


Não é todo dia que um filme musical realmente mexe com os meus sentimentos!

Saio da sessão de Nasce uma estrela, primeiro filme dirigido pelo bom ator Bradley Cooper, em êxtase. Esperava o longa há dois meses, inquieto, e vou logo abrindo o jogo: é tudo o que eu esperava e mais um pouco. Mas o mais importante: fiquei com uma sensação engasgada na garganta de que as comédias românticas sempre estiveram erradas. O amor é um campo de batalha do qual poucos, pouquíssimos mesmo, saem vitoriosos.

Jackson Maine (Bradley Cooper) chegou naquele ponto da vida - e da própria carreira como astro do country rock - em que, por mais que você tente, tudo parece ir por água abaixo. Luta para ficar de pé no palco, em meio ao uso excessivo de álcool e drogas, tem uma péssima relação pessoal com o irmão mais velho, Bobby (Sam Elliot), cujo trabalho sujo sempre foi o de limpar as burradas e excessos do irmão mais novo, e não tem, por mais que aparente o contrário às vezes, a menor expectativa positiva sobre o futuro de sua carreira. 

Após sua última apresentação, decide parar com seu motorista num bar (que, para sua surpresa, é um reduto gay, onde travestis se apresentam fazendo dublagens) e conhece Ally (Lady Gaga, que aqui mostra um outro lado seu, ainda mais formidável - pelo menos, para mim - do que já mostra rotineiramente em sua carreira pop bem sucedida). Seu encantamento e paixão pela jovem e imediato, mas fica estarrecido ao saber que a moça não canta suas próprias composições. Decide dar-lhe uma oportunidade no show business, cantando um duo em seu próximo show e se apaixonam. E é nesse exato momento que a trama de Nasce uma estrela ganha uma força arrebatadora. 

O longa, para muitos o mais esperado do ano, é uma grande tese sobre o amor e suas consequências catastróficas. Pois já dizia George Bernard Shaw, "o ser humano destrói tudo o que ama". E aqui isso fica claro nos pequenos detalhes, em características pontuais da trama e da produção. 

Primeiramente: a química entre os protagonistas é absurda e, no caso de Bradley, ele consegue me impressionar ainda mais do que já tinha feito no mediano O lado bom da vida, de David O. Russell. Sua persona na pele do músico visceral é fantástica. Não houve um momento em que não achasse sua participação como músico crível. Confesso: eu compraria um cd ou um dvd gravado por ele, se não soubesse que é um ator! 

Da parte de Gaga, o que se espera dela é entregue e com juros e correções monetárias. Ela vende uma artista mais cara limpa do que a personagem louca, andrógina, sempre cheia de maquiagens e vestimentas exóticas, que vemos no palco com frequência. Inclusive soube trazer para o longametragem experiências paralelas interessantes que viveu em sua carreira como cantora. Quando Ally conhece Jack cantando "La vie en rose", remeteu-me imediatamente ao projeto que a própria Gaga realizou recentemente com o cantor Tony Bennett. É uma Gaga mais clássica, menos pop. Adorei. 

E por falar em "La vie en rose", é preciso destacar aqui a trilha sonora do longa. Raríssimas vezes nos últimos anos ouvi uma trilha sonora que dialogasse tanto com um filme como aqui. As canções de Nasce uma estrela representam o mais profundo da psique de seus personagens. Falam de não continuar preso à velhos hábitos, de lutar contra uma sensação de aprisionamento, de se sentir afogado perante a vida... Sempre fui crítico de trilhas sonoras por, muitas vezes, considerá-las meia-bocas, nunca um retrato preciso do que foi o filme. Não é o caso aqui. E digo mais: Beyoncé - que seria a escolha original do projeto, que seria dirigido então por Clint Eastwood - saiu perdendo feio aqui. Deixou de participar de um projetaço! Enfim... Coisa de billboard e megaestrelas sempre atarefadíssimas e empoderadas. 

Não assisti a nenhuma das versões anteriores da história - apesar de já ter lido a respeito sobre elas e ouvido a trilha da versão com Barbra Streisand e Kris Kristofferson - e mesmo assim agradeço. Queria chegar de mente limpa nesta sessão e foi a melhor decisão que tomei. Provavelmente, se tivesse assistido alguma outra versão anteriormente, teria procurado defeitos ou comparações ao longo desta. E seria injusto com o trabalho de Bradley que se mostra uma grata surpresa (espero ver mais trabalhos dele nessa área). 

Na época de seu lançamento no Festival de Cannes a loucura foi tamanha - foram mais de 10 minutos de aplausos ao filme e todas as congratulações possíveis a dupla de protagonista - que Lady Gaga vem sendo cotada como possível indicada à melhor atriz no Oscar do ano que vem. Sobre isso só digo "aguardemos! ainda é muito cedo para isso". Entretanto, todo o marketing e boca-a-boca rolando nos últimos anos já diz muito sobre o espírito procurado pela produção para desenvolver o projeto. 

Em outras palavras: Bradley faz seu dêbut de forma até certo ponto magistral, Gaga mostra que é muito mais do que a figura espalhafatosa e elétrica que mostra em suas turnês (e achei de uma tremenda ousadia da parte da produção o desdobramento de sua personagem como uma artista que questiona a todo momento a nociva relação entre artistas e indústria fonográfica) e a música - matéria-prima fundamental num projeto como esse - afiadíssima e completamente interligada com a trama. 

Nasce uma estrela vai além de outras produções que trazem grandes divas do mercado musical como protagonistas. Assisti Whitney Houston em O guarda-costas, Mariah Carey em Glitter, Tina Turner em Mad Max além da cúpula do trovão, Norah Jones em Um beijo roubado e em nenhum dos casos acima vi uma entrega tão grande - seja cantando ou atuando - como aqui. 

Que o longa de Bradley Cooper fique como legado para futuras produções no gênero, que ainda merece espaço no circuito se feitas de maneira adequada, ao invés de perderem tempo com bobagens tais como La la land, de Damien Chazelle, numa era em que hollywood há muito tempo já não pode mais contar com fenômenos como Fred Astaire, Gene Kelly, Debbie Reynolds, Cyd Charisse e outras lendas...

sábado, 13 de outubro de 2018

Aconteceu, virou manchete! (Memórias de infância 13)


Das muitas frustrações que tive na minha vida (não ter visto a Copa do Mundo de 1970 no México, não ser nascido quando do festival de Woodstock, etc etc etc) certamente uma das maiores foi me deparar com o aparelho televisor ligado em 1999 para a última transmissão da Rede Manchete. Acreditem: eu chorei. E chorei por ver naquela cena o fim de um legado. A minha relação com a tv dali em diante mudaria drasticamente (foi quando comecei a me relacionar mais com os filmes na madrugada e com meu videocassete - quem sabe eu fale sobre isso num próximo texto dessa série Memórias) e eu ficaria definitivamente órfão de uma determinado tipo de programação. 

Quando penso em nostalgia hoje, na casa dos quarenta, é fácil pensar na emissora de Adolpho Bloch. Ela, diferentemente da Rede Globo, sempre mais preocupada com audiência do que com qualidade, me apresentou a um mundo de possibilidades. Digo mais: comecei a entender de fato o significado da palavra diversidade assistindo aos seus programas, novelas, desenhos e jornais. 

Eram tempos de chegar correndo da escola para não perder Manchete Esportiva, com Márcio Guedes (que outro dia desses vi falando, mais velho, numa entrevista no you tube). Era o melhor programa esportivo da tv nacional porque não se limitava exclusivamente a falar de futebol, como se faz cansativamente em muitos programas do gênero hoje em dia. E quando não chegava correndo para ver Márcio Guedes, era por qualquer outro bom programa pelo qual, volta e meia, caía de amores. 

Eu sei, eu sei... Vocês querem exemplos práticos. Ei-los:

Cabaré do Barata: Agildo Ribeiro e uma série de bonecos satirizando presidenciáveis da época (Brizola, Lula, Orestes Quércia, Paulo Maluf, e tantos outros) em situações que ironizavam o clima negro daqueles tempos (que nos trariam Collor em Brasília, o confisco da poupança e... Quem viveu, sabe o resto!); Acredite se quiser: o eterno ator Jack Palance trazendo fatos curiosos - e às vezes bizarros - ocorridos ao redor do mundo; quase um lado B do guiness book (pelo menos, eu sempre tive essa percepção do programa); Milk Shake: enquanto a Globo emplacava com o Globo de Ouro, Angélica apresentava a sua versão de programa musical com atrações que iam de João Penca e seus miquinhos amestrados à Ritchie (esse eu vi muito na casa da minha avó aos sábados); Tamanho Família: a primeira sitcom que eu assisti na vida, sobre uma família de classe média extremamente desajustada, escrita por Geraldo Carneiro, Leopoldo Serran e Mauro Rasi e com Sueli Franco, Ivan Cândido, Zezé Polessa e Diogo Vilela (que eu curtiria mais tarde na TV Pirata da Rede Globo) no elenco...

Gostaram do pequeno aperitivo? Isso porque vocês (os mais novos, pelo menos!) não assistiram às telenovelas da Manchete. Se houve uma emissora que tirou audiência da emissora da família Marinho, foi a manchete. Pantanal que o diga! Milhares de homens pediram Juma Marruá (Cristina Oliveira) em casamento. Eu cheguei a ver uma novela inteira, Corpo Santo, só por causa da atriz Lídia Brondi, uma musa eterna do meu tempo adolescente. E ainda teve Ana Raio e Zé Trovão, Kananga do Japão, Tocaia Grande (baseada em obra literária de Jorge Amado), Xica da Silva... A lista é imensa. 

Outro ponto forte da emissora eram as transmissões dos desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí. E eu ficando acordado até a manhã seguinte, pois queria ver todas as agremiações, e deixando minha mãe irritada ao aparecer de olheiras no dia seguinte. Era o que eu chamava de aventura naquele tempo! E ainda tinha o Jorge Aragão no botequim do samba e o Haroldo Costa apresentando o Esquentando os tamborins nas semanas que antecediam o desfile. Ah! E os desfiles de fantasia no Hotel Glória, com Clóvis Bornai? E os bailes de carnaval no Scala, apresentados por Rogério, Otávio Mesquita (na pele do Repórter Morcego) e Gerson Brenner? Ah! A memória!

O correspondente dessa nostalgia, mas na minha versão infãncia eram Lupu Linpim Clapa Topo, com Lucinha Lins (por quem já era apaixonado desde a época de Os Saltimbancos Trapalhões no cinema) e Cláudio Tovar (membro fundador do grupo Dzi Croquettes) e posteriormente os seriados tokosatsus asiáticos Jaspion, Changeman, Jiraya, Jiban e companhia limitada. Teve um período febril com a série animada Cavaleiros do Zodíaco que rendeu filas nas bancas de jornal para comprar qualquer tipo de material que trouxesse os heróis estampados e filas nos cinemas, mas já eu curtia uma fase cineclubista e ainda não estava na onda do Anime.  

No quesito jornalismo eu assistia escondido dos meus pais à Documento Especial (que chegou a ter alguns episódios reexibidos recentemente no Canal Brasil - e que eu, lógico, revi!), que trazia temas polêmicos que iam da prostituição ao crime organizado. E fica aqui um recado para as emissoras atuais: como faz falta um programa investigativo desses nos dias de hoje! 

Contudo, apesar de toda essa variedade, como diz o ditado popular: "o que é bom dura pouco". E com a Rede Manchete não foi diferente. Comecei a perceber a mudança de clima na época em que as primeiras chamadas da novela Brida (baseada em romance de Paulo Coelho) começaram a ser exibidas. Não era mais a mesma coisa, o mesmo tom. Tudo parecia feito às pressas, afobadamente. Cheia de dívidas, a emissora definhou gradualmente até sua derradeira transmissão. 

Eu não tinha sequer sete anos quando a Manchete entrou no ar e começou a exibir seu tema de abertura, com aquele gigantesco M passeando pelas ruas da cidade. Quantas e quantas vezes passei de ônibus perto da sede e ficava olhando emocionado para o tal M. Não cheguei aos 25 quando a emissora decretou falência e encerrou suas atividades. Lembro de ter visto, anos depois, uma matéria mostrando as ruínas da emissora, o prédio abandonado, repleto de lixo, cheio de ratos passeando pelas instalações. Tristeza. Contudo, os responsáveis pelo espólio da empresa caíram na real e revitalizaram o seu espaço, na Rua do Russell 804, preservando o seu legado. Menos mal. 

A manchete não teve a honra de chegar ao século XXI e seus fãs se ressentem disso. Eu, sem dúvida...

Fica como legado, no final das contas, uma certeza: a de que a minha infância, adolescência e formação cultural foram acompanhadas por gente que soube me entender e ofereceu algo compatível com a minha idade na época. Diferentemente de hoje, onde as emissoras são palco de tanta vulgaridade e uma programação que flerta com o nonsense e o exibicionismo. 

Nunca mais ouvirei "Aconteceu, virou manchete"? É fato. E nada pode ser feito para consertar isso (recentemente tentaram consertar isso com um documentário que apareceu online nas redes sociais e sites de vídeos, mas não rolou, não comigo). Mas não significa que a empresa deixou de acontecer na minha vida. Até hoje. Saudades eternas, Manchete!!!

terça-feira, 9 de outubro de 2018

O cinema a partir de suas entranhas.


O cinema faz parte da minha vida desde que me entendo por gente. Talvez até mesmo antes disso. Bendito o dia em que fui ao cinema com meus pais assistir à E.T - o extraterrestre, de Steven Spielberg. Ao final da sessão, senti-me como Mia Farrow em A rosa púrpura do Cairo, de Woody Allen, vendo o personagem do filme a que assistia na sala de projeção sair da tela para conversar com ela. 

Contudo, é preciso fazer um adendo: sempre me perguntei - já mesmo naquele momento - que máquinas seriam utilizadas para produzir aquele espetáculo que já comemora mais de um século de existência. E essa curiosidade me perseguiu por décadas.

Pois bem: saio da exposição Galáxia(s) do cinema: máquinas, engrenagens, movimentos ou this strange little thing called love, realizada no Museu de Arte Moderna, no Flamengo, com os olhos envoltos em lágrimas e com uma certeza na cabeça - a de que meus sonhos de criança foram todos atendidos com juros e correções monetárias. 

Galáxia(s) do cinema, organizada pelo curador da própria cinemateca do Museu, Hernani Heffner, é um passeio nostálgico e delicioso pelo mundo das máquinas e apetrechos que fazem da sétima arte o espetáculo que se tornou no último século. São mais de 400 objetos, entre câmeras, refletores, travellings, mesas de animação, cartazes e o que mais o seu imaginário cinéfilo for capaz de conceber. 

Imagine poder estar frente a frente com a câmera que rodou Terra em Transe, clássico do cinema novo dirigido pelo cineasta baiano Glauber Rocha. Pois é... Eu estive. E foi emocionante. Mais: quase fui às lágrimas ao me deparar com os projetores alemães de 35mm que, no passado, fizeram a alegria de fãs e mais fãs das sessões da era de ouro da cinemateca. Fizeram me lembrar dos tempos em que eu mesmo, funcionário de uma rede de cinemas, entrei pela primeira vez numa cabine de projeção e me imaginei como Toto, o menininho italiano vivido por Salvatore Cascio em Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore. Como eu disse no terceiro parágrafo: lágrimas, muitas...

O acervo em si, reunido para mostrar a história do cinema através das décadas, conta paralelamente a história de nossa própria cinematografia. Há objetos que foram utilizados por grandes nomes de nosso cinema, como Luiz Carlos Barreto, Dib Lufti, Humberto Mauro, entre outras feras cujos nomes não envelhecem na cabeça dos verdadeiros cinéfilos. 

Percebi em certos olhares de outros espectadores que acompanhavam comigo a exposição um desejo de "se pudesse, levaria tudo isso para a minha casa". Acreditem: para quem é fã do gênero, a vontade que dá é exatamente essa. 

Resumindo a ópera, quer dizer, o filme (se é que, nesse caso, isso seja possível): Galáxia(s) do cinema é, mais do que um reles passeio, uma viagem no tempo à um era de descobrimento cultural. Vêem-se, através de máquinas e instrumentos, o registro de um tempo que se imortalizou nos olhares, sorrisos, lágrimas e desejos de uma geração apaixonada por imagens e sons. 

Diferentemente de hoje, onde se percebe nitidamente um interesse muito maior no aspecto monetário desse mercado, aqui o que pude ver é que o que faz da sétima arte a grande celebração que se tornou, não é a grana que se gasta e sim a que se propôs o uso de toda essa tecnologia. Que, aliás, não parou de se reinventar. 

Pois no dia que parar, podem ter certeza: o cinema terá morrido. 

sábado, 6 de outubro de 2018

Quem matou o Brasil?


Quem matou Pixote? Quem matou Aracelli? Quem matou o filho da Zuzu Angel? Quem matou Vladimir Herzog? Quem matou os menores da chacina da Candelária? Quem matou Amarildo? Quem matou Marielle? Porra!!!!!

Quem matou o Brasil? Isso sim precisa ser respondido, gritado, exaltado aos quatro ventos, expurgado, e nem sequer nos perguntamos. 

Já disse isso num outro artigo e repito aqui com mais ênfase: somos uma nação de estatísticas. Pior: somos estatísticas vazias, sem fundamento, que não são investigadas por motivo algum. E nos acostumamos a isso...

Bastou pouco menos de quatro anos para que um grupo de pouco mais de cinco centenas de ladrões vestindo exuberantes ternos-e-gravatas transformassem um país que só pensa no futuro (apesar de não dar a mínima para o presente, que dirá o passado) num pocilga de proporções estratosféricas. E tem gente (acreditem!) que bota a mão no fogo para dizer que "agora está melhor, agora a coisa vai!". 

Somos uma sociedade esquisita: não fazemos questão de aprender nossa própria língua, nosso próprio hino, muitos não sabem o que está escrito na bandeira nacional, não nos importamos nem um pouco com nada que tenha a ver com ética, caráter, honestidade. E, no entanto, diante de uma partida de nossa "seleção" (cada dia mais internacional) posamos por um minuto de patriotas por empréstimo, mãos ao peito, camisas amarelinhas recém-lavadas, lágrimas no rosto. 

Somos culturalmente atrasados, invertidos, virados de cabeça para baixo e nos orgulhamos de nossas "características". Só não sabemos para que elas servem mesmo. 

E não bastasse tudo isso dito (e perguntado) acima, pioramos. E muito. Vivemos a falência de um país que, na prática, nunca aconteceu de fato. Só prometeu. Aliás, adoramos acreditar em promessas. Os políticos que o digam. Trocamos nossa ética por qualquer par de óculos, cesta básica, exame médico, empreguinho meia-boca sem benefícios. Queremos estar inseridos. 

Não importa se o chefe, patrão, diretor, supervisor, é corrupto. "O importante é meus filhos na escola e comida na mesa", disse a senhora de idade, desdentada, que acha o Brasil o melhor país do mundo para viver, entretanto está com consulta marcada no médico apenas para abril de 2020 e mais de 50% da família vivendo de bicos e favores escusos.

Quem matou o Brasil foram eles, os donos do poder, ou nós mesmos, nossa ignorância, nossa eterna mania de apenas rezar, esperando por dias melhores ou messias milagrosas, saídos detrás de alguma nuvem de fumaça ou luz estroboscópica? Pego-me perguntando de quando em quando a respeito disso e me dá uma vontade atroz de optar pela segunda opção. 

Pensem: eles nunca nos enganaram, nunca disseram que iam fazer algo pelo povo. Eles prometeram. É diferente. É como a cartinha que você, eu, nossos amigos e vizinhos, mandamos para o Papai Noel (naquele tempo em que os evangélicos não reclamavam de tudo) e pensamos que ele tinha respondido. Ele nunca nos disse que daria exatamente o que pedíamos na cartinha. Mas queria que fôssemos bons meninos, obedientes, não faltássemos a aula, etc e tal.

O Estado deseja o mesmo: que sejamos bons meninos e meninas, orgulhosos de nosso caráter e virtude. Que façamos o certo, não importando o resto. Ser ético acima de tudo. Para quê? Para que, Eles, gestores, nunca sejam. E continuem aprontando das suas. 

E depois me perguntam por que eu não acredito em política partidária. Você, meu caro leitor, deixaria de fazer por si mesmo, abriria mão de sua independência financeira eterna, para cuidar dos outros? Digo: abriria mão mesmo? (Talvez muitos parem de ler este artigo aqui, corroídos por sua própria demagogia). 

Feita mais esta pergunta sórdida, e carente de respostas neste país Peter Pan, evasivo e cheio de marra para com seu semelhante, encerro essa reflexão - ou será melhor chamar desabafo? Opa! Mais uma pergunta - por aqui. Só me resta, enfim, a ironia de imaginar o que nos aguarda na próxima esquina. Outubro está chegando, minha gente! E eu tenho até medo de ver o resultado.