domingo, 30 de setembro de 2018

A diva eterna


Eu, infelizmente, não faço parte da geração que apreciou o auge da cantora Ângela Maria (quando comecei a entender o que era Música popular brasileira ela já era uma cantora renomada e vivia uma vida confortável, longe das ousadias que marcam o tempo áureo de sua carreira), mas pertenci a uma família que soube cultuá-la como ninguém. Que a enxergam anos-luz da musa que cantava "Babalu", seu maior sucesso até hoje. 

Hoje, para minha tristeza, fico sabendo que a cantora faleceu na noite de ontem, aos 89 anos. Agnaldo Timóteo, amigo de longa data e praticamente alma gêmea da diva, e sua cidade natal, Conceição de Macacu, devem estar aos prantos! 

Da menina de 12 anos que cantava no coro da Igreja Batista até a considerada "rainha do rádio", vai uma saga que certamente daria um filme (e não duvido nada que, em breve, saia alguma coisa sobre ela). Ângela fugiu de muitos cultos para participar de inúmeros programas de calouros (donde saiu vitoriosa de vários). Escondeu seus prêmios para que os pais não vissem, mas não conseguiu fazer o mesmo com o seu talento. Ainda bem, pois teríamos perdido uma de nossas melhores vozes. 

Seu primeiro álbum data de 1951 e além de "Babalu" já traria muitos de seus eternos sucessos, como "Moça bonita", "Cinderela", "A noite e a despedida", "Lábios de mel", dentre tantos. Foram mais de seis décadas de gravações para o mercado fonográfico, construído um legado que certamente a colocou no panteão dos melhores da canção, ao lado de artistas como Cauby Peixoto, Orlando Silva, Dolores Duran, Isaurinha Garcia, entre tantos outros. 

Nos últimos anos vinha lutando contra as sequelas provenientes da idade avançada e da vida atribulada como artista. Quase surda, pouca capacidade auditiva, Ângela tornara-se apenas refém da imagem que construiu ao longo de décadas de estrelato. 

Para aqueles que não conhecem sua vida e obra e têm imensa curiosidade sobre a diva das divas recomendo a excelente biografia do crítico musical e jornalista Rodrigo Faour, Ângela Maria: a eterna cantora do Brasil. Um espetáculo cênico e lírico em forma de livro!

O falecimento de Ângela Maria vem a empobrecer ainda mais o já frágil e contraditório momento que vive nossa música popular, com artistas careteiros, de vozes insignificantes e esganiçadas, sempre exibindo seus corpos disformes e fora de contexto e que personificam compositores de quinta categoria (muitas vezes acho até uma grande ofensa chamá-los de letristas). 

Realmente vivemos um triste momento no país... Em todos os sentidos.

Que a imagem que trago dela cantando em programas saudosos como Clube do Bolinha e Cassino do Chacrinha quando era um menino de 15, 16 anos, sentado no sofá da sala da casa da minha avó, traga novas luzes para esse país obscurecido pelo ódio e pela intolerância. 

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Manda quem quer, obedece quem tem interesse


De vez em quando eu tenho vontade de abandonar o cinema brasileiro de uma vez por todas (tamanha a quantidade de produções idiotas que são realizadas cinematograficamente em nossa pátria). E nessas horas, para minha sorte, aparecem gratas surpresas e grandes longas como Tungstênio, de Heitor Dhalia, e me fazem desistir mais uma vez da ideia...

Tungstênio é adaptado da graphic novel tupiniquim homônima, escrita e desenhada por Marcello Quintanilha (que aqui, nesta versão audiovisual, divide a autoria do roteiro com os romancistas Marçal Aquino e Fernando Bonassi). 

A melhor maneira de definir minha reação após pouco menos de 80 minutos de projeção na tela foi: "uma porrada, literalmente". Marcello, Marçal, Fernando e Heitor, juntos, constroem o filme definitivo sobre o momento polarizado e arrogante em que o país se encontra. E tudo é contado de uma maneira seca, sem sarcasmos ou finas ironias. Fotograma a fotograma a violência, o êxtase, o sexo, a vaidade, são carnavalizados de maneira nua e crua, expondo aos olhos dos espectadores uma geografia da catástrofe poucas vezes vista em nosso cinema (pelo menos nos últimos anos). 

Richard (Fabrício Boliveira), o policial de moral dúbia, mulherengo; Keila (Samira Carvalho), a esposa frustrada, refém de um casamento falido, cuja última coisa que deseja é voltar para a casa dos pais; Caju (Wesley Guimarães), o malandrão, rei das paradinhas, dono de uma ética toda própria e tendenciosa; Seu Ney (José Dumont, fantástico!), o homem aprisionado ao passado, militar da reserva, que vive pondo na modernidade do século XXI a culpa do caos que se instaurou na sociedade atual... Todos, sem exceções, compõem o que eu gosto de chamar de hierarquia da violência. 

Todos, sem exceção, refletem uma personalidade tipicamente brasileira: a daqueles seres humanos que adoram mandar e não obedecer; que colocam sempre nas costas dos outros a culpa pelos problemas da nação (ou, no mínimo, do dia-a-dia). São, em outras palavras, o expoente máximo do nosso eterno - e já cansativo - "jeitinho brasileiro". 

O trio de roteiristas apropria-se da velha moral da "lei de Gerson", de uma população acostumada a passar os outros para trás, levar vantagem em tudo, para construir o filme-síntese desse ano que fecha um ciclo eleitoral (e social) de decepções, arrogâncias e desentendimentos. Digo mais: junto com Era o Hotel Cambridge, de Eliane Caffé, forma as duas faces de uma moeda gasta, oxidada, sem valor financeiro algum.  

A escolha do berimbau como instrumento marcador de tensão em momentos chaves da película é acertada. Sempre considerei seu som um tanto depressivo (que me desculpem os capoeiristas, é apenas uma questão de opinião). Fiquei a todo momento em que o toque soava com uma sensação incômoda de que uma tragédia visceral, uma morte, iria acontecer a qualquer momento. E o diretor, de forma inteligente e perspicaz, manipula o público de forma sábia, sem forçar a barra (como certas telenovelas adoram fazer!) 

Ao final, já na última cena, a decepção de Caju nada mais é do que a decepção de um povo que não aguenta mais esperar por dias melhores, quando não percebe no presente mudanças significativas. E por isso, por mais lute, tente fazer a diferença a qualquer custo, acaba caindo no conto do vigário ou morrendo na praia. 

Não li a hq de Marcello Quintanillha e me arrependo disso. Por Tungstênio o autor venceu o prêmio "Polar SNCF" de melhor história policial no 43º Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême, na França. E eu, como admirador nato da nona arte, não poderia ter deixado passar esta. Mas enfim... Ainda está em tempo. Nem que seja para fazer correlações entre uma versão e outra. 

Depois de terminado o filme procuro na internet por uma explicação para o título. E descubro que o elemento químico tungstênio, de símbolo W, só pode ser encontrado na natureza combinado com outros elementos. Talvez esta seja a razão. O que se vê na tela é que o problema do país é um mal combinado, mistura das escolhas infelizes de um povo que se orgulha de seu iletramento e estupidez. Bem sacado. 

Nossa sétima arte - repleta de comédias babacas e favela movies cretinas - precisa de mais obras como essa. Com uma certa urgência. 

domingo, 23 de setembro de 2018

Grito de alerta


Não é de hoje que sou fã do rapper Gabriel, o pensador e não é de hoje que o rapper incomoda certa parcela do país (no fundo, no fundo, vocês sabem de quem eu falo!) com suas canções-denúncia. Nos últimos tempos, andou mostrando a cara - e a fúria de seu discurso - em outras mídias, tais como a poesia mais tradicional e a literatura infantil (e mais: seu livro, Um garoto chamado Rorbeto, foi premiado), sem com isso deixar de lado a marca registrada que o caracterizou em músicas como "Astronauta", "Até quando", "Lôraburra", entre outros hits. 

Contudo, em meio a tudo que se viu - e ouviu - em nossa pátria nos últimos quatro anos, é inegável que Gabriel chutou o balde com estilo no novo e arrebatador clipe Tô feliz (matei o presidente)2, que gravou ao lado do duo eletrônico Chemical Surf e do badalado DJ Memê. 

Gabriel mostra mais ácido e direto do que nunca, desferindo todo seu desagravo aos nossos aham governantes e sua eterna mania de massacrar o povo com governos infelizes (para não dizer coisa pior). Como pano de fundo, a diversidade dá a tônica necessária, mostrando rostos e expressões que fogem do padrão Rede Globo tão amado pela maioria da população, além de imagens que muitos verão sob o prisma do "ih lá vem mais um demagogo fazendo apologia da violência" (leia-se: crianças portando armas, mesmo que de brinquedo). 

Percebe-se no semblante do rapper um sentimento de cansaço com tudo o que está aí e por vir. E ele não é único. Gabriel acaba por vestir a carapuça de uma sociedade esgotada e sem rumo, rotulando de mitos e salvadores da pátria a qualquer oportunista que aparece ao ver a cadeira de presidente vaga. E pior: não há opções melhores e quem vota nulo é entreguista, babaca, covarde. 

Não há razões para que o clipe não seja em preto-e-branco. Não há motivos para vermos cores alegres nessa República Federativa do Brasil de hoje. Tudo parece por demais cinza, opaco, desesperado, com medo de que tudo se torne vermelho sangue à primeira discussão por alguma tolice qualquer que esteja na moda. E acreditem: o Brasil virou um país de tolices que viram trending topics nas redes sociais...

Lá se foi o tempo em que Renato Russo alegava que "todos acreditam no futuro da nação". Hoje, o país encontra-se polarizado, movido a antagonismos, uma sociedade rachada por uma classe que nunca deu a mínima para a própria sociedade. E tem quem se vanglorie de fazer parte disso.  

O negro surdo que abre o clipe nada mais é que a classe pobre, vítima deste genocídio programado contra os menos favorecidos, obra derradeira deste projeto de poder infame, brutal e escandaloso que só destroça àqueles que pagam a conta de tudo. É facilmente entendível a raiva incontida, o desrespeito e arrogância no olhar deste homem. Ele é um reles objeto, mera engrenagem na estrutura maquiavélica deste Estado atroz. 

Já os mascarados e tatuados que dançam durante toda a música representam, muitas vezes, a ausência de um caminho, de uma identidade bem firmada no contexto social ou, ao contrário, o exagero no que se chama hoje em dia de ideologia (muitas vezes confundida com exibicionismo). 

Ao fim do desabafo musical o tiro sai pela culatra, como não poderia deixar de ser. Temos muito a mudar, temos de acordar, vergonha na cara a tomar, largar a eterna mania do "depois da novela eu vejo", "hoje não dá, tem o jogo do mengão", "fica pro ano que vem", "fica pra depois do carnaval", etc etc etc. E, honestamente, não vejo culhões no povo brasileiro para isso. O que é uma pena. 

Se Gabriel, o pensador será indiciado ou investigado pelo clipe, só o tempo (ou o politicamente correto típico de nossa nação nos últimos anos) dirá. Espero que não. Ele conseguiu, guardadas as devidas proporções, desenhar o Brasil como Childish Gambino (aka Donald Glover) fez com os Estados Unidos em This is America. E assim como a terra do tio Trump, nós também precisamos dar um chacoalhada geral. Matando ou não o presidente. 

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Um pouquinho de Brasil


Vocês já ouviram o trecho em que o cantor João Gilberto canta em isto aqui o que é? a frase "isso aqui ô ô é um pouquinho de Brasil"? Pois é... Esqueçam João - que, aliás, vive dias terríveis, isolado em seu apartamento - e coloquem o dramaturgo Plínio Marcos na roda. Isso mesmo. Se há um dramaturgo que falou a verdadeira língua do país, língua desbocada, suja, travessa, direta, foi Plínio. 

E para minha alegria e a de muitos fãs de sua obra somos duplamente recompensados com a maravilhosa notícia de que o Teatro Oficina (de mestre José Celso Martinez Corrêa) traz pela primeira vez ao Rio de Janeiro sua obra-prima, Navalha na carne

Navalha na carne tem todos os elementos de um escândalo em forma de peça. E nenhuma outra, podem acreditar, explica tanto o país atualmente como ela. Se durante o período militar foi sumariamente proibida; agora, em tempos de Bolsonaro, conservadorismo ganhando força, misoginia, homofobia e racismo declarado nas ruas, ganha ares de incompreensão da parte da legião de ignorantes que acredita ser capaz de eleger o novo (e ético) presidente do país. 

Como não faço parte da ignorância coletiva que rege estas terras nos últimos anos (leia-se: 2014 pra cá) fui conferir a montagem realizada há poucas semanas no Teatro Nelson Rodrigues. Resultado: meu Deus! Obrigado por me proporcionar tal nível de ousadia! 

Marcelo Drummond, diretor do espetáculo, vive Vado, gigolô violento, sarcástico, cruel, que humilha a todo momento Neusa Sueli (Sylvia Prado), prostituta envelhecida e decadente, que já teve seus dias de glória e agora limita-se a viver do passado (cultura essa típica de nosso país, que adora títulos de nobreza, pompas, usar nomes de famílias tradicionais para justificar seu caráter deturpado). Para completar a tríade, Veludo (Tony Reis, brilhante!), homossexual que faz as vias de empregado da casa, mas que mantém uma rivalidade sórdida com Norma, a ponto de várias vezes jogar na cara dela ter sido muito melhor amante do que ela. 

A combustão provocada pelos duelos envolvendo essa trinca de personalidades febris é um caos declarado e desmedido (e nesse ponto a luz produzida pela dupla Luana Della Crist e Pedro Felizes deixa um clima de desamparo e angústia muito óbvio). 

Interpretação livre de minha parte, confesso: Navalha na carne é o retrato visceral da falência de um país que se sonhou grande, mas nunca teve competência para viver o presente, que dirá o futuro, e agora se esconde atrás da falácia de um discurso vazio e mentiroso chamado "erramos em algum momento do caminho". 

Vado, Norma Sueli e principalmente Veludo (digo: nos dias de hoje, com todo o discurso de diversidade sexual e LGBT em voga) são agentes falhos de uma nação perdida - será que é nação mesmo? sempre tive minhas dúvidas - que utiliza-se de subterfúgios e esconderijos para esconder o que realmente são sob o verniz da hipocrisia, elemento fundador dessa pátria adorada salve, salve. 

Saio do teatro destruído, mas uma destruição mais do que necessária. Precisamos implodir estruturas se quisermos sobreviver a mestre Plínio Marcos e, claro, a esta terra de Macunaímas e Zé pereiras, fenômenos hedonistas, nossa versão Peter Pan tropical. 

Não foi ver? Mesmo? 

Então depois não reclama dos seres pensantes que acham que a vida não se resume a McDonald's e novela da Globo. 

Certas verdades são indigestas. E precisam ser ditas e vistas doam a quem doer. 

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Uma nova forma de cutucar, incomodar, agregar


Um vídeo não é mais apenas um vídeo. Ele é um pontapé inicial rumo a novas ideias, informações, até mesmo novos vídeos. Em outras palavras: um vídeo - segundo a proposta da Mostra Bug, encerrada no último dia 9 no Oi Futuro do Flamengo - é um comichão digital, capaz de fazer seus interlocutores desenvolverem novas estéticas e intenções. 

E isso, muito mais do que a necessidade de usar óculos especiais em alguns momentos, é o grande barato da exposição. Digo mais: talvez exposição não seja a palavra exata para explicar o que foi a mostra. Pois ela pede, a todo momento, interação, envolvimento, ação, da parte do público. 

Ou seja: não há mais espaço - assim como também não há nas escolas públicas e privadas - para meros ouvintes e espectadores. A todo momento em que estive dentro do centro cultural me senti invadido em minha privacidade, sendo quase coagido a falar, manifestar-me, propor uma resposta, um debate. 

Vivemos numa era tecnológica acirrada e infelizmente não faço parte da geração que já nasceu carregando a tiracolo um iphone (na verdade, minha relação com celulares é péssima desde que eles começaram a ganhar espaço na mídia e na vida da humanidade). Por isso, um aviso aos marinheiros de primeira viagem que adentrarem andar a andar a Mostra Bug: quanto menos informação tecnológica você tiver, mais se sentirá pressionado, meio peixe fora d'água, meio aluno que entra na metade do curso tentando correr atrás do prejuízo o mais rápido possível. 

Uma coisa que mexeu com minha cabeça a todo momento é o quanto o fato do espaço Oi Futuro brincar com o conceito de escuridão caiu aqui como uma luva. O negro, muitas vezes rotineiro nas exposições do espaço, funciona aqui como um hiato, uma série de reticências, um momento de reflexão. Temos a sensação de estarmos imersos numa realidade alternativa, fora da ordem dos fatos. 

E apesar dos inúmeros projetos inovadores, propondo denúncias, teses, defendendo causas ambientais e culturais, fiquei com a sensação de que ainda poderia ter sido maior, devido ao fato de estarmos tão plugados, conectados, nos últimos anos. Ou será que eu estou mais internético e digital do que a média no país? Provavelmente. Ainda mais se tratando o Brasil de um país de analfabetos funcionais em demasia. 

Saio da porta perguntando aos realizadores quando será a próxima edição. Isso mesmo! E eles adoraram saber do meu interesse pela continuidade do projeto. Quando moleque assisti na tv Tron: uma odisseia eletrônica, de Steven Lisberger, e me peguei perguntando se tudo aquilo seria um dia, de fato, realidade ou nunca passaria de mera ficção cinematográfica. Não, meus caros amigos e leitores, o até então sonho, delírio, virou realidade sim. 

E está bem aqui, diante de nossos olhos, da maneira mais portátil e simples que vocês puderem imaginar.

Estão esperando o quê para ficarem por dentro do assunto?

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

A última gargalhada


Termino de assistir o documentário Robin Williams: come inside my mind, de Marina Zenovich, envolto em lágrimas. Cheio de boas lembranças e de uma certeza: não devia ter esquecido de escrever sobre ele na minha série de epitáfios quando faleceu em 2014. 

Chamar Robin Williams de uma lenda hollywoodiana é pouco. Ele foi a cara do cinema da minha geração. Seja fazendo caretas ou na pele de personagens dramáticos de grande repercussão (e ele ganhou um Oscar por um deles: Gênio Indomável), mostrou que mesmo a bipolaridade que sempre o acompanhou não era sinônimo de ausência de talento ou mesmo de desafio na hora de compor um personagem. 

Criar uma lista com seus maiores sucessos também é covardia. Só para começar: Uma babá quase perfeita, Sociedade dos poetas mortos, O pescador de ilusões, Jumanji, O homem bicentenário, Bom dia vietnã, Hook: a volta do capitão gancho, isso fora os inúmeros stand up shows e dublagens para animações. Repito: lenda é pouco. 

Então como Marina Zenovich conseguiu realizar a façanha de narrar essa história sem cair no óbvio? Simples. Ela entendeu que seria impossível deixar de fora a mente inquieta e altamente criativa de Robin. Logo, decidiu explorar ao máximo o que o ator e comediante tinha de melhor: sua sagacidade, raciocínio rápido e ironia mordaz. 

Há momentos hilários, em que Robin dá o show em apresentações no teatro e até mesmo em prêmios para o qual concorreu (e não ganhou). Como complemento a seu temperamento alucinado e frenético, os depoimentos de amigos de longa data, como Billy Cristal - que ficou mais conhecido pelo tempo em que apresentava a cerimônia do Oscar do que pela própria carreira -, Whoppi Goldberg, Steve Martin, familiares e ex-esposa. 

Robin foi polêmico (como todo grande artista que se preze), imenso em tudo o que fez e teve de lutar - como a grande maioria dos humoristas - com as distorções de seu próprio humor. Aquela velha história do "ele sabia fazer as outras pessoas rirem, mas não necessariamente voltava para casa feliz no final do dia"

O divórcio da esposa (a quem trocou pela babá, Marsha), a necessidade de permanecer ativo, mostrando a graça do mundo a todos que queriam prestar atenção nele, a dificuldade em lidar com as drogas (que o perseguiram por toda a vida) também são parte do documentário, mas não estão aqui para mostrar um lado dark do ator. Pelo contrário: funcionam como catalisadores da mente complexa que era Mr. Robin Williams.  

No dia de sua morte, 11 de agosto, assisti um vídeo no you tube em que o elenco do filme Os mercenários 3 recebia, durante a exibição do filme numa première do festival de Cannes, a notícia de seu falecimento. Entre expressões estarrecidas e tristes, a que mais me marcou foi a do ator Mel Gibson, amigo pessoal de Robin. Ele dizia que quando um artista chega num auge tão avassalador como o comediante havia chegado, normalmente você perde a base para qualquer tipo de parâmetro artístico. Você dita as regras do show. E quando você dita as regras do show, fica complicado lidar com a própria imagem. 

Em outras palavras: o suicídio de Robin Williams certamente não é o que os fãs esperavam. Ainda mais se tratando de alguém tão workaholic quanto ele. Entretanto, há um lado meu - o lado pesquisador, crítico - que consegue entender a dificuldade daquele homem em permanecer vivo. Se ele não conseguia mais quebrar os próprios recordes que impôs, como seguir adiante? É fúnebre, eu sei, mas... Pensem a respeito. Ponham-se no lugar dele. 

Desde já meu muito obrigado à HBO por comprar o desafio de produzir um espetáculo tão cheio de mérito quanto esse. Os fãs da boa sétima arte agradecem! 

P.S: a parte que mostra Robin Williams dublando as vozes na animação Alladin, da Walt Disney Pictures, já vale pelo longametragem todo. 

terça-feira, 4 de setembro de 2018

A morte (da cultura e da memória)


Não, não foi só um incêndio. Longe disso, meus caros leitores! Foi a derrota de um país fadado ao fracasso e à alienação. Não cuidamos do que é nosso. Na verdade, nunca tivemos o menor interesse no próprio país. Deu no que deu. Agora resta chorar? É isso?

O incêndio no Museu Nacional, localizado na Quinta da Boa Vista, é muito mais do que mero prejuízo financeiro e cultural. Trata-se do ato final perpetrado por um Estado facínora que não respeita nem cultua sua própria história. 

Muitos demagogos de carteirinha apontaram agora seus dedos acusadores para as autoridades. Cobrarão mundos e fundos. Posaram de patriotas de fim de semana, exigindo uma solução para o caos que já se instaura no país há quase quatro anos. E o resultado de toda essa reclamação será um reles: "estamos trabalhando", da parte dos que se dizem gestores da nação. 

Vejo na capa do jornal O Globo a foto vista de cima do museu. O teto já não existe mais. Todo queimado. Horas antes, no telejornal, já havia sido relatada a falta de água na região para combater o incêndio. Como assim? Pois é... É Brasil, terra de macunaímas e hedonistas notórios. A Defesa Civil diz que não há risco de desabamento. Em se tratando de Brasil, tenho minhas dúvidas. Será? Por muito menos, implodiram o Palace na Barra da Tijuca. 

Não é de hoje que o governo de Michel Temer vem cortando verbas destinadas à cultura. Não é de hoje o descaso com a classe. Existe uma cultura no Brasil - cultura essa sórdida, enfadonha, cruel - que acredita que artista é "aquele indivíduo que trabalha de graça, que não tem contas a pagar, compromissos a cumprir, etc". Miseráveis! Mal sabem eles o sacrifício que é viver de arte no país. Eu sei, eu sei... Tem muito oportunista, sustentado por organizações, institutos, embolsando os tubos através de leis de incentivo, posando de artista por aqui. E como tem. Mas eles são uma parcela restrita da classe. 

A arte, assim como o futebol, divide opiniões. Todos adoram ver ambas as classes sob o ponta de vista de quem está bem de vida, milionário ou, como dizemos popularmente, "com o boi encostado na sombra". Mas a verdade, na prática, é bem outra. E quando se tratam dos museus, então... Morrem à míngua, num esquecimento federal atroz. 

A falência de um Estado que se disse revolucionário, que prometeu mostrar-se grande após as olimpíadas (e que deixou como legado abandono e ruínas), mas que sequer faz o básico por seus cidadãos, associado à uma política de desmantelamento cultural, só poderia gerar a tragédia que gerou. 

Em outras palavras: o incêndio no Museu Nacional é mais um capítulo devastador do grande genocídio que está acontecendo no país nos últimos anos. Genocídio provocado por lideranças empresarias e políticas que acham que o lugar do povo é acomodado, ignorante e sem acesso a absolutamente nada, seja do ponto de vista social, econômico e cultural. 

Eles venceram. Mais uma vez. E o povo, aquele mesmo que agita a bandeira nacional em dias de jogo da seleção, que lota a Marquês de Sapucaí para assistir os ensaios técnicos das escolas de samba, que faz filas quilométricas no entorno do Maracanã para ver os jogos do flamengo na Copa do Brasil e no Campeonato Brasileiro, permanece na letargia, enviando mensagenzinhas tristes em seus perfis nas redes socias, enquanto posa de engajado. Grande nação a nossa! Até quando?

Até quando a impunidade, o descaso, o descrédito, o empurra com a barriga, a omissão municipal, estadual, federal, a sensação de que estamos vivendo a iminência de um apocalipse, sem direito sequer a fugir para algum lugar melhor?

Depois reclamam da quantidade de gente que está abandonando o Rio de Janeiro...