sexta-feira, 29 de março de 2024

A cowgirl enfim chegou


Entre as muitas coisas que a pandemia da covid estragou ou encerrou ou mesmo atrasou, certamente há um capítulo à parte para Cowboy Carter, o oitavo álbum de carreira da Beyoncé. E desde já é preciso enaltecer: a expressão country a qual o disco foi rotulado antes mesmo do seu lançamento, funciona muito melhor como provocação do que simplesmente exaltação ao gênero musical.

Que o diga a capa, que traz a cantora montada num tordilho, raça que nasce preta e vai embranquecendo com o passar dos anos (numa clara alusão à história do próprio country, que teve seus precursores negros abafados ou escondidos com o passar das décadas).

E embora o trabalho atual seja o ato II de uma trilogia em construção, confesso: Cowboy Carter não só funciona como álbum solo como é infinitamente superior à Renaissance, seja melodicamente, seja pela ousadia das letras (que tem um clima mais pessoal, mais memoriográfico, em alguns momentos até dividindo momentos amargos da vida da própria artista). Foi a maior explosão de ritmos e referências que eu ouvi nos últimos anos - e com folga. 

De Dolly Parton à Miley Cyrus, de uma voz lírica quase remetendo a ópera à menção a um clássico dos Beach Boys, de um simples violão extremamente bem tocado à vozes inebriantes, duetos impecáveis, rimas ácidas, uma pegada que flerta com o western aqui, a cantora no seu apogeu R&B acolá, o álbum entrega tudo o que os fãs (e também os que nem eram tão fãs assim) esperavam. 

E eu fico me perguntando: imagine quando sair a turnê desse disco e, posteriormente, o ato III, a loucura que não vai ser isso!

Beyoncé já havia lançado previamente os singles "16 Carriages" e "Texas Hold 'Em", mas recomendo aos ouvintes que também fiquem de olho em “Ameriican Requiem”, “Ya Ya” (a faixa, para mim, mais Beyoncé de todo o trabalho) e “Levii’s Jeans”, em parceria com a banda Post Malone. E o encerramento com “Amen" é de um tapa na cara do atual status quo norte-americano quase cirúrgico. 

Ah! E como eu poderia esquecer dos covers de "Jolene" e “Blackbird”, minha canção-fetiche de Sir Paul McCartney desde meus 15, 16 anos, que eu não me canso de ouvir sempre que posso num spotify ou deezer da vida?

Encerrada a audição, coloco todas as faixas para escutar de novo. É inebriante. Ouçam! Os fãs mais apaixonados da cantora já especulam que seu ato III desse projeto seria supostamente um álbum de rock. Não sei se tal façanha se concretizará, mas com certeza se tiver o mesmo nível de exigência - e qualidade - deste aqui, os fãs podem agradecer de joelhos. 

Entra fácil na lista de melhores do ano. 


domingo, 24 de março de 2024

O Lamapalooza


Talvez eu tenha vindo ao mundo com este objetivo: o de não entender a sociedade, deixar pra lá, viver a minha vida, ponto. Mas que é, no mínimo, surreal, ah isso é! 

Hoje, último dia do festival Lollapalooza, vejo notícias em vários sites se referindo ao festival de lama e desorganização do evento. Importante dizer: de novo. Uma palavra chegou a viralizar em redes sociais e matérias de jornais: Lamapalloza. Será tão difícil tornar o Autódromo de Interlagos, em SP, minimamente apresentável para o público?

Os acusadores com seus dedos nocivos apontarão em minha direção para dizer: "mas em evento com chuva não tem jeito, é assim mesmo, sempre será, pipipipopopo...". E por que realizar um evento dessa magnitude justo nessa época do ano, em que temporais e enchentes são costumeiros e devastadores?

Reafirmo: eu não entendo o que leva uma pessoa em sã consciência a pagar valores absurdos para ser mal tratado dessa forma. A cada dia me dou mais e mais conta de que vivo num país de sadomasoquistas. Nada é pior do que o fanatismo exacerbado. Nenhum artista da cultura pop atual merece de fato tamanho imbecilismo, tamanha falta de amor próprio. 

Vi pelo canal Multishow a apresentação dos Titãs (uma banda fetiche minha e da geração a qual pertenci), em êxtase, cantando junto todos aqueles hits - "Polícia", "Televisão", "Go back", "Marvin", "Sonífera ilha", "Flores", etc - e declaro aqui, sem receio: jamais pagaria para estar ali ao vivo, não naquele lugar, não naquelas condições. 

Relativizamos - ou será melhor dizer naturalizamos? agora fiquei na dúvida - o absurdo, os preços caros, o desleixo, o tumulto, a falta de compromisso com o que é correto, e passamos a chamar de experiências únicas (e tem até quem chame uma porcaria dessa de imersiva), de viver a vida intensamente, otário é quem não faz parte desse universo. 

Há um filme do cineasta Michael Winterbottom cujo título explica bem o que é essa sociedade frequentadora desses festivais alucinógenos e mal organizados: A festa nunca termina. E o que interessa é ela, a festa, o evento, a balbúrdia, o sentimento de falsa rebeldia, de fazer parte de um momento único (que de único não tem nada: artistas que se repetem a cada edição, set lists quase sempre os mesmos, filas astronômicas pra tudo, muito playback, bagunça entra ano, sai ano).  

E o que sobra? O delírio coletivo. Agora chega! 2025 tem mais.  


sexta-feira, 22 de março de 2024

90 anos de pura resistência cultural


Falamos tanto do que está fechando, acabando, falindo no país que esquecemos de homenagear o que permanece de pé, lutando, enfrentando as adversidades, os governos caóticos, custe o que custar. Parece mais legítimo nos últimos anos para a sociedade brasileira se bastar com o que aconteceu com o Teatro Oficina após a morte do dramaturgo José Celso Martinez Corrêa - ou seja: o arrependimento - do que acreditar na resistência de quem decidiu não abaixar a cabeça. 

E  o Teatro Rival, que completa 90 anos hoje, é exatamente isso: a decisão de uma família fascinada por cultura em não querer desistir, de jeito nenhum. 

O Teatro Rival nasce em 22 de março de 1934, graças à vontade de Vivaldo Leite Barbosa, proprietário também do edifício Rex, ambos nos arredores da Cinelândia. Contudo, ele passou por várias mãos até chegar Américo Leal, um famoso empresário do ramo do teatro de revista em 1970, e adquiri-lo. De lá para cá o espaço ganhou uma cara nova, um foco novo. Ele decidiu resistir, contra tudo e todos. 

Totalmente dedicado à cultura musical e às artes cênicas, o teatro iniciou sua jornada com a comédia Amor, estrelada pela grande atriz Dulcina de Moraes, mas foi palco para praticamente tudo o que você puder imaginar. Os maiores nomes da MPB por ali passaram, grandes encenadores teatrais, até mesmo as travestis do lendário Divinas Divas (que chegou a virar documentário pelas mãos de Ângela Leal, neta de Américo), tiveram o seu destaque merecido.

Inclusive, foi a partir da entrada de Leandra assumindo o legado da família, que o teatro assumiu um novo projeto, abraçando de uma vez por todas a trinca música, gastronomia e boemia (do qual os fãs do espaço são devotos até hoje).

Entre os espetáculos que marcaram época, os frequentadores mais antigos gostam de citar Dona Xepa, de Pedro Bloch, mas praticamente a nata da cultura nacional passou por ali: de Grande Otelo à Oscarito, de Dercy Gonçalves à Rogéria... Um lugar que enfrentou ditaduras, diversas obras no centro da cidade (muitas delas polêmicas) e vários planos econômicos fracassados. E ainda assim, com tudo isso, permaneceu vivo e no imaginário de quem o frequentou e ainda frequenta.

Hoje tem festa no Rival, com roda de samba e homenagens à Zeca Pagodinho (que completou 40 anos de carreira esse ano) e à saudosa Beth Carvalho. A noite  certamente promete. E que venha, claro, daqui 10 anos, o centenário. O lugar merece! 


sábado, 16 de março de 2024

Binoche, 60


Meu pai dizia sempre quando via seus faroestes em vhs: "Existem artistas e 'artistas'. Não se deixe enganar por qualquer um". Aqueles entre aspas eram sempre os eternos canastrões, os inventados pela mídia sensacionalista, fabricados pela hollywood insossa e de fácil lucro, já talento...

Eu era moleque quando ele disse isso a primeira vez e, lógico, não entendi plenamente o conceito. Era preciso dar tempo ao tempo, encontrar meus próprios ídolos, observar os que fingiam de astros de ação ou galãs (e eu nunca fui muito adepto de ambos). Em outras palavras: só quando eu envelhecesse, quebrasse a cara, perdesse o meu tempo em frente a tela, ia começar enfim a tirar minhas conclusões. 

Hoje fiquei sabendo que a atriz francesa Juliette Binoche completou 60 anos de idade e, então, entendi de uma vez por todas o que disse o meu pai. Por quê? Porque ela, definitivamente, é artista com A maiúsculo. E também musa de toda uma geração. 

A sensação que eu tenho quando vejo Juliette nas telas é a de que ela trabalhou com todo mundo que realmente significou alguma coisa na sétima arte. Mesmo. De Abbas Kiarostami à Olivier Assayas, de Phillip Kaufman à Anthony Minguella (cujo projeto em parceria, O paciente inglês, lhe deu um Oscar de melhor atriz), de Louis Malle à David Cronenberg... E que cada momento seu em cena foi único e não reproduzível em outras grandes artistas. 

Como esquecer da mulher adúltera em Perdas e danos, traindo o noivo com o próprio genro? E da Cathy, amada de Heathcliff em O morro dos ventos uivantes? Dos seus trabalhos mais recentes, gostei muito também da María Segovia em Os 33, sobre o caso real dos operários da mina soterrados no Chile. Enfim... Binoche é um furacão, faz de tudo. Passeia do drama à comédia com uma desenvoltura ímpar. Sorri, chora, foi mãe, filha, mulher à frente do tempo, cientista, sabe lá Deus o quê mais. 

Tom Hanks ao entregar à Denzel Washington o seu Cecil B. DeMille Award mencionou a capacidade de certos atores serem reconhecidos por seus sobrenomes (Bogart, Peck, Brando, etc). Eles seriam um clube exclusivo. Para as mulheres, vale a mesma regra. Hepburn, MacLaine, Davis, Garbo... E com certeza há um lugar para Binoche. Que venham os 100, pois você, com certeza, merece!


terça-feira, 12 de março de 2024

Aqueles tempos que não voltam mais


Nessa última semana por duas ou três vezes vi textos e comentários na internet a respeito dos 50 anos da sessão da tarde, horário de filmes que por anos marcou época na Rede Globo (hoje, honestamente, não mais). E pensei comigo: por que não lembrar daquele tempo em que a tv aberta ainda valia a pena?

Minha primeira impressão acerca desse horário automaticamente remete, é óbvio, à comédia Curtindo a vida adoidado, de John Hughes. Lembrar das peripécias de Ferris Bueller (Mathew Broderick) fingindo de doente para matar a aula e curtir a cidade junto com os dois amigos, enquanto o diretor da instituição tenta desmascará-lo, é praticamente obrigatório para qualquer pessoa da minha geração (falo do final dos 1980, início dos 1990). 

E eram tempos da chamada geração B.R.A.T (dos filmes feitos para jovens), com Robert Downey Jr. em O rei da paquera, Molly Ringwald em A garota de rosa shocking, os moleques investigando o tesouro do pirata Willie Caolho em Os goonies (não esqueçam: até Thanos fazia parte dessa turma!), a dupla Corey Feldman e Corey Haim em Sem licença para dirigir... E eu, em frente a tv, ávido, querendo entender e fazer parte de tudo aquilo. 

Mas não esqueçamos, como sempre, das grandes franquias. Cocoon trazia o trio de velhinhos sabichões que ficavam mais espertos após se banharem na piscina energizada dos alienígenas; Indiana Jones (Harrison Ford) era o professor, aventureiro e herói que resumia a nossa paixão adolescente em belezas e frenéticas imagens; Christopher Reeve era o Superman, Lou Ferrigno era o Hulk e ninguém falava ainda em Liga da justiça e Os vingadores; haviam vampiros, dinossauros, gnomos, fadas e duendes para dar e vender. 

Aliás, um breve aparte desse cinéfilo angustiado e saudosista: por que o cinema americano não consegue mais produzir longas como Krull, Caravana da coragem, A lenda (um dos primeiros filmes da carreira de Tom Cruise), Willow - na terra da magia, Labirinto, A princesa prometida, O matador de dragões, Conan - o bárbaro e Guerreiros de fogo? Parecia tudo tão simples naqueles anos! 

Rimos com Arnold Schwarzenegger e Danny DeVito na pele dos irmãos gêmeos mais impossíveis que hollywood já produziu. Rimos com Steve Martin sendo incorporado por Lily Tomlin numa sessão espírita, pagando de pastor charlatão, de investigador particular, pai de primeira viagem e até encalacrado com John Candy numa viagem sem fim. Rimos com o policial Frank Drebin (Leslie Nielsen) fazendo tudo errado em Corra que a polícia vem aí. Rimos com Jim Carrey na pele do Máskara, de Ace Ventura, do Charada, do substituto de Deus. Finalmente: rimos - e muito! - com Eddie Murphy em Um príncipe em Nova York e na pele do detetive Axl Foley de Um tira da pesada.

Em outras palavras: era uma época alegre, divertida (ah! quase me esqueço de Gene Wilder e Richard Pryor).

E, infelizmente, hoje vemos - eu, pelo menos, vejo e até demais - isso tudo ficar no passado com programações semanais que, muitas vezes, beiram o ridículo de tão mal feitas e abaixo da crítica. Confesso que parei de acompanhar as sessões na época em que entupiam o horário com aqueles filmes meia-boca, feitos para a tv americana, com as gêmeas Olsen (eu nunca vi a menor graça nelas!). Às vezes eram 3, 4 por semana. Fora os longas que não passavam de sequências ruins, sem o elenco original, de produções que fizeram sucesso nos cinemas. 

Foi então que eu decidi: "já deu! próximo capítulo". Troquei tudo por dvds, blu-rays e agora o famigerado streaming (que começa a cair na mesma esparrela e crise de criatividade ocorrida aqui). 

Como não sei de que maneira terminar este post que já estendeu mais do que o necessário, pois era para ser uma singela lembrança gostosa, me pego refletindo a respeito do futuro do cinema e, consequentemente, do que chega a posteriori na tv. A sétima arte tem pouco mais de um século de vida e se rendeu a isso, a essa coisa gratuita, por vezes vulgar, que visa unicamente ao lucro rápido e fácil? Meu Deus! E eu que pensava que nós fôssemos mais inventivos...

Breve P.S (ou delírio cinematográfico apenas): como eu AINDA QUERO que a tv seja lugar de bons filmes, à tarde ou no horário nobre, tanto faz. Será que é pedir demais?


quinta-feira, 7 de março de 2024

Meio nostalgia, meio bate-papo


Quando fiquei sabendo do lançamento de Especulações cinematográficas, segundo livro do cineasta Quentin Tarantino, no Brasil eu sequer tinha lido a sua obra anterior (a versão romanceada de seu último longa, Era uma vez... em Hollywood, que - eu confesso - achei fraco). E ao contrário de seus fãs mais devotos, não saí correndo para comprar, pois estava entretido com uma adaptação em quadrinhos de Drácula, de Bram Stoker.

Passadas algumas semanas - e comentários divididos sobre o livro na internet - me deparo com ele em versão PDF num desses sites de compartilhamento e acabo fazendo o download. Devoro o livro em três dias, uma prosa fácil e rápida, porém... Fiz bem em não comprá-lo. Não só esperava bem mais, como acho que Tarantino fará mau negócio em trocar o cinema pelo mercado editorial. 

Especulações cinematográficas mostra um Tarantino fascinado pela década de 1970 do cinema americano. Mas não pelos clássicos que eu amo - Um dia de cão, Rede de intrigas, Serpico, etc - e sim por longas mais cáusticos, ácidos, perturbadores, fora da curva, por vezes depravados, indecentes, até. E sobre eles faz monólogos saudosos e até mesmo inspiradores (principalmente quando lembra das idas ao cinema com a mãe e seus namorados). 

Com seu livro, descobri que Quentin prefere Steve McQueen à Paul Newman (meu pai, se lesse, com certeza discordaria!); que acha Dublê de corpo uma ode erótica e vazia; que - como eu - sempre achou Ali MacGraw sem graça em Os implacáveis, de Sam Peckinpah (meio que um diretor-fetiche para ele); que venera o extraordinário Don Siegel, parceiro eterno de Clint Eastwood e diretor dos extraordinários Dirty Harry e Alcatraz - fuga impossível; e, principalmente, que o mórbido e o extravagante, de certa forma o excita. E por isso se tornou diretor de cinema. 

A primeira coisa que eu entendi de cara, ao término das mais de 450 páginas, foi o porquê ele precisou dirigir À prova de morte, parte integrante (junto com Planeta terror, de Robert Rodriguez) no projeto Grindhouse. E o quanto os fãs aqui no Brasil não entenderam absolutamente nada da sua proposta! Tarantino é nostalgia pura, na melhor acepção do termo. Fã das músicas da década de 1950, dos faroestes clássicos, de John Flynn e da raiva por vezes contida, por vezes direta, do roteirista Paul Schrader.   

No último capítulo ele ainda dá uma colher de chá ao oitentistas para falar de Pague para entrar, reze para sair, de Tobe Hooper (um clássico da minha adolescência) e aproveita, claro, para destrinchar o maior longa do diretor: o irracional, e não menos cult, O massacre da serra elétrica. E eu me senti um pouco carente, pois queria que ele continuasse por ali mais um tempo, mencionando os slashers (Freddy, Jason, Myers), mas - infelizmente - era hora de colocar um ponto final no livro. 

Ao fim, o sentimento que me ficou foi meio nostalgia, meio bate-papo entre amigos cinéfilos, com algum palavrão aqui, uma gíria ali, um descompromisso acolá... E não necessariamente isso é positivo como avaliação da obra. Mais: achei o preço do livro, em várias livrarias onde entrei, bem salgado para quem oferece algo tão informal e não tão diferente do que vejo em muitos blogs e sites sobre cinema atualmente. Enfim...

E me peguei pensando se seu último longa, The movie critic, terá essa mesma pegada. Espero sinceramente que não. É a despedida dele, não é? Que o último ato, como costumam dizer os grandes diretores, seja glorioso. Do contrário, de que adiantou acompanhar a carreira dele até aqui? 

Em outras palavras: que o livro - e suas limitações - o inspire a voos maiores. Os fãs, que sabem do que ele é capaz (eu já vi em Pulp fiction e Bastardos inglórios), certamente agradecerão... 


domingo, 3 de março de 2024

A febre do swing é real, gente!


O sucesso não cai do céu e todo artista que se preze sabe disso como ninguém. Mas refazer a rota é também um gesto de lucidez necessário para quem quer continuar em evidência, relevante e atento ao seu público e às novas gerações que estão chegando. 

Construir uma carreira é difícil? Reinventá-la é ainda mais. Lutar contra a certeza de que aquilo que você sempre fez, que o colocou no olimpo da sua profissão, não está mais funcionando (não daquele jeito) e recomeçar. Às vezes, do zero. Rod Stewart conseguiu, um pouquinho, um tijolo de cada vez. Foi do hitmaker de "Maggie may", "Sailing", "Da ya think i'm sexy?", "Tonight's the night", "Hot legs" e tantos outros sucessos ao regresso às origens da canção americana. E nunca foi tão feliz em suas escolhas! 

Com seu mais novo álbum, Swing fever, atingiu o zênite de sua musicalidade e, principalmente, provou por a mais b ser um notório pesquisador de repertório. O conjunto de canções aqui proposto passearam não somente pelo imaginário norte-americano como também produziram uma espécie de fenda no tempo em minha mente. Coisas que eu sequer imaginava que existiam e fiquei encantado de conhecê-las pela primeira vez (e pela segunda, a terceira, a quarta também...).  

Acompanhado do pianista - e também apresentador - Jools Holland, Rod nos faz cantar junto, fazer coro, sapatear, procurar as letras no google (fiz questão de encontrar as traduções das músicas para entender o significado de cada uma, saber o que elas representam para aquele povo) e tudo num clima altamente dançante, no melhor estilo "arraste o sofá da sala agora e requebre o esqueleto também".

E se você já assistiu aqueles filmes antigos hollywoodianos, com aquelas jazz bands maravilhosas, únicas, e se pegou com os olhos brilhando, querendo fazer parte de tudo aquilo, no meio daquela multidão de ensandecidos, então meu caro leitor, este álbum foi feito sob medida para você. 

Como escolher as melhores canções num monumento à canção como esse? Vocês só podem estar malucos! Enfim... Ouvir (e reouvir) todas as músicas é quase uma obrigatoriedade para o fã de coisa boa, artigo raro hoje em dia. Mas vale a pena uma audição a mais em faixas como "Frankie & Johnny", "Lullaby of Broadway", "Them there eyes", "Oh Marie", a extraordinária "Pennies of heaven" e "Good rockin' tonight" (com um clima que me lembrou dos antigos filmes de rito de passagem dos anos 1970).

Ao fim das quase dez vezes que ouvi o disco (e querendo ouvir de novo), o que mais posso dizer? Esqueçam esses cantores fajutos, que fazem playback o tempo todo, repletos de bailarinos e coreografias indecentes; esqueçam esses falsos rockstars cheios de pose, marra e com pouquíssima ou quase nenhuma voz; e também parem com essa mania de esperar pelo próximo revival de alguma banda ou artista que fez sucesso pelo menos 20 anos atrás. 

O artista está aqui. Se chama Rod Stewart, está lúcido, cantando como nunca, no melhor da sua forma, e deixando claro que quem decide a sua carreira - fazendo o que parece simples, mas de simples não tem nada - é ele, não a sua gravadora ou a mídia especializada. E caso você nunca o tenha ouvido, já passou da hora de dar uma chance, não acha? E aposto que não vai aguentar ficar sentado na cadeira o álbum todo. Eu não aguentei. Entra agora no youtube ou algum serviço de streaming e tira a prova dos nove você mesmo!