sábado, 30 de dezembro de 2023

Terminando o ano nostalgicamente


Eu já fui um viciado em tirinhas de jornal. Do tipo que lê até os jornais do vizinho escondidos antes de ir pra escola só para não perder os meus personagens favoritos (e eram vários: Garfield; Urbano, o aposentado; Recruta zero; Fantasma; etc). 

O tempo passou, as tirinhas ganharam a companhia luxuosa das graphic novels de Will Eisner e as edições da Heavy Metal e eu não parei mais de acompanhar o fascinante mundo da nona arte, com suas criações apaixonantes, mas por vezes também caóticas, fora do tom ou de qualquer tipo de maniqueísmo. 

Quando li Calvin e Haroldo a primeira vez eu já era um garoto fascinado por crianças fora da bolha e, principalmente, Peanuts (aqui no Brasil mais conhecido como A turma do Charlie Brown ou pelo desenho - exibido no SBT - Snoopy) e achei curioso aquele menino loiro, cheio de sonhos e planos mirabolantes ao lado do tigre de pelúcia/ amigo imaginário nas horas vagas. Resultado: viciei. 

E hoje, passadas décadas, escolho entre minhas leituras de fim de ano o volume III da série de Bill Watterson publicada pela Editora Conrad, de nome Tem alguma coisa babando embaixo da cama. E em poucas palavras: nostalgia simplesmente não resume o que eu senti ao terminar o álbum.

Mais: cheguei a me ver novamente com 12, 13, 14 anos, sentado na escadaria do prédio onde eu morava devorando as historinhas. 

Calvin continua tornando a vida dos pais uma montanha-russa de sentimentos enquanto se propõe às maiores peripécias e aventuras. Seja um simples papel numa peça teatral na escola, abrir os presentes no dia de natal ou mesmo brincar na lama com Haroldo, tudo é motivo para que esse garoto extremamente imaginativo crie um mundo particular que supere a realidade em vários níveis. 

Susie, a colega de classe que não esconde uma queda por ele; a professora (a original ou a substituta) que não aguenta as peraltices do menino endiabrado; os vizinhos da rua; ninguém é capaz de classificar Calvin em poucas palavras. Ele é um dínamo capaz de virar o próprio mundo - e que dizer do resto! - de ponta a cabeça só para provar suas teorias malucas. 

E ainda há tempo para as personagens que inventa (e reinventa) de tempos em tempos, como Spaceman Spiff e sua versão Tiranossauro Rex, enlouquecendo a rotina de quem estiver ao seu redor. 

Termino 2023 nostalgicamente e também perplexo em muitos sentidos. Não esperava - por conta dos últimos anos aqui no país: pandemia, crise internacional, nosso governo federal anterior, etc - terminar o ano dando margem a algo tão divertido e inspirador. Espero que essa maré positiva continue ano que vem. Será muito bem-vinda! 

Aos que não conhecem o álbum (e a coleção de tiras da Conrad), recomendo de olhos fechados.


terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Pobre Graciliano!


Fui surpreendido hoje com a notícia (não tão bem-vinda assim) de que a obra do escritor alagoano Graciliano Ramos entrará em domínio público em janeiro de 2024, podendo ser editada por qualquer pessoa além de ganhar "desdobramentos criativos" - esta última parte o meu maior medo como leitor da magnífica literatura do velho Graça. 

Algumas editoras, inclusive, já se mobilizam mostrando nas redes sociais edições caprichadas dos futuros lançamentos. Cheguei até mesmo a ler comentários de leitores dizendo que "quem tiver cabeça e relançar as obras com boa fortuna crítica, elaborada por grandes ensaístas e intelectuais, levará vantagem nessa disputa". 

Portanto, aguardemos para breve relançamentos de livros seminais - e extraordinários - como Vidas secas, Memórias do cárcere, Angústia, São Bernardo e tantos outros. 

Meu medo (como mencionei no parágrafo inicial) é aquele que os bons amantes da literatura brasileira já conhecem de cor e salteado: o fato de não sermos um país de leitores e, muitas vezes, nos contentarmos com versões resumidas, adulteradas, transformadas ou mesmo suavizadas (em tempos de censura à arte) de nossa produção cultural. 

Conheço muita gente que diz conhecer nossa literatura e, no entanto, só "leu" versões quadrinizadas e viu adaptações deturpadas para o cinema. Nada contra as HQs e à sétima arte, sou até suspeito para falar de ambas, grande admirador que sou delas, mas... Nada supera a obra original.

Fico imaginando os tais "desdobramentos criativos" nas mãos de pessoas que vivem flertando com o tendencioso, desmentindo ou negando quase tudo. Pobre Graciliano! Que usem de sabedoria ao trabalharem com o seu legado!

Já disse isso antes, em algum momento deste blog (desçam a barra de rolagem os que tiverem curiosidade...): sou muito mais fã de Graciliano Ramos do que a Academia Brasileira de Letras é de Machado de Assis e, sim, eu sei que um comentário desses já rende polêmica para um ano inteiro. Mas o que posso fazer? É a mais pura verdade! 

E por isso mesmo tenho receio de ver no que possam transformar a obra de um gênio dessa lavra. Oremos - tanto este que vos escreve como os fãs de Graciliano em todo o território nacional - para que não esculhambem ou diminuam a importância de seu trabalho. Seria o mínimo de sensatez. O problema: o Brasil nunca soube, de fato, ser sensato. Ainda mais quando o assunto é cultura, arte, entretenimento. 

Que a esculhambação, a piada, o escracho e a falta de tato ou maturidade não vençam essa batalha. Tanto o autor como nossa literatura de forma geral não merecem uma desonra dessas...


domingo, 24 de dezembro de 2023

A criatura voltou, graças a Deus!


Impossibilitado pelo meu computador, que chegou ao fim da sua jornada (me obrigando a comprar outro!), acabei não comentando aqui Godzilla minus one, do diretor Takashi Yamazaki. 

Em poucas e justas palavras: "deslumbrante" e "a grande surpresa do ano".

Nos últimos anos - mais especificamente, da versão de Roland Emmerich em 1998 com Mathew Broderick e Jean Reno pra cá - andei um tanto desapontado com a criatura nas telas. Mais do que isso: por vezes, até mesmo acreditando que ele era o coadjuvante em sua própria história. Aqui não. 

O primeiro aspecto que chamou minha atenção em Godzilla minus one foram os estupendos dramas humanos criados pelo diretor, colocando o pós-guerra como uma narrativa forte e legível aos espectadores. 

E o próprio design da criatura, que mantém a essência do personagem histórico (que completou 70 anos em 2023), é um acerto também muito bem-vindo por parte da produção. Aliás, hollywood bem que poderia aprender com este longa a não meter a mão nas criações asiáticas. Eis um projeto que respeita seu protagonista, não o transforma num reles paspalho...

No mais, cenas de batalhas inebriantes, muita autodestruição e ainda a torcida (de minha parte, é claro!) para que uma família se reúna e recomece suas trajetórias do zero.

Esqueçam super-heróis repetitivos, zumbis correndo que nem idiotas pelas ruas, vampiros emo, criaturas mitológicas, etc etc etc... Esse aqui foi o filme "de ação" (entre aspas porque é bem mais do que isso) do ano. E os donos de cinema, burros, de novo, tiraram ele de cartaz em muitos lugares cedo demais. 


domingo, 17 de dezembro de 2023

...e ainda é o melhor!


Até o último minuto, o da virada, aguardemos surpresas. Elas podem, sim, surgir a qualquer momento. 

O ano de 2023 acabando e ainda assim, nos acréscimos, quase me engasgo com a notícia de que Superman - o filme, clássico dirigido por Richard Donner, comemora 45 anos de existência. Como assim? Onde é que estava que não percebi que o tempo voou desse jeito? Superman (para quem teve a honra de ver nos cinemas e/ou alugou em VHS nas locadoras) é um fenômeno da cultura pop praticamente inigualável. Principalmente se levarmos em consideração o que era a tecnologia naquela época. 

Esqueçam CGI, Chromakey, Imax, 4K... Gente, nós ficávamos deslumbrados só de ver o filho de Krypton voando! E eu queria fazer igual na sala de casa. Mais do que isso: houve um tempo em que eu queria ser o ator Christopher Reeves (que dá vida ao herói). Até hoje fico triste com a forma como a vida dele terminou. O cara ERA uma lenda. 

Acompanhamos a saga de Clark Kent, antes Kal-El, último sobrevivente de Krypton, que foi completamente destruído mesmo com todos os esforços de seu pai, Jor-El (Marlon Brando; sim, aquele mesmo!), para salvá-lo. Ele é adotado por Jonathan e Martha Kent e, depois de adulto, vai para Metrópolis tentar a vida como jornalista. 

O problema? A mente mais maligna do mal, Lex Luthor (Gene Hackman, outro monstro sagrado de hollywood), que pretende destruir o país a qualquer preço. E, é claro, como pano de fundo, uma love story com a colega do Planeta Diário, Lois Lane (Margot Kidder).

Superman - o filme é, para mim, até hoje, a melhor versão do super-herói transposta para as telas. E também a que mais tem clima de HQ, aquela sensação de coisas feitas no improviso (muito também pela carência de efeitos especiais melhores na época). E uma opinião minha que sempre rende briga com os nerds chatos de plantão: não consigo entender quem acha Henry Cavill um superman melhor. Sempre o achei frio, todo duro, sem carisma. Apenas um sex symbol. 

E em quatro décadas e meia de jornada é fácil entender o porquê do longa ainda ter tanto prestígio junto aos fãs (e não somente por se tratar do início de um ciclo, que rendeu três continuações, mas como filme solo também). 

A cena em que Superman gira no sentido anti-horário do planeta terra para salvar Lois Lane (eu sei, eu sei... vão dizer que eu dei spoiler, mas... sério! o filme tem quase 50 anos. Dá um tempo, gente!) se tornou uma de minhas cenas eternas da história da sétima arte. Lembro que cheguei a ler livros de física depois de ver o filme para entender se aquilo seria realmente possível. E somente por isso já vale a pena concordar com o quanto essa produção era - e ainda é - à frente do seu tempo.

E o legado disso? Vermos a DC se perder dia a dia com decisões equivocadas sobre o universo do qual o personagem faz parte. Uma pena! Contudo, os fãs mais nostálgicos sempre lembrarão (às vezes com lágrimas nos olhos) da trilha, das cenas de salvamento, da visão de raio-x, do super voando e eu querendo saber como eles fizeram aquilo acontecer, naquela época...

Ah, gente, hollywood já foi foda. Por que esse tempo não volta mais, hein? 


quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

A vida pode ser simples (nem que seja numa HQ)


Em meio a tanto deslumbramento, tanta ganância, uma sociedade que vive de likes e selfies 24 horas por dia e um sentimento de estarmos caminhando dia a dia rumo ao fundo do poço, é louvável se deparar com um artista que almeja como primeiro objetivo mostrar (seja musicalmente, literariamente, cinematograficamente, etc) o lado simples da vida. 

Temos muito - muito mesmo! - a aprender com as gerações passadas, aquelas da época em que viver no subúrbio era ver seus vizinhos com as cadeiras na rua, em frente as suas casas, conversando uns com os outros até de noite. Essa cena parece ter um século, mas não! Não faz tanto tempo assim. E o país era outro. 

A coleção de tiras Material poético, de Evandro Alves, resgata grande parte desse sentimento através de traços simples (sim, não esperem a exuberância de um Moebius ou a narrativa forte e denunciatória de um Frank Miller. Não se trata disso o projeto!) e uma nostalgia que, cá entre nós, não cabe no coração de quem viveu esse período. 

Alves dirige seu olhar para as cidades do interior que ainda resistem à megalomania da malfadada globalização. Nos apresenta pássaros voando, netos que esperam a benção de suas avós antes de dormir, meninos ávidos para pegarem frutas no pé, insetos namorando flores, o caminhar descalço pelas ruas das pessoas mais humildes, os cachorros que seguem os malucos que existem em qualquer cidade, um simples pôr-do-sol aqui, uma singela flor de mandacaru ali, uma andorinha solitária acolá...

...e isso (acreditem!) é só o começo de um grande "ensaio sobre o que a vida poderia ser, se quiséssemos, mas na maioria das vezes preferimos o caminho mais controverso, o do status a qualquer preço". 

Gosto da paleta de cores usada pelo artista e, principalmente, da sensação de rabisco em suas imagens. Eles dão, juntos, uma conotação de obra crua ao trabalho, que é sublime. Afinal de contas, quem foi que disse que sofisticação, exagero, CGI, imagens pixeladas e outras bobagens que só encarecem o processo muitas vezes funcionam sempre?

Ao fim da leitura me lembrei dos meus tempos de ler gibi da Turma da Mônica (antes que a MSP se tornasse o que é hoje, uma empresa que só visa o lucro e a hipocrisia) e os saudosos Almanaque Disney que, hoje em dia, mal e porcamente encontramos em algum sebo ou vendedor de coisas antigas em feiras livres de bairro. 

A vida, meus caros leitores, pode sim ser simples (mesmo que agora apenas numa HQ - o que é uma pena, convenhamos!). Contudo, que continuemos a sonhar com dias melhores, pois isso ainda é de graça. 


domingo, 10 de dezembro de 2023

Aquele letreiro... 100 anos depois


Quando os cinéfilos de verdade pensam em cinema, em sétima arte, mais especificamente em hollywood, é quase impossível não lembrar daquele famoso letreiro em Los Angeles que já foi cenário (ou, ao menos, visto) em tantas produções. Do que a maioria das pessoas não sabe é das inúmeras histórias envolvendo o ponto turístico que este ano completa 100 anos. 

Primeiramente: ele foi erguido ali em 1923 como hollywoodland, um empreendimento imobiliário de luxo dos mais cobiçados na época. E passou por muitos reveses e deteriorações com o passar das décadas. 

Talvez a maior tragédia envolvendo-o foi a de 1932 quando a atriz britânica Peg Entwhistle tirou a própria vida se atirando da letra H. Daquelas histórias que normalmente despertam o interesse de ficcionistas ao redor do mundo por sua carga mista de incompreensão e curiosidade mórbida!

Já na década de 1940 vândalos e tempestades de vento derrubaram a famigerada letra H, fazendo com que os moradores da região pedissem à prefeitura da cidade que pusessem o letreiro abaixo. Adiantou? Que nada! A Câmara de comércio de hollywood ainda via a instalação como uma marca rentável e decidiu reformá-la. Com uma diferença: retiraram as últimas quatro letras para que a peça passasse a representar toda a cidade e não apenas um território específico.

Moral da história: em 1949 o letreiro, recém restaurado, reinaugura como Hollywood (e assim o vemos até hoje). 

Mas o sol devastador e novas tempestades fizeram o favor de, novamente, desgastar as letras. E eis que, em 1970, um grupo de celebridades (incluindo o roqueiro Alice Cooper, o fundador da Playboy Hugh Heffner e o cantor Andy Williams) bancam uma nova reforma, trazendo o letreiro de volta aos seus dias de glória. Detalhe: as letras antigas, de madeira, são agora substituídas por outras, mais compactas, feitas de aço.

Embora ele não seja mais hoje em dia mantido iluminado com frequência (por conta de reclamações dos próprios moradores da região), há um movimento crescendo para que ele volte a ser, por conta de eventos que a cidade abrigará nos próximos anos (como a copa do mundo em 2026 e os jogos olímpicos em 2028), que certamente atrairão um número gigantesco de turistas. 

Ou seja: já prevejo polêmicas e bate-boca, principalmente depois do resultado das próximas eleições no ano que vem (dependendo de quem vencer a corrida presidencial). Os conservadores e puritanos certamente vão reclamar - de novo! - de toda essa luz na cara deles. 

Mas polêmicas e discussões à parte, quem diria que aquele letreiro que surgiu antes mesmo do nascimento do cinema falado, ainda estaria ali, no mesmo lugar, um século depois, não é mesmo? Quer saber: longa vida a ele!


sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

R.I.P Ryan O'Neal


Aconteceu de novo. Eu vi a notícia do falecimento do ator Ryan O'Neal e assim como quase fiz com o guitarrista Lanny Gordin, ia me limitar a postar em meu perfil no twitter um post R.I.P. Mas não resisti. Lembrar de O'Neal é tão mágico, tão sublime para a história do cinema, que pensei (de novo): eu preciso falar um pouco mais do que isso. 

Infelizmente, muitos fãs preferem lembrar de Ryan apenas como um dos grandes galãs do cinema hollywoodiano (e em grande parte por causa de seu personagem Oliver em Love story, de Arthur Hiller). Cá entre nós: estão erradíssimos! Ele foi bem mais do que isso e merece - a meu ver - um capítulo à parte na história do cinema americano. 

Era fácil entender porque as mulheres eram loucas por ele (e olha que ele foi casado com a melhor das panteras, Farrah Fawcett, minha crush eterna!). Entretanto, ele também tinha um biotipo que funcionava para praticamente tudo. Podíamos vê-lo em comédias românticas e também em filmes de espionagem. Fez faroeste quando a oportunidade lhe apareceu, e deu até as caras na famosa série de tv Perry Mason

Mais do que isso: como esquecer que ele foi Barry Lyndon, no longa homônimo - e inesquecível - do mestre Stanley Kubrick? Que quando o assisti, ainda moleque durante uma sessão do Corujão num longínquo anos 1990, fiquei semanas ruminando sua presença nas telas, a trama forte, precisa, sem rodeios. Houve um tempo em que eu queria ser ele. 

Contudo, nada dignifica mais sua carreira do que sua parceria com o diretor (também já falecido) Peter Bogdanovich. Primeiro pelo clássico e exuberante Lua de papel, onde interpreta Moses Pray, um golpista que precisa levar uma jovem pirralha (atuação ímpar de Tatum O'Neal) que acabou de perder a mãe, até a casa de seus parentes, mas se mete em inúmeras confusas pelo meio do caminho; e depois por No mundo do cinema, que mostra os bastidores de uma produção cinematográfica nos anos 1910 (e que deveria ser mais badalado pelos fãs, tanto de Ryan quanto de Bodagnovich).

Dicas e gostos à parte, se puderem entrar no perfil do ator no IMDb, fuçem toda a filmografia dele. Aposto que se surpreenderão com suas escolhas de carreira, que iam bem além de um mero rosto (ou corpo) bonito. 

Uma pena! Ryan, que nos deixa aos 82 anos, é mais um que parte e deixa os cinéfilos mais nostálgicos cientes de que hollywood vem empobrecendo culturalmente dia-a-dia e sem uma renovação à altura. Só nos resta, ao fim, caçarmos alguma coisa com ele para ver no you tube ou algum serviço de streaming (nessa caso, uma tarefa um pouco mais complicada, vide o imediatismo dessas empresas e seu descompromisso com a história audiovisual). De repente, quem sabe, não programam algo no Telecine Cult... Ou talvez eu esteja só sonhando acordado. 

Em suma: fica com Deus, Ryan! Você vai fazer falta. 


quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Sério mesmo, Time?


Eu volta e meia me pergunto (e nos últimos anos tenho feito isso com cada vez mais frequência) o que a imprensa e o cidadão comum considera - ou idolatra - como cultura. Passamos por tanta coisa extraordinária no setor em pouco mais de dois séculos e ainda me vejo perplexo com certos "reconhecimentos" por parte da chamada grande mídia. 

Dito isto, leio hoje na Folha de São Paulo a notícia de que a cantora Taylor Swift foi escolhida como "A pessoa do ano" pela revista Time. Até aí tudo bem, pois passamos quase que o ano todo falando da Eras Tour com a qual Taylor rodou o mundo (ou, pelo menos, o que ela chama de mundo). O que me intrigou de fato foi a informação de que, em quase um século de existência da publicação, esta é a primeira vez que uma pessoa ligada à cultura vence o prêmio.

Na mesma hora meu cérebro começou a formigar. Sério mesmo, Time? Taylor Swift? A primeira? Honestamente... O mundo parece só gostar de arte, cultura e entretenimento quando remete exclusivamente à cifras, turnês caríssimas e o mainstream pop vazio e repetitivo. 

O mais assustador na informação que encerra o segundo parágrafo: Michael Jackson não foi "A pessoa do ano" da Time? Nem nos tempos de Thriller? Putz! Nem John Lennon ou Mick Jagger ou Marvin Gaye, sequer Madonna? Sim, soa oportunista a escolha. Mais até: covarde. 

Nunca entendi o sucesso de Taylor Swift. Se me pedirem para cantar algum hit dela, conheço apenas "Shake it off" (cujo clipe, por sinal, é uma grande bobagem com flertes à diversidade e um mundo mais igual). E chamam essa moça do qual conheço apenas um hit de fenômeno global! E eu penso: do que chamariam hoje em dia Led Zeppelin, a Motown ou mesmo Frank Sinatra?

Ou há algo de errado com a cultura contemporânea (e peço desculpas desde já por não citar expoentes da literatura, do cinema, das artes plásticas, etc, mas é que a música vive um momento que eu considero de crise de valores) ou, então, a imprensa internacional entregou-se de vez ao gratuito promovido pelo show business às custas de muita alienação e vendagens mais do que meramente expressivas. Em outras palavras: venderam a alma mesmo. 

Alguns anos atrás chamaram essa moça de influência e até hoje, confesso, não consegui entender direito o porquê. Tem tanta gente fazendo mais do que ela, cantando melhor do que ela (Adele, Joss Stone, a própria Lady Gaga em pleno auge, alguém?), com propostas infinitamente melhores do que a dela e, no entanto... "Taylor Swift: a pessoa do ano". Talvez a que mais ganhou dinheiro esse ano, vá lá (embora Beyoncé tenha também faturado os tubos com a sua Renaissance Tour em 2023), agora... Pessoa do ano? Por quê, exatamente?    

Enfim... É nessas horas que eu tenho a legítima certeza de que está cada vez mais difícil para alguém da minha geração - na casa dos 40, 50 anos - ser fã de alguém nesse século XXI. Cultuamos reles produtos (a grande maioria descartáveis) e os verdadeiros criadores de conteúdo ficaram em segundo plano. De vez. 

Que tristeza! 


segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Thriller ainda é foda!


Que grata surpresa foi ver no último sábado, às 22 horas no canal MTV, o documentário Thriller 40, sobre o álbum de música mais vendido da história da cultura pop. E principalmente: perceber que a imagem do rei do pop, Michael Jackson, permanece até hoje intocável. 

Thriller 40 tem todos os elementos possíveis de um projeto que é a cara da geração dos anos 1980: nostalgia pura, ótimos depoimentos, detalhes sobre o processo criativo e, o mais importante: imagens raras, clássicas, eternas, uma sensação de fenda no tempo constante. 

Acompanhamos música a música o árduo trabalho, a parceria entre Michael e Quincy Jones, entrevistas com antigos colaboradores e também com ícones pop de outras gerações (W.i.l.l.i.a.m, Mary J. Blidge, Usher, etc), cujas carreiras só foram - e são - possíveis até hoje graças a influência do astro por trás de hits como "Billie Jean", "Beat it", "Wanna be startin' something", "Human nature" e tantos outros clássicos. 

Nas partes em que o diretor, Nelson George (e aqui recomendo também o livro que ele publicou sobre o álbum, Thriller: a vida e a música de Michael Jackson, que é ótimo!) nos apresenta os bastidores dos clipes meus olhos marejaram de lágrimas, fazendo meu cérebro voltar àqueles dias de adolescente tímido ouvindo tudo o que podia sobre Michael em rádios, LPs, cassetes, etc...

O diretor também não fosse de polêmicas e assuntos mais espinhosos, como o acidente envolvendo o cantor no famigerado comercial da Pepsi e do preconceito da MTV com o artista, mesmo sendo já bem sucedido na carreira. 

Entretanto, o que os fãs mais nostálgicos aguardam (e são atendidos de forma gloriosa) é a maquiagem de Rick Baker no clipe de Thriller - do diretor John Landis -, a primeira vez que Michael realizou o moonwalk num show comemorativo da Motown e a festa de Grammys que ele faturou na época. 

O único defeito de Thriller 40: ter apenas 1 hora e 30 minutos. Os fãs de séries no streaming certamente iriam adorar uma temporada inteira repleta de informações e bônus os mais diversos. Enfim... Era o que tínhamos para o dia e valeu cada segundo sentado em frente à tv. 

Ao fim do doc e com a passagem dos créditos ficou a legítima sensação de que o álbum que entrou para a história do show business ainda é foda e não à toa as gerações de fãs de Michael Jackson só aumentam (informação essa que, inclusive, é mostrada no longa). 

Assistam quando tiverem a chance, sejam vocês fãs do cantor ou não. O filme é o puro suco da cultura pop. E vamos combinar: infinitamente melhor que certas coisas que andam sendo badaladas hoje em dia. 


sábado, 2 de dezembro de 2023

O mago da guitarra


Na última terça-feira postei em meu perfil do twitter (agora X) R.I.P Lanny Gordin, após saber - com tristeza - da morte do guitarrista considerado por muitos no país o mago com o instrumento nas mãos (para mim, ele sempre estará, no mínimo, no Top 3 com folga). Contudo, passados os dias, dei-me conta da leviandade do meu ato. 

Como poderia resumir a grande perda que significou para a MPB a partida de Lanny com um mísero comentário de uma linha? Logo, eis-me aqui de volta ao blog para uma homenagem maior. 

Lanny Gordin foi lendário em tudo que se propôs a fazer e também uma figura ímpar que merecia um estudo de caso ou biografia mais apurada. Para começo de conversa, é quase impossível relacioná-lo a uma única pátria: o pai era de origem russa. A mãe era de origem polonesa. O menino nasceu em Xangai, na China, e passou parte da infância em Tel Aviv, Israel. Veio para o Brasil aos seis anos e daqui não saiu mais. 

E o mais importante: poucos entenderam a nossa música tão bem quanto ele. 

O garoto, que ainda adolescente, se apresentava no Stardust, boate do seu pai, em São Paulo, queria tocar como quem quer respirar. Para ele, vanguardas e protestos não ressoavam em seu trabalho. O mais importante era o poder dos riffs e a mensagem transmitida por seus acordes. Em 1967 uma passeata contra a guitarra elétrica tomou o centro de SP, repleta de grandes nomes da MPB que viam no instrumento uma ameaça ianque. Putz! Na boa... Eles não tinham ouvido Lanny. Se tivessem ouvido, nem teriam começado essa joça!

Lanny  aprendeu com Hermeto Pascoal o que era a improvisação jazzística. Viu seu mundo virar de ponta a cabeça com Jimi Hendrix dedilhando "Purple Haze", "Voodoo Child", etc. Passou pela Jovem Guarda, pelo Tropicalismo, tocou e gravou com muita gente. E cedo demais, entrou também numa viagem sem volta, que o consumiu de todas as formas. 

Sua vida foi difícil: uso excessivo de ácido, diagnóstico de esquizofrenia, internação em sanatórios, a impossibilidade de se manter ativo (e por vezes lúcido), os últimos anos na condição de acamado e a recente pneumonia, cujas sequelas tiraram-lhe a vida.

Mas se por um lado ele enfrentou um leão por dia, por outro nos entregou um misto de vigor, descontração, jornada, mas também fúria em cada arranjo criado. Ele era Hendrix (versão tupiniquim) + psicodelia + agressão + sujeira + distorção + improviso + o que mais fosse possível em termos musicais. Os jornais ao publicarem seus obituários dizem, de forma quase uníssona, que em muitos níveis Lanny Gordin era o cara certo na hora certa. Disseram tudo. Ele podia não dominar o nosso idioma, mas com seis cordas elétricas falou brasileiro muito mais que muito cidadão por aqui.

E acho impossível que o fã (o verdadeiro fã) de boa música não seja capaz de reconhecer e admirar o seu trabalho. 

Ele foi peça-chave da Tropicália e participou de alguns dos álbuns centrais da historiografia musical do país como, por exemplo, Caetano Veloso (1969, conhecido como Álbum Branco), Araçá Azul (1972), Gilberto Gil (1969), Expresso 2222 (1972), Gal Costa (1969), Le-Gal (1970) e Fatal – A Todo Vapor (1971), além de  integrar o grupo Brazilian Octopus. Também contaram com a contribuição de Gordin em seus trabalhos artistas como Jards Macalé, Rita Lee, Tim Maia, Pepeu Gomes e Erasmo Carlos, entre outros.

Entre seus maiores legados musicais, certamente enalteço um dos solos de guitarra mais importantes da história da música popular brasileira. Refiro-me à sua presença em "Atrás do Trio Elétrico", de Caetano Veloso (responsável também pelo surgimento de Dodô e Osmar no carnaval da Bahia), além de "Back in Bahia" e o solo de baião formidável em "17 léguas". Corram para ouvir essas preciosidades no youtube, no deezer ou no spotify! 

Com isso nosso mercado fonográfico perde mais uma lenda insubstituível, depois de tantas perdas substanciais nos últimos tempos (Gal Costa, Erasmo Carlos, Rita Lee...). E eu continuo me perguntando, ainda sem resposta aparente: "onde está a renovação à altura?". Pobres de nós, ouvintes fanáticos! 

P.S: Fica com Deus, Lanny. Você era foda!