Em meio a tanto deslumbramento, tanta ganância, uma sociedade que vive de likes e selfies 24 horas por dia e um sentimento de estarmos caminhando dia a dia rumo ao fundo do poço, é louvável se deparar com um artista que almeja como primeiro objetivo mostrar (seja musicalmente, literariamente, cinematograficamente, etc) o lado simples da vida.
Temos muito - muito mesmo! - a aprender com as gerações passadas, aquelas da época em que viver no subúrbio era ver seus vizinhos com as cadeiras na rua, em frente as suas casas, conversando uns com os outros até de noite. Essa cena parece ter um século, mas não! Não faz tanto tempo assim. E o país era outro.
A coleção de tiras Material poético, de Evandro Alves, resgata grande parte desse sentimento através de traços simples (sim, não esperem a exuberância de um Moebius ou a narrativa forte e denunciatória de um Frank Miller. Não se trata disso o projeto!) e uma nostalgia que, cá entre nós, não cabe no coração de quem viveu esse período.
Alves dirige seu olhar para as cidades do interior que ainda resistem à megalomania da malfadada globalização. Nos apresenta pássaros voando, netos que esperam a benção de suas avós antes de dormir, meninos ávidos para pegarem frutas no pé, insetos namorando flores, o caminhar descalço pelas ruas das pessoas mais humildes, os cachorros que seguem os malucos que existem em qualquer cidade, um simples pôr-do-sol aqui, uma singela flor de mandacaru ali, uma andorinha solitária acolá...
...e isso (acreditem!) é só o começo de um grande "ensaio sobre o que a vida poderia ser, se quiséssemos, mas na maioria das vezes preferimos o caminho mais controverso, o do status a qualquer preço".
Gosto da paleta de cores usada pelo artista e, principalmente, da sensação de rabisco em suas imagens. Eles dão, juntos, uma conotação de obra crua ao trabalho, que é sublime. Afinal de contas, quem foi que disse que sofisticação, exagero, CGI, imagens pixeladas e outras bobagens que só encarecem o processo muitas vezes funcionam sempre?
Ao fim da leitura me lembrei dos meus tempos de ler gibi da Turma da Mônica (antes que a MSP se tornasse o que é hoje, uma empresa que só visa o lucro e a hipocrisia) e os saudosos Almanaque Disney que, hoje em dia, mal e porcamente encontramos em algum sebo ou vendedor de coisas antigas em feiras livres de bairro.
A vida, meus caros leitores, pode sim ser simples (mesmo que agora apenas numa HQ - o que é uma pena, convenhamos!). Contudo, que continuemos a sonhar com dias melhores, pois isso ainda é de graça.
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