Na última terça-feira postei em meu perfil do twitter (agora X) R.I.P Lanny Gordin, após saber - com tristeza - da morte do guitarrista considerado por muitos no país o mago com o instrumento nas mãos (para mim, ele sempre estará, no mínimo, no Top 3 com folga). Contudo, passados os dias, dei-me conta da leviandade do meu ato.
Como poderia resumir a grande perda que significou para a MPB a partida de Lanny com um mísero comentário de uma linha? Logo, eis-me aqui de volta ao blog para uma homenagem maior.
Lanny Gordin foi lendário em tudo que se propôs a fazer e também uma figura ímpar que merecia um estudo de caso ou biografia mais apurada. Para começo de conversa, é quase impossível relacioná-lo a uma única pátria: o pai era de origem russa. A mãe era de origem polonesa. O menino nasceu em Xangai, na China, e passou parte da infância em Tel Aviv, Israel. Veio para o Brasil aos seis anos e daqui não saiu mais.
E o mais importante: poucos entenderam a nossa música tão bem quanto ele.
O garoto, que ainda adolescente, se apresentava no Stardust, boate do seu pai, em São Paulo, queria tocar como quem quer respirar. Para ele, vanguardas e protestos não ressoavam em seu trabalho. O mais importante era o poder dos riffs e a mensagem transmitida por seus acordes. Em 1967 uma passeata contra a guitarra elétrica tomou o centro de SP, repleta de grandes nomes da MPB que viam no instrumento uma ameaça ianque. Putz! Na boa... Eles não tinham ouvido Lanny. Se tivessem ouvido, nem teriam começado essa joça!
Lanny aprendeu com Hermeto Pascoal o que era a improvisação jazzística. Viu seu mundo virar de ponta a cabeça com Jimi Hendrix dedilhando "Purple Haze", "Voodoo Child", etc. Passou pela Jovem Guarda, pelo Tropicalismo, tocou e gravou com muita gente. E cedo demais, entrou também numa viagem sem volta, que o consumiu de todas as formas.
Sua vida foi difícil: uso excessivo de ácido, diagnóstico de esquizofrenia, internação em sanatórios, a impossibilidade de se manter ativo (e por vezes lúcido), os últimos anos na condição de acamado e a recente pneumonia, cujas sequelas tiraram-lhe a vida.
Mas se por um lado ele enfrentou um leão por dia, por outro nos entregou um misto de vigor, descontração, jornada, mas também fúria em cada arranjo criado. Ele era Hendrix (versão tupiniquim) + psicodelia + agressão + sujeira + distorção + improviso + o que mais fosse possível em termos musicais. Os jornais ao publicarem seus obituários dizem, de forma quase uníssona, que em muitos níveis Lanny Gordin era o cara certo na hora certa. Disseram tudo. Ele podia não dominar o nosso idioma, mas com seis cordas elétricas falou brasileiro muito mais que muito cidadão por aqui.
E acho impossível que o fã (o verdadeiro fã) de boa música não seja capaz de reconhecer e admirar o seu trabalho.
Ele foi peça-chave da Tropicália e participou de alguns dos álbuns centrais da historiografia musical do país como, por exemplo, Caetano Veloso (1969, conhecido como Álbum Branco), Araçá Azul (1972), Gilberto Gil (1969), Expresso 2222 (1972), Gal Costa (1969), Le-Gal (1970) e Fatal – A Todo Vapor (1971), além de integrar o grupo Brazilian Octopus. Também contaram com a contribuição de Gordin em seus trabalhos artistas como Jards Macalé, Rita Lee, Tim Maia, Pepeu Gomes e Erasmo Carlos, entre outros.
Entre seus maiores legados musicais, certamente enalteço um dos solos de guitarra mais importantes da história da música popular brasileira. Refiro-me à sua presença em "Atrás do Trio Elétrico", de Caetano Veloso (responsável também pelo surgimento de Dodô e Osmar no carnaval da Bahia), além de "Back in Bahia" e o solo de baião formidável em "17 léguas". Corram para ouvir essas preciosidades no youtube, no deezer ou no spotify!
Com isso nosso mercado fonográfico perde mais uma lenda insubstituível, depois de tantas perdas substanciais nos últimos tempos (Gal Costa, Erasmo Carlos, Rita Lee...). E eu continuo me perguntando, ainda sem resposta aparente: "onde está a renovação à altura?". Pobres de nós, ouvintes fanáticos!
P.S: Fica com Deus, Lanny. Você era foda!
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