É difícil falar do amor. Quem tentou, saiu cheio de cicatrizes (e em alguns casos, renovado). Porém, é uma catarse necessária, acho até imprescindível, principalmente em tempos caóticos e confusos como estes atuais, cheios de fake news e sociedade polarizada guerreando por uma classe que nunca se importou com o povo.
Levando isso em consideração me deparo com um exemplar de Eu sei que vou te amar, livro de Arnaldo Jabor criado a partir do longametragem homônimo de 1986 que deu a Palma de Cannes à atriz Fernanda Torres, abandonado numa barraca dessas de livros usados em plena feira de subúrbio. Já havia lido o romance uns oito anos atrás e adorado (tanto que, quando lançada sua versão para o teatro, fui correndo assistir). Retomá-lo após tanto tempo e ciente do que o tema proposto nele fez na minha própria vida, decidi encarar a empreitada novamente.
Eu sei que vou te amar - que tem tintas de Vinicius de Moraes não só no título - traz um casal que viveu junto por seis anos e após uma breve separação se reencontra para discutir a relação que passou e tentar entender o que fez de errado no processo. Na própria contra-capa do livro o autor define sua obra como "o livro definitivo a traduzir as D.Rs". E está absolutamente certo.
O romance de Jabor é um tapa na cara com luvas de pelica na vida de casais que passaram a vida errando em seus relacionamentos e não conseguem admitir a culpa (isso quando não empurram toda a parte catastrófica para a conta da outra metade da relação).
A narrativa é cheia de silêncios, reticências, discursos entrecortados. Há momentos em que se percebe nitidamente a tentativa (seja dele ou dela) de construir sua defesa no calor do momento, tentando deixar no passado escolhas infelizes que fizeram, mas que são indispensáveis para entender o que os levou ao término.
Há um clima entre o rock n' roll e a bossa nova conflitando no cenário que, na versão cinematográfica, acaba por remeter ao Steven Soderbergh de Sexo, mentiras e videotape (tenho até vontade de rever o filme para saber se ainda tenho essa mesma impressão de quando o assisti pela primeira vez). E essa antítese de sentimentos, gostos, caminhos, é muito bem-vinda na hora de entendermos os sentimentos dessa geração (que não é a minha), ofuscada pelo período militar e suas castrações ideológicas.
Talvez muitos que conheceram a obra quando acabara de ser lançada a considerem hoje datada e defendam a ideia de que nada disso acontecesse com a atual geração, simplesmente porque ela "não ama mais com esse mesmo vigor". Em certo sentido, concordo. Tornamo-nos evasivos, efêmeros e mentirosos de carteirinha como sociedade, mas ainda vejo a possibilidade de podermos discutir a vida a dois (pelo menos, entre "alguns" seres humanos).
Em outras palavras: a literatura pretendida por Arnaldo Jabor - ele próprio, um provocador por natureza - é debochada, irônica, e toca numa questão muito contemporânea. Perdemos a capacidade de ouvir. Queremos ordenar e fazer dos outros empregados de nossa vontade. E não é à toa nem começou do dia para a noite esta cultura tendenciosa.
É uma pena que nossos literatos não tenham migrado mais para esse debate nos últimos anos. Andamos carentes de uma boa discussão. Não essa guerra de interesses dos dias de hoje, esse mundo videogame onde seus vizinhos, parentes, amigos são adversários a serem aniquilados e nada mais.
Por mais amores de carne-e-osso como este aqui e menos vidas de plástico, botoxizadas, construídas à bisturí e esteróides...
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