Não é todo dia que um filme musical realmente mexe com os meus sentimentos!
Saio da sessão de Nasce uma estrela, primeiro filme dirigido pelo bom ator Bradley Cooper, em êxtase. Esperava o longa há dois meses, inquieto, e vou logo abrindo o jogo: é tudo o que eu esperava e mais um pouco. Mas o mais importante: fiquei com uma sensação engasgada na garganta de que as comédias românticas sempre estiveram erradas. O amor é um campo de batalha do qual poucos, pouquíssimos mesmo, saem vitoriosos.
Jackson Maine (Bradley Cooper) chegou naquele ponto da vida - e da própria carreira como astro do country rock - em que, por mais que você tente, tudo parece ir por água abaixo. Luta para ficar de pé no palco, em meio ao uso excessivo de álcool e drogas, tem uma péssima relação pessoal com o irmão mais velho, Bobby (Sam Elliot), cujo trabalho sujo sempre foi o de limpar as burradas e excessos do irmão mais novo, e não tem, por mais que aparente o contrário às vezes, a menor expectativa positiva sobre o futuro de sua carreira.
Após sua última apresentação, decide parar com seu motorista num bar (que, para sua surpresa, é um reduto gay, onde travestis se apresentam fazendo dublagens) e conhece Ally (Lady Gaga, que aqui mostra um outro lado seu, ainda mais formidável - pelo menos, para mim - do que já mostra rotineiramente em sua carreira pop bem sucedida). Seu encantamento e paixão pela jovem e imediato, mas fica estarrecido ao saber que a moça não canta suas próprias composições. Decide dar-lhe uma oportunidade no show business, cantando um duo em seu próximo show e se apaixonam. E é nesse exato momento que a trama de Nasce uma estrela ganha uma força arrebatadora.
O longa, para muitos o mais esperado do ano, é uma grande tese sobre o amor e suas consequências catastróficas. Pois já dizia George Bernard Shaw, "o ser humano destrói tudo o que ama". E aqui isso fica claro nos pequenos detalhes, em características pontuais da trama e da produção.
Primeiramente: a química entre os protagonistas é absurda e, no caso de Bradley, ele consegue me impressionar ainda mais do que já tinha feito no mediano O lado bom da vida, de David O. Russell. Sua persona na pele do músico visceral é fantástica. Não houve um momento em que não achasse sua participação como músico crível. Confesso: eu compraria um cd ou um dvd gravado por ele, se não soubesse que é um ator!
Da parte de Gaga, o que se espera dela é entregue e com juros e correções monetárias. Ela vende uma artista mais cara limpa do que a personagem louca, andrógina, sempre cheia de maquiagens e vestimentas exóticas, que vemos no palco com frequência. Inclusive soube trazer para o longametragem experiências paralelas interessantes que viveu em sua carreira como cantora. Quando Ally conhece Jack cantando "La vie en rose", remeteu-me imediatamente ao projeto que a própria Gaga realizou recentemente com o cantor Tony Bennett. É uma Gaga mais clássica, menos pop. Adorei.
E por falar em "La vie en rose", é preciso destacar aqui a trilha sonora do longa. Raríssimas vezes nos últimos anos ouvi uma trilha sonora que dialogasse tanto com um filme como aqui. As canções de Nasce uma estrela representam o mais profundo da psique de seus personagens. Falam de não continuar preso à velhos hábitos, de lutar contra uma sensação de aprisionamento, de se sentir afogado perante a vida... Sempre fui crítico de trilhas sonoras por, muitas vezes, considerá-las meia-bocas, nunca um retrato preciso do que foi o filme. Não é o caso aqui. E digo mais: Beyoncé - que seria a escolha original do projeto, que seria dirigido então por Clint Eastwood - saiu perdendo feio aqui. Deixou de participar de um projetaço! Enfim... Coisa de billboard e megaestrelas sempre atarefadíssimas e empoderadas.
Não assisti a nenhuma das versões anteriores da história - apesar de já ter lido a respeito sobre elas e ouvido a trilha da versão com Barbra Streisand e Kris Kristofferson - e mesmo assim agradeço. Queria chegar de mente limpa nesta sessão e foi a melhor decisão que tomei. Provavelmente, se tivesse assistido alguma outra versão anteriormente, teria procurado defeitos ou comparações ao longo desta. E seria injusto com o trabalho de Bradley que se mostra uma grata surpresa (espero ver mais trabalhos dele nessa área).
Na época de seu lançamento no Festival de Cannes a loucura foi tamanha - foram mais de 10 minutos de aplausos ao filme e todas as congratulações possíveis a dupla de protagonista - que Lady Gaga vem sendo cotada como possível indicada à melhor atriz no Oscar do ano que vem. Sobre isso só digo "aguardemos! ainda é muito cedo para isso". Entretanto, todo o marketing e boca-a-boca rolando nos últimos anos já diz muito sobre o espírito procurado pela produção para desenvolver o projeto.
Em outras palavras: Bradley faz seu dêbut de forma até certo ponto magistral, Gaga mostra que é muito mais do que a figura espalhafatosa e elétrica que mostra em suas turnês (e achei de uma tremenda ousadia da parte da produção o desdobramento de sua personagem como uma artista que questiona a todo momento a nociva relação entre artistas e indústria fonográfica) e a música - matéria-prima fundamental num projeto como esse - afiadíssima e completamente interligada com a trama.
Nasce uma estrela vai além de outras produções que trazem grandes divas do mercado musical como protagonistas. Assisti Whitney Houston em O guarda-costas, Mariah Carey em Glitter, Tina Turner em Mad Max além da cúpula do trovão, Norah Jones em Um beijo roubado e em nenhum dos casos acima vi uma entrega tão grande - seja cantando ou atuando - como aqui.
Que o longa de Bradley Cooper fique como legado para futuras produções no gênero, que ainda merece espaço no circuito se feitas de maneira adequada, ao invés de perderem tempo com bobagens tais como La la land, de Damien Chazelle, numa era em que hollywood há muito tempo já não pode mais contar com fenômenos como Fred Astaire, Gene Kelly, Debbie Reynolds, Cyd Charisse e outras lendas...
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