segunda-feira, 13 de maio de 2024

O rebelde do cinema brasileiro


Mal terminei de postar o texto anterior, me despedindo de Roger Corman, me deparo com mais uma triste notícia: a morte do ator Paulo César Pereio, aos 83 anos. Que domingo desgraçado! 

Pereio foi o último rebelde do cinema brasileiro. O Dennis Hopper tupiniquim. Quebrou com todos os preceitos e convenções possíveis e imagináveis. Se recusou a seguir a mentalidade e a formação dos atores de sua época. Se o queriam shakespeareano ou stanislavskiano, quebraram a cara. Até em Roda Viva, peça de Chico Buarque encenada por José Celso Martinez Corrêa, ele subverteu a ordem imposta no período. Uma frasista único, polemizador nato, foi parte integrante de uma geração cinematográfica que a cada novo falecimento deixa mais e mais saudades.

Foi preso, contestador até a medula; durante uma época desejou até mesmo a demolição do Cristo Redentor (para fúria de seus eternos detratores) e era dono de uma voz única que jamais deixará de ecoar em meus ouvidos toda vez que eu me lembrar dele.

Trabalhou em mais de 60 longas - fora tv e teatro -, com os maiores que o nosso audiovisual já viu até hoje (Glauber Rocha, Hector Babenco, Arnaldo Jabor, Hugo Carvana, Walter Lima Jr, Cacá Diegues, Neville D'Almeida, Ruy Guerra...), narrou documentários e foi até tema de programa humorístico. Mas o principal: transformou o ato de ser polêmico, sem noção e desbocado numa marca registrada e divertidíssima.

Eu poderia chegar até vocês, leitores, e dizer "imprimam no site IMDb a lista com todos os projetos no qual ele participou e assista tudo, comece agora!", mas há momentos únicos, que merecem um sincero destaque. Logo, se puderem, deem preferência aos da lista abaixo. Aposto que não se arrependerão:


Os fuzis, de Ruy Guerra (1964)

Terra em transe, de Glauber Rocha (1967)

Capitão Bandeira contra o Dr. Moura Brasil, de Antônio Calmon (1971)

Toda nudez será castigada, de Arnaldo Jabor (1973)

Iracema - uma transa amazônica, de Jorge Bodanzky (1975)

Lúcio Flávio - passageiro da agonia, de Hector Babenco (1977)

A queda, de Ruy Guerra (1978)

A dama do lotação, de Neville D'Almeida (1978)

A lira do delírio, de Walter Lima Jr. (1978)

Chuvas de verão, de Carlos Diegues (1978)

Eu te amo, de Arnaldo Jabor (1981)

Bar esperança, de Hugo Carvana (1983)

Rio babilônia, de Neville D'Almeida (1983)


E isso só para começar os trabalhos (rsss.)

Muito se falou sobre o cidadão e o ator renomado, mas a melhor definição que eu li sobre o Peréio foi do próprio, dita numa entrevista concedida em 2010 ao jornalista Geneton Moraes Neto, na GloboNews, na qual disse: "Construo este mito, para ser pouco incomodado. É uma espécie de self-art. Pereio, na terceira pessoa, é obra minha. Posso ser considerado no Brasil uma celebridade. As pessoas me reconhecem na rua. Mas posso me dar ao direito de sair sozinho por aí, subir morro, andar na banda podre e na baixa sociedade, tranquilamente. Sei como não ser vítima disso".

Ou seja: o cinema brasileiro empobreceu de novo ontem. Perdemos um mestre, um artista sem freios e também uma incógnita por natureza. E o que nos sobra agora, ó sétima arte? Estamos ficando sem opções. P.S: Pereio, meu caro, fica com Deus. Você era foda! 


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