Adoro biografias. Mesmo. Contudo, é preciso ressaltar: um bom autor faz toda a diferença. Nos últimos anos, com a polêmica envolvendo o livro sobre o cantor Roberto Carlos e a aprovação do STF às chamadas biografias não-autorizadas, muito fã contraditório em demasia passou a se achar biógrafo. Eles só veem as virtudes de seus ídolos, isso quando não apresentam um quadro totalmente ilusório sobre a vida do artista.
E eu sempre tive a curiosidade de entender o processo de criação de um livro desses. Por que escolher o biografado x ou y? Onde encontrar as fontes necessárias? O que não deve ser deixado de fora sob hipótese alguma?, etc etc etc. E eis que Ruy Castro - para mim, o melhor dentro desse segmento no país e autor de clássicos como Estrela solitária (sobre o jogador de futebol Garrincha), O anjo pornográfico (sobre o dramaturgo Nelson Rodrigues) e Carmen (sobre a pequena notável Carmen Miranda) -, decidiu reunir todo o seu expertise em anos de trabalho árduo no extraordinário A vida por escrito: ciência e arte da biografia.
Ruy vai logo avisando aos leitores que "nenhuma autobiografia é confiável" e está coberto de razão. Mesmo se tratando da vida de alguém, é - antes de tudo também - uma obra de ficção. E trata-se de um trabalho exaustivo que envolve, entre outras peripécias, ler vasto material, descobrir arquivos perdidos e vasculhar documentos originais (às vezes raros, de difícil acesso).
Ele descortina de forma sagaz a diferença entre perfis, livro-reportagem e ensaio biográfico; deixa claro de antemão que vários escritores trabalham de propósito contra seus futuros biógrafos (com o intuito de fazê-los perder tempo ou desistir da jornada); e insiste na questão da reconstituição histórica (para ele, um ponto-chave do processo) e no quanto ela envolve entrevistas, consulta a documentos e pesquisa em material impresso, dentre outras especificações.
Ruy não escreve biografia de pessoas vivas e explica suas razões. Deixa claro que não há fonte menos confiável sobre si mesmo do que um ficcionista. Além disso, conta casos de biografias que foram engavetadas ou se envolveram em polêmicas, expõe o biografado ideal (no caso, a celebridade com problemas, sejam familiares, profissionais ou conjugais), explica que se a história não tiver valor universal, o trabalho não progride, não caminha, entre outras dicas valiosas para biógrafos de primeira viagem.
O biografado deve ser alguém que se admire ou deteste? O que se busca: informações que possam ser verificadas e ampliadas? Ele também avisa de forma taxativa: nunca escreva o livro antes de terminar a apuração dos dados (só falta marcar em negrito: a apuração é tudo!) e ainda desmembra essa parte em um valioso recado: quanto mais importante a fonte, mais tempo deve levar para procurá-la.
Ao fim o que você, nobre aspirante ao mundo das biografias, deve procurar é concisão + clareza + a verdade (mas com charme e humor de sobra). E mais umas regras básicas de sobrevivência: 1) o biógrafo deve ser uma parede de vidro entre o leitor e o biografado; 2) Ele não pode penetrar nos pensamentos de alguém; e 3) tudo o que for importante deve ser relatado. Não deixe nada de fora.
Quando termino o volume (que, confesso, poderia ser maior se ele quisesse, e tenho certeza que o público interessado no tema agradeceria) me lembro de uma frase que ele diz em determinado momento do exemplar: "ninguém escreve bem; alguns reescrevem bem". Ela é a síntese da mensagem proposta aqui. Não é à toa que continuo fã de Ruy Castro até hoje, ainda à espera de seus próximos trabalhos. Ele é das melhores coisas que o nosso mercado editorial publica há tempos. E aqui está mais do que explicado o porquê. Grande obra! Quase um tutorial para interessados em seguir por essa carreira ou curiosos de plantão (como eu, claro!).
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