segunda-feira, 3 de junho de 2024

100 anos sem Kafka


Ninguém sabe ao certo - pelo menos, não antes de começar a ler - o que irá nos guiar no vasto mundo da literatura. E acreditem: isso pode ser uma virtude. 

Há momentos em que o autor literário te ganha pelo que ele tem de magistral, de gênio à flor da pele, de grandioso. Porém, há outros - também brilhantes - que chamam sua atenção pelo exato oposto: a capacidade de não serem convencionais, de desconstruírem o mundo real ou de fugirem ao óbvio e se debruçar sobre o lado negro da vida (e da própria arte em si). Franz Kafka era desses. E que bom poder dizer "graças a Deus" por isso!

O gênio modernista cuja morte completa um século hoje, é o exemplo vivo do que convencionamos chamar de nonsense. Em Kafka o absurdo e o irreal ganham outras conotações. Da deformação da realidade ao realismo mágico, ele apresentou à sociedade um novo modelo de narrativa (e. por que não dizer, de existência).

Nascido em 3 de julho de 1883, em Praga, na República Tcheca, O escritor - filho de um comerciante judeu autoritário - se formou em direito, mas se aposentou precocemente devido a problemas de saúde (mais especificamente, tuberculose). E muito por conta desses inúmeros revezes ao longo da vida, sua literatura traz um clima extremamente forte, de opressão. Há inúmeros duelos arrebatadores entre seus personagens, bem como um sentimento de niilismo pungente.

Foi muito fácil virar fã de Kafka, após ler obras tão grandiosas como A metamorfose (1915) - este, em particular, eu releio sempre que posso e lembro de ter tido pesadelos quando o li a primeira vez, ainda adolescente - , Na colônia penal (1919), Um artista da fome (1922), O processo (1925), Carta ao pai (1952) - que me foi recomendado, por sinal, pelo meu próprio pai -, dentre outros. 

O autor se utilizava de alegorias e recorria ao fluxo de consciência de seus personagens para expor a angústia existencial dos intelectuais de seu tempo, o que acabava por desencadear uma visão pessimista do mundo, bem como uma descrença acerca do ser humano (isso antes mesmo do advento da internet e das tecnologias digitais bagunçarem a sociedade como um todo). 

Provavelmente muitos leitores da atual geração young adults o verão como um reles derrotista (algo que também deve acontecer muito com o filósofo Friedrich Nietzsche) e, desde já, adianto: não tirem conclusões precipitadas. Trata-se de um pensador que entendeu como poucos a época em que viveu e por isso seu texto parece tão seco, duro, direto ao ponto.  

Ao fim, o que fica de legado desse gigantesco artista da palavra é a certeza de estar diante de um dos maiores testemunhos já criados sobre o início do século XX. E que bom seria se os novos leitores o redescobrissem ao invés de perderem tanto tempo lendo babaquices internéticas e auto-ajuda. Mas os leitores de verdade não te esquecem, Franz! Jamais! Que venham os 200 anos!  


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