Não é de hoje que o cantor e compositor Caetano Veloso diz que a sétima arte faz parte de sua vida e tem papel fundamental na sua formação artística. Não trabalhasse ele com música, certamente teria escolhido o cinema como via de expressão (palavras do próprio ao longo da carreira). Começou a escrever sobre o assunto ainda novo, para um jornal na Bahia, e este que vos escreve sempre teve curiosidade de ler este material - até então em vão.
Eis que os organizadores Claudio Leal e Rodrigo Sombra reúnem no excepcional exemplar Cine subaé: escritos sobre cinema (1960-2023) não somente o período universitário dos textos de Caetano, como tudo que ele produziu sobre o assunto em mais de seis décadas.
é maravilhoso, do início ao fim da obra, poder ler sobre aquilo que o autor de "Sampa", "Você é linda", "Tigresa" e outros hits da MPB, gosta, desgosta, não acha isso tudo ou acha um grande exagero da mídia, etc etc e tal. Em suma: trata-se de um livro sobre a defesa de opinião de um "leigo" na área, mas que conhece muito sobre o tema (tanto que chegou a dirigir um longa, Cinema falado, em 1986).
Caetano exalta a figura do diretor como principal protagonista da sétima arte; debocha das pessoas que chama de "piadistas do cinema"; considera Imitação da vida (de Douglas Sirk) um dramalhão; exalta A grande feira, de Roberto Pires, como grande acontecimento da nossa cinematografia; apresenta de tempos em tempos suas listas de melhores; não esconde que prefere Jorge Ben à Pasolini; compara o rock ao filme b e chama a tv de "eletrodoméstico"; repudia a 'chatíssima' canção Radio Ga Ga, do Queen; destrincha Je vous salue Marie em meio ao veto da igreja ao filme na época do lançamento, entre outras alfinetadas.
Há momentos intimistas muito fortes, como por exemplo, quando fala da grande aventura que foi rodar o seu próprio longa, com pouquíssimos recursos e muita garra e também ao mencionar a grande atriz Giulietta Massina (musa de Fellini), inclusive defendendo-a de seus detratores.
Ele também não foge de polêmicas e assuntos espinhosos: toma partido na discussão a respeito de Orfeu negro, de Marcel Camus (vencedor do Oscar de filme estrangeiro) e seu remake anos depois; comenta o rompimento entre Jean-Luc Godard - sua principal referência artística - e Truffaut; não esquece de exaltar a amizade com Pedro Almodóvar; deixa claro que acha o comediante Jerry Lewis sem graça e não tem a menor vergonha de dizer que nunca foi fã do cantor David Bowie, entre outras pérolas.
Mas o ato final, em que comenta as trilhas sonoras que fez, os shows que produziu com direta homenagem ao cinema, bem como a seção de entrevistas ao longo das décadas, é com certeza o crême de la crême dessa coletânea de fôlego (são quase 500 páginas de pura cinefilia e conhecimento puro!).
Ao fim, o que mais me tocou foi a sensação de que, no íntimo, perdemos um extraordinário crítico de cinema, quem sabe um cineasta interessantíssimo... Mas a vida (e a música) o levou a trilhar outros caminhos, não menos sensacionais. Quem ganhou com isso foi a MPB e os ouvintes da boa música. Grande Caê! P.S: conheçam esse seu outro lado, esse artista "inconcluso". Vale cada página.
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