quarta-feira, 17 de abril de 2024

O museu das nossas vergonhas


Estamos à um passo... De quê? De tudo. Do fim dos tempos, da morte, do desespero, de desistir de tudo, do desemprego, do cansaço mental, da próxima guerra mundial, da cura da AIDS, de um novo ditador boçal propondo um mundo pior do que esse, de absolutamente tudo. E ainda assim, não desistimos. 

Por quê? Pois não faz parte da matéria-prima humana desistir. Ou então: porque é a parte que nos coube nessa história. Foi assim que eu me senti ao fim do espetáculo teatral Sísifo (ou Ensaio sobre a repetição em 60 atos), de Gregório Duvivier e Vinícius Calderoni.

Tomando como premissa o mito do homem que, após roubar o fogo dos deuses, é condenado a empurrar incessantemente uma pedra até o alto de uma montanha (missão nunca concretizada, pois a mesma rolava montanha abaixo, criando assim um círculo vicioso e inútil), a dupla propõe uma grande reflexão sobre o limite humano e seu eterno apego à questões nem sempre tão dignas de nota.

Num cenário mínimo (criado por André Cortez) e composto por uma única rampa, ao qual o ator sobe e cai sucessivas vezes, nos deparamos com dilemas, fracassos, labutas, desistências, conflitos existenciais e premissas as mais diversas. Da balada noturna ao dia na praia, dos seguidores de internet ao reles bate-boca na rua, tudo é motivo para estarmos na berlinda, a um passo do "já deu! o mundo é um caso perdido e eu, honestamente, desisto de continuar tentando".

O problema? Ele não desiste de fato. Quando muito, adia a decisão. De novo, e de novo, e mais uma vez. Como, aliás, é praxe na dita civilização. 

Junte a isso - a esse sentimento melancólico de "eu ainda aguento mais um pouco ou não? -, o ser ou não ser shakespeareano, a pedra no meio do caminho de Drummond, o clima meio claustrofóbico, meio Freud, a luz mínima (e não menos precisa e pontual de Wagner Antônio), a direção musical de Mariá Portugal e todo o jogo cênico e corporal de Gregório, e temos uma grande provocação a este mais que indecente mundo contemporâneo. 

Cabe um aparte meu aqui: haja fôlego da parte da plateia para acompanhar Duvivier nessa saga repleta de subidas e quedas. Fiquei cansado só de seguí-lo com os olhos! 

Em determinado momento da peça ele se refere ao mundo (ao nosso país? à realidade? todas as opções anteriores?) como o museu das nossas vergonhas, e está coberto de razão. Estamos sempre destruindo o que tocamos para depois tentar tapar o buraco ou, quem sabe, o sol com a peneira. E no final o que nos resta é o apego à mentira, à ilusão, a eterna mania de fabricar o irreal, torná-lo nosso "porto seguro". Resta saber até quando. 

P.S: para quem tiver interesse o espetáculo está disponível no canal do Sesc SP no you tube, e fez parte da série #Cultura em casa, ainda na época da Pandemia da Covid. Assistam! Achei espetacular.  

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