sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Encarando o leão de frente


Eita: interjeição; usada para expressar surpresa, espanto, admiração ou susto. E Lenine, em seu novo álbum (e filme no youtube) professa todas essas vertentes. Não tem muito tempo o cantor e compositor pernambucano considerou abandonar o ofício. Mas não conseguiu. A música, quer que ele queira ou não, está dentro dele. Guia seus passos, suas intenções, seu modus operandi.

E nessa nova empreitada musical aguarde por muita emoção. Homenagens à esposa, ao neto. Parcerias luxuosas com Lula Queiroga, Lenine, o próprio filho, João Cavalcanti. Participações especiais de Maria Bethânia, Maria Gadú. E, claro, uma sonoridade única que só ele foi capaz de produzir nos últimos anos de MPB.

Seu megafone verbal está inspirado: deixa claro que não tem tempo a perder com vacilões e faladores de baboseira. E contrasta isso com a presença do folclore brasileiro e a mais fina arte tupiniquim.

Das 11 faixas, as que mais me ganharam foi "Boi xambá" e "Deita e dorme", mas no geral é um trabalho pra lá de intimista.

Digo mais: acompanho Lenine desde os tempos de Na pressão e Falange Canibal, e poucas vezes vi Lenine tão pessoal, tão direto, tão disposto a ir pro combate, descontente que está com a atual civilização. Contudo, também vejo aqui muito de "mantenho minha esperança ativa", "quero continuar tentando, lutando, enfrentando, encarando o leão de frente, ao preço que for".

E isso é legítimo, válido, da primeira à última faixa. Ouçam. De preferência, mais de uma vez. Apreendam suas palavras, sintam a melodia. Em meio a tantos falsos cantores, na verdade mímicos de quinta categoria, é tão bom ver alguém que sabe o que diz, sem freios e com qualidade. Logo, aproveitem. Ao máximo. A música também serve pra isso. 

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Dois centenários


Recebo a notícia através de fóruns e sites sobre cinema dos centenários dos atores Richard Burton (1925-1984) e Rock Hudson (1925-1985), ícones da chamada "Era de ouro do cinema hollywoodiano". E, claro, eu não poderia desperdiçar a chance de falar sobre a carreira de ambos.

A lembrança de Burton me toca mais fundo, pois ele era um dos atores favoritos do meu pai, que volta e meia me dizia, quando sentávamos em frente ao VHS ou ao DVD para assistir alguma coisa: "foi o artista mais elegante que hollywood já produziu". Achava que fosse um exagero de fã da parte dele, mas quando comecei a assistir aos seus filmes entendi perfeitamente o que ele queria dizer.

Richard Burton possuía um requinte que anda em falta no cinema americano. Interpretasse ele Shakespeare ou um mero soldado, e ainda assim ficaríamos mesmerizados com seu olhar, sua astúcia, sua verve interpretativa. Participou de clássicos eternos da sétima arte como 1984, Cleópatra, Os selvagens cães de guerra, Quem tem medo de Virginia Woolf?, A megera domada, O manto sagrado (que eu cansei de rever na época em que a Rede Globo passava coisas boas de madrugada), Zulu e também de um dos meus filmes preferidos desde que eu me entendo como cinéfilo: Equus.

Seus dois casamentos com a atriz Elizabeth Taylor renderam muitas histórias em hollywood e ele também faz parte da galeria de artistas geniais que nunca ganharam um Oscar (e depois querem que eu acredite no juízo de valor dessa Academia!). Mais do que isso: junto com o ator Peter O'Toole - o eterno Lawrence da Arábia - ele é líder em indicações à estatueta, o que torna o esquecimento ainda mais vergonhoso.

Já Rock Hudson eu conheço menos a obra e mais as polêmicas que o envolveram. Homossexual não assumido, ele manteve por quase toda a sua carreira o mistério por trás de sua vida sexual, até sua morte, vítima da AIDS (numa época em que a doença era chamada por muitos de "peste gay", gerando muitas discussões em meio à opinião pública). O casamento com Phyllis Gates - que muitos acreditavam ser apenas por interesse comercial - também foi alvo de muitas especulações.

Conheço mais a fama de Hudson do que sua própria carreira. Até o presente momento, de seus projetos, só assisti Tobruk, Adeus às armas e Missão no Ártico (também conhecido como Estação Polar Zebra) e reconheço que estou em déficit com a filmografia do artista.

Relembrar desses dois ícones do cinema americano me fez lembrar (mais um vez) do quanto, nos últimos anos, temos falado mais dos grandes artistas que partiram do que de uma nova geração realmente relevante para a indústria cinematográfica, e isso é por demais preocupante. Que os deuses do cinema nos tragam novos ares. Nós, cinéfilos raiz, merecemos!

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Operístico? Jura?


De onde vêm essa geração de artistas que se dão tamanha importância ao ponto de se acharem essenciais, não somente para a cultura pop, mas também para a sociedade contemporânea? Não bastasse a metidice de cantoras como Britney Spears (a eterna garota playback) e Avril Lavigne, reboladoras de bundas (vulgo divas) e o "artista negro fascinado pelo nazismo que teve show barrado em SP" (não, é isso mesmo que vocês leram!), agora aparece Rosalía em seu novo álbum, Lux, quase se apresentando como messias da nova era.

Primeiro de tudo: quem chamou Rosalía de "grande voz" precisa urgentemente ouvir Whitney Houston e Tina Turner no auge de suas carreiras. O sarrafo vocal diminuiu - e muito! - na última década, ao ponto de chamarmos de excelência artistas que sequer têm compromisso com cantar ao vivo quando o lugar exige. Sim, eu sei... É triste.

Em "Sexo, violencia y llantas", primeira faixa de Lux, Rosalía já entra de sola desagradando religiosos de plantão com a frase "Quem me dera viver entre as duas coisas: primeiro amarei o mundo e depois amarei Deus". E pela tiração de sarro com os devotos fanáticos, até aí problema nenhum. Contudo, o conjunto da obra ao longo das canções acaba por construir uma espécie de rito da soberba que, certamente, incomodará aqueles que já tem implicância com esse tipo de pessoa esnobe que acha que é estrela, mesmo quando não é realmente.

"Não sou uma santa, mas sou abençoada" (em "Relíquia"); "Eu sei que fui feita para divinizar" (em "Divinize"); "O prazer anestesia minha dor, a dor anestesia meu prazer, Eu sou o nada, eu sou a luz do mundo" (em "Porcelana"); "Meu Cristo chora diamante" (em "Mio Cristo Piange Diamanti"), além de toda a dor do mundo cantada - quase confessada - em "Berghain". No fim, o que ouvimos é um festival de ostentações que poderiam perfeitamente ser substituídas por músicas melhores, sem tanta polêmica gratuita (que, infelizmente, é a cara dessa nova geração musical). E tudo isso disfarçado de clima operístico, só para parecer sofisticado.

E Rosalía ainda arranja tempo para chamar Deus de stalker, confecciona a "rumba do perdão" e passeia em meio a noivas robôs e o dito mundo novo. Quanto exagero!

Sei que serei escalpelado pela base doentia de fãs da cantora, mas... não dá. Venho de um outro tempo. Um tempo em que mudávamos as estações de rádio (o que é rádio hoje em dia mesmo?) e nos deparávamos com artistas como Sinéad O'Connor, Annie Lennox, Barbra Streisand, Nina Simone e Celine Dion, entre outras feras. Logo, fica quase impossível chamar qualquer coisa de genial. Aliás, tenho uma teoria de que a palavra genialidade perdeu o seu sentido no século XXI, mais afeito à identitarismos vazios e discursos midiáticos que em nada acrescentam à realidade nua e crua.

Termino de ouvir o álbum, pensando: "o que virá a seguir?", "será que já ultrapassamos todas as expectativas da falta de bom senso?". Infelizmente, levando-se em consideração o que se tornou o show business, às vezes parece que o pior ainda nem apareceu de fato. E isso é assustador. Logo, oremos por dias musicais melhores.  

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Por que tamanho ódio e desprezo por elas?


O assédio. A cultura do estupro. O feminicídio. A misoginia. O eterno discurso do "saiba o seu lugar". Ser mulher, desde que eu comecei a entender como funciona a cabeça da humanidade, nunca foi uma tarefa fácil. Na verdade, eu invejo - e muito - as pessoas do sexo feminino. Fui criado numa família onde a maior parte das pessoas eram mulheres e com elas entendi o quão complexo (e desastroso) pode ser o universo masculino, principalmente quando eles assim o desejam. E acreditem: muitas vezes eles desejam apenas isso.

A graphic novel Desconstruindo Una me colocou em contato diretamente com esse universo sujo de uma forma extremamente autêntica e, por vezes, feroz. Mais do que isso: me fez repensar meu papel como homem nessa sociedade contemporânea cada dia mais machista e covarde. Na verdade, Una (protagonista e também nome artístico da quadrinista que dá cara à obra) é, muitas vezes, apenas um fio condutor para entendermos uma realidade ainda mais dura do que a própria dificuldade dela em lidar com seus revezes e também com a interpretação do restante da sociedade.

Em meio a uma série de assassinatos envolvendo prostitutas em Yorkshire cometidos por um assassino conhecido como Jack, o estripador, Una foi abusada e descartada por um desses muitos homens - que existem em qualquer lugar do mundo - afeitos à agressão e, principalmente, à diminuição das vítimas. Embora ela tenha sido violada, é ela também que sofre o juízo de valor amargo de vizinhos, colegas de classe e moradores da cidade onde mora. É chamada de vadia por onde passa e ai dela se pretender se levantar contra essa cultura do ódio e do desprezo.

Paralelamente à sua saga particular, a autora retrata, através de informações jornalísticas e históricas, casos famosos de mulheres que também sofreram na pele o mesmo tipo de violência, bem como ativistas que entraram para a história por se levantar contra isso. O resultado é um interessante misto de ensaio e drama existencial no formato nona arte.

Senti no álbum, à parte a questão da violência sexual, uma pegada muito parecida com a que tive quando li o extraordinário Persépolis, da escritora iraniana Marjane Satrapi (que também possui uma adaptação para os cinemas no formato animação). Ambas - Persépolis e Una - têm uma personalidade muita parecida, libertária, e jamais imaginaram que seriam vítimas da cultura opressiva dentro do próprio país. Recomendo aos leitores que conheçam e leiam as duas obras seguidamente, se tiverem essa oportunidade.

Ao fim da leitura, a sensação que me ficou é a de que vivemos numa civilização onde a falta de limites e o desrespeito gratuito ao próximo está na ordem do dia (pior: veio para ficar, de forma definitiva). E pensar que encontrei Una perdido por meros 10 reais numa mesa de promoções e saldos de um sebo no Largo do Machado e ele bugou a minha mente, explorando inúmeras dúvidas subconscientes em mim!

P.S: ou seja: nem sempre os grandes achados da cultura pop estão em megastores conceituadas e lojas que vivem de cobrar preços extorsivos enquanto afugentam os amantes dos livros e quadrinhos para idolatrar uma gente que vive de videogame, super-heróis inúteis e jogos de RPG.

domingo, 9 de novembro de 2025

Brumário de incertezas


2025: falam de "censura", de "ditadura", da "falta de liberdade de expressão" (o que, na maioria das pessoas que falam, nada mais é do que "direito de esculachar o próximo a hora que quiser e não ser responsabilizado por isso"), falam até de "fim dos tempos". Só não conhecem mesmo a história do Brasil. Não querem nem ouvir falar. Ler pra quê, perda de tempo isso. Cultura? Conhecimento? Não serve pra nada essa joça.

Termino de assistir O Agente secreto, de Kleber Mendonça Filho, o filme mais aguardado do ano (pelo menos, para mim), dois prêmios no Festival de Cannes (Melhor diretor e ator, para Wagner Moura) e representante do Brasil à uma vaga no Oscar de melhor filme internacional do ano que vem. E mal os créditos começam a subir na tela, percebo de cara o quanto o Brasil é uma doença crônica, cujos sintomas só se acentuam, ganham novas dimensões com o passar do tempo.

1977: acompanhamos a jornada de Marcelo (Wagner Moura, fantástico!), um pesquisador concursado que precisa se esconder longe de sua cidade, pois perdeu o seu cargo e passou a ser perseguido por bater de frente com conflitos de interesse promovidos por uma parcela da classe empresarial que só consegue se enxergar como dona de tudo - e de todos - nesse país que adora passar pano para endinheirados e capitalistas tendenciosos. Pior do que isso: viu sua esposa sucumbir na mão dessas pessoas.

Ele encontra abrigo no prédio administrado por Dona Sebastiana (Tânia Maria, a maior revelação de todo o elenco). Ali, encontra outros "refugiados" e perseguidos pelo sistema, à espera de um passaporte que os tire do país. O maior sonho de Marcelo é ir embora do Brasil com seu filho, principalmente depois que descobre que sua cabeça está a prêmio. E o relógio que move seus pensamentos, corre à velocidade da luz.

Começa a trabalhar numa repartição onde é responsável pelo setor de arquivologia, que o coloca em contato com o pior da rotina policial daqueles tempos, e vê os desmandos e abusos de uma classe desaforada que adora acumular privilégios e se dizer de grande importância para a realidade nacional. Seu objetivo (melhor dizer: sonho) é muito claro. O problema mesmo é executá-lo. E aqueles que a priori poderiam ajudá-lo a conquistar tal desejo, parecem tão presos - ou mais - ao sistema do que ele.

O resultado? Terrível, não tenham a menor dúvida.

Kleber mescla folclore e cinzas numa narrativa poderosa de quase três horas, mas que em nenhum momento me cansou. Alia carnaval, a lenda urbana da perna cabeluda (que, segundo o mito pernambucano, matava pessoas à noite, nas ruas), referências cinematográficas, imagens de arquivo e um sentimento de niilismo atroz, que persegue o espectador a cada frame como uma faca na jugular.

Usei no título do post a expressão Brumário, que remete ao segundo mês do calendário revolucionário francês, que ia aproximadamente de 22 de outubro a 20 de novembro, mas no seu sentido original, que é o de neblina ou nevoeiro. Era exatamente esse o clima da época, repleto de tensões e informações ocultadas da população. Tudo, obviamente, repleto de incertezas incômodas e que ainda geram desgaste e incompreensão até os dias de hoje.

Muitos criticaram na internet o final escolhido pelo diretor. O chamaram de "frustrante", "decepcionante", "broxante"... Achei-o, na verdade, extremamente coerente com o período reconstituído (aliás, no quesito reconstituição, o longa é uma joia rara - e como é bom ver alguém que sabe trabalhar com a ideia de passado de forma tão lúcida). Muita coisa foi destruída, desmentida, estraçalhada, após o fim do regime cívico-militar. Logo, querer ver todo o desfecho esmiuçado, mastigado, com início, meio e fim nos seus devidos lugares, naqueles tempos, era uma tarefa quase impossível.

Na verdade, o que Kleber Mendonça entrega aos seus espectadores é o mesmo que os militares da época entregaram aos familiares de quem morreu no período: praticamente um ponto de interrogação, um "se vira" para decifrar essa maracutaia toda. E nisso ele foi impecável. Se O Agente secreto chegará ao Oscar ou não, não faço ideia (e ainda é muito cedo para sabermos). Mas que o longa definitivamente merece o seu lugar ao sol, ah merece! E muito! Agora vão lá vocês assistir e tirem suas próprias conclusões.

domingo, 2 de novembro de 2025

O mundo das artes plásticas agora é isso?


Vejo a escultura América, do "artista" Maurizio Cattelan - aquele que, não tem muito tempo, fez sucesso no mundo das artes com uma banana presa numa parede com uma fita isolante - e penso comigo: "acabou mesmo! isso que chamam de artes plásticas virou piada de vez no século XXI". A nova façanha de Maurizio é uma vaso sanitário coberto de ouro 18 quilates, que será leiloado a 10 milhões de dólares.

Volto no tempo e me pergunto o que os grandes nomes da arte (Van Gogh, Monet, Leonardo Da Vinci, Picasso, etc) diriam a respeito disso. Provavelmente? Acho que tentariam uma outra carreira, tamanho o despautério do cenário atual.

Ver América fez eu me lembrar de Vik Muniz reposicionando todo tipo de lixo dentro de uma aterro sanitário de forma a criar composições que ele pudesse fotografar de cima (para saber mais a respeito, procurem o documentário Lixo Extraordinário, de Lucy Walker); de Banksy e suas intervenções urbanas, repletas de questionamentos e denúncias ao mundo contemporâneo; e também do tubarão em conserva criado pelo rei das polêmicas, Damien Hirst. Anexem a tudo isso os manifestantes que andaram jogando sopa em quadros dentro de grandes museus ao redor do mundo, e o caos está completo.

Não sei ao certo onde foi parar a grandeza de trabalhos síntese das artes visuais como Guernica (de Picasso), Mona Lisa (de Da Vinci), O grito (de Edvard Munch), O beijo (de Gustav Klimt), mas uma coisa é certa: a nova geração - e eu confesso que sinto até medo quando ouço essa expressão atualmente - não quer saber de nada disso. O negócio deles é capitalizar em cima do nonsense, do vulgar, do ridículo.

É como os desfiles de moda da Balenciaga com modelos atravessando a passarela no meio da lama e sacos de papel de pão sendo vendidos como bolsas de grife caríssimas para mongoloides que não perdem a chance de estar por dentro da moda, pois o que verdadeiramente importa é: ser fashion.

E em tempos de inteligência artificial sendo treinada (leia-se: roubando ideias de criadores do passado) para produzir aberrações estéticas e plágios em alta definição, eu tenho até medo das cenas dos próximos capítulos. Se foram capazes de inventar até uma atriz digital (digitem Tilly Norwood no Google e deem enter), imaginem o que AINDA vem por aí. Será esse o começo da idade das trevas cultural? Torço para que não.

Enquanto curadores e marchands se digladiam ferozmente pelas invencionices nefandas da pós-modernidade, acompanho tudo de longe pela internet e me assombro com a incapacidade do ser humano em voltar a ser algo produtivo (e normal) novamente. Agora chega! Deixa eu ir ali ver um filme ou ler um livro, que eu ganho mais...

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

O artista que merecia seus dias de glória


Eu me pergunto: quantos artistas extraordinários - muitos deles infinitamente melhores do que grande parte da atual geração apresentada pelo mercado fonográfico - você já ouviu (e ouviu de novo e de novo) e a indústria da música não deu a mínima ou já sacaneou (financeiramente falando) até o extremo, simplesmente porque podia ser dar a esse luxo? Muitos, não? Foi pensando exatamente nisso que eu terminei de assistir ao documentário Procurando Sugar Man, do diretor Malik Bendjelloul, vencedor do Oscar da categoria em 2013, em êxtase completo a absoluto.

Procurando Sugar Man nos traz a inebriante e necessária história do cantor Stephen 'Sugar' Segerman (ou, mais popularmente: Sixto Rodriguez), que poderia - se o mundo das gravadoras não fosse tão preconceituoso e cínico - um segundo Bob Dylan. E acreditem: qualidade em suas composições ele tinha para tal.

Atrelado à uma lenda urbana que dizia ter ele se suicidado no palco, durante um show, na frente do público, o cineasta decide seguir os passos do cantor, montando a conta gotas um grande painel sobre sua vida e obra. Encontra pelo caminho inúmeros amigos, admiradores e conhecedores de seu trabalho. Descobre o grande fenômeno que ele se tornou na África do Sul em tempos de Apartheid, virando símbolo de uma era.

E quando acreditava ter feito um trabalho mais do que fenomenal ao reunir esses dados até então dispersos, o encontra vivo, num quase exílio, após constituir família.

Esqueçam as cinebiografias musicais tradicionais, a maioria delas mais interessada em bajular apenas os méritos dos artistas e desdenhando de seus momentos negros ao longo da carreira. Em Procurando Sugar Man, vemos um excelente modelo do homem que foi do céu ao inferno, e nem por isso foi esquecido pelo seu público. Muito pelo contrário: uma imensidão deles procura por seus álbuns, "Cold fact" e "Coming from reality" (ambos tornados cults) em lojas de raridades e, claro, na internet.

Em tempos de narrativas pasteurizadas e gente que se diz cineasta perdendo tempo com filme de boneco, de mochila, de jogo de tabuleiro, entre outras "façanhas incompreensíveis", é um alento (mais que isso: uma honra) me deparar com o longa de Malik Bendjelloul. E o melhor de tudo: na íntegra, no youtube - sim, sempre ele, salvando o dia dos verdadeiros cinéfilos.

Quem ainda não se permitiu assistir a essa pérola, conheçam! Se teve um artista que merecia - e muito! - seus dias de glória, era ele. Entra fácil na minha lista de "melhores coisas que eu vi esse ano"(mesmo que atrasado mais de uma década).

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Rever é a nova onda dos cinemas


O que A hora da estrela, Paris,Texas, Incêndios, Psicose, O bebê de Rosemary, The Rocky horror picture show, Se7en - os sete crimes capitais, Batman, Mulholland Drive: a cidade dos sonhos, Saneamento básico - o filme e A noviça rebelde têm em comum? Eles foram - ou serão, nos próximos meses - relançados nas salas de cinema. Um fenômeno que tem se tornado cada vez mais recorrente no mercado cinematográfico e que diz muito sobre o circuito exibidor e as atuais escolhas de estúdios e produtores.

Hollywood, a meca do cinema (quer dizer: até tempos atrás era isso e ponto. Já hoje em dia...). Passou por períodos memoráveis como a era do western; o fenômeno Star Wars, que evidenciou a importância e a fatia de mercado para os blockbusters; o período áureo fomentado por diretores como John Ford, Billy Wilder, John Huston, Sam Peckinpah, Sergio Leone...; e recentemente a ascensão dos chamados "filmes de super-herói" da Marvel e da DC.

Contudo, nos últimos anos, é inegável a crise de criatividade no cinema americano, aprisionado entre remakes, spinoffs, reboots, tributos e reinvenções as mais diversas. A palavra originalidade parece ter perdido meio que o seu sentido de umas duas décadas para cá. E o resultado dessa escolha é: produções caras que flopam; longas que prometem o mundo, mas não entregam o básico; personagens esgotados pelo próprio tempo (e pela mudança dos atores que os interpretam) gerando um loop interminável de mesmices e reformatações.

E diante de cenário tão dantesco, os exibidores veem no quesito nostalgia uma arma forte na hora de gerar bilheteria. Rever virou, sim, a nova onda dos cinemas, principalmente para aquele público cansado de franquias e narrativas óbvias que não fogem do senso comum e do festival de efeitos especiais que, em muitos aspectos, vêm estragando a grandeza por trás da experiência cinematográfica.

Um ponto importante a ser destacado: se você não pertence á algum tribo ou nicho nerd ou geek, ou não idolatra o chamado fandom, se torna um espectador ainda mais interessado nesses relançamentos, pois eles representam uma época da sétima arte em que eles se sentiam representados (diferentemente da relação deles com o cinema atual).

Eu mesmo, que fui ver a nova cópia 4K de Paris,Texas, obra inconteste do diretor Wim Wenders, saí da sessão em êxtase e também relembrando da ocasião em que vi o longa pela primeira vez. Um mar de memórias as mais loucas tomou conta de mim e me fez pensar no quanto o cinema americano vem perdendo no conceito de longevidade nos últimos anos. Os filmes, acreditem!, nunca foram tão imediatistas e voltados para o próprio umbigo de uma geração avessa ao debate quanto agora.

E isso, mais do que triste, é lamentável. Em todos os sentidos cinéfilos possíveis.

Que a nova onda continue mostrando sua força e, mais do que isso, avise aos produtores de plantão (mais interessados em box office rápido e astronômico do que realmente construir uma boa história) que ela veio para ficar, assim como a tão polêmica e temida inteligência artificial, cuja única certeza que promete ao mundo cinéfilo é que irá desempregar muita gente. Logo, torçamos juntos por dias melhores e que os ares nostálgicos apontem novos caminhos. O quanto antes.

sábado, 11 de outubro de 2025

Diane


Mal chego em casa e ligo o notebook, me deparo com a triste notícia da morte da atriz Diane Keaton, aos 79 anos. Mais uma para a lista de obituários e que, dificilmente, encontrará uma sucessora à altura nessa hollywood cada vez mais cheia de teens, invenções pop sem sentido e canastrões. Uma pena!

Num perfil do X (que eu continuo chamando de twitter, não importa quanto tempo passe) um cinéfilo tão apaixonado pela atriz quanto eu se refere à Diane como "o rosto da mulher moderna". E ele está coberto de razão. Sei que a maioria dos cinéfilos vai sempre se lembrar dela pela Annie Hall de Noivo neurótico, noiva nervosa, de Woody Allen ou então pela Kay Adams, esposa de Michael Corleone em O poderoso chefão, mas eu nunca consigo dissociá-la da Theresa Dunn de À procura de Mr. Goodbar, de Richard Brooks.

E por quê? Porque ali, Keaton não só interpretou uma mulher à frente do seu próprio tempo como nos entregou o modelo feminino no qual acredito e que via em minha mãe e minhas tias (na verdade, na forma como elas me criaram). Sem se rebaixar à ninguém, entendendo o seu espaço dentro da instituição familiar, mas mesmo assim buscando não trair a si mesma, à sua própria essência. Quem não conhece o longa, assistam. Vocês não sabem o que estão perdendo!

Ela também foi, à sua maneira, uma musa das comédias. Mas diferentemente de outras atrizes associadas ao gênero - como Julia Roberts e Meg Ryan - não se submetia unicamente ao final feliz ou ao casal romântico. Sabia debochar de si mesma quando necessário, bem como subverter todos os valores da sétima arte. E foi justamente isso que fez dela uma figura tão grandiosa e querida perante os colegas de cena.

Impossível vê-la, mesmo em seus papéis menores e menos impactantes, e não se sentir inebriado por sua presença cênica. Não conheci uma pessoa dentro da indústria cinematográfica norte-americana que falasse mal dela. E a nova geração via nela um modelo a ser seguido, à risca se possível.

Assisti Reds, o polêmico (e também lendário) filme de Warren Beatty, muito por causa da parceria de ambos. Fossem outros artistas, provavelmente eu não teria dado o mesmo ibope - e certamente teria perdido um baita filme, praticamente o Cidadão Kane da década de 1970. Diane Keaton, no final das contas, foi a mãe, a avó, a tia, a melhor amiga, a vizinha engraçada, que todos queríamos ter em algum momento de nossas vidas.

Alguém para nos dar conselhos e palpites. Ela era ótima nisso. Não. Ela era ótima em muitas coisas (e não somente atuar). E vai fazer uma puta falta no cinema americano dos próximos anos (quer dizer: se os produtores vazios, viciados em blockbusters inúteis e a inteligência artificial não destruírem com tudo de uma vez por todas). Fica com Deus, moça! Você era demais. 

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Tilly Norwood?


Fiquei ruminando a informação - e, claro, as imagens - por um tempo, antes de esboçar uma opinião a respeito do tema. Muita gente dizendo que é o princípio do fim de hollywood, artistas do Sindicato dos Atores (o famigerado SAG-Aftra), principalmente o próprio presidente da instituição, chamando a criação de uma "irresponsabilidade", além de blogueiros, twitteiros e outros comentaristas dando um pitaco aqui e ali sobre a polêmica.

Do que é que eu estou falando mesmo? De Tilly Norwood, a primeira atriz digital, criada via inteligência artificial. Criação da empresa Xicoia (e representada pela Particle6), ela começa a aparecer em campanhas publicitárias e a ganhar terreno, almejando, num futuro não tão distante, conquistar trabalhos em longas-metragens "atuando". O problema: ela é um produto que só existiu por ter sido treinada com material produzido por atores de verdade, e o pior: sem sequer pedirem autorização para isso.

E a consequência do nascimento dessa nova "estrela" é que, muito provavelmente, numa próxima greve articulada pelo setor esse assunto irá render muita discussão. Se já não bastassem os terríveis algoritmos com suas tramas óbvias e a história dos castings escolherem artistas para projetos apenas pela quantidade de seguidores que eles possuem na internet, agora aparece um substituto virtual para a classe artística, que já é boicotada e marginalizada de todos os lados.

Impossível ver Tilly - que me lembrou à primeira vista, fisionomicamente, a atriz Lilly Collins (da série Emily em Paris) no começo da carreira - e não se lembrar imediatamente do filme S1m0ne, de Andrew Niccol, no qual o diretor Viktor Taransky (Al Pacino) substitui a atriz protagonista do seu filme por uma mulher digital que faz um arrebatador sucesso, até que o público começa a exigir a presença dela em eventos públicos e pré-estreias.

Dizer que S1m0ne não abriu o caminho para o surgimento de Tilly é, no mínimo, estar completamente fora da realidade. Mas, brincadeiras à parte, a realidade é ainda mais negra e nebulosa do que a ficção, principalmente se pararmos para pensar no que o mercado de trabalho (independente de qual seja) vem se tornando.

Mas acredito, sinceramente, que hollywood também é, em grande parte, culpada por essa criação. Nos últimos anos, a meca do cinema vem enchendo suas produções cinematográficas de artistas de gosto e talento duvidoso, além de ex-strippers, lutadores de Wrestling, top models recém saídas do Victoria's Secret, além de figuras famosas do mercado pornô. Logo, pensaram alguns produtores, se a classe está em crise por que não radicalizar de vez e fazer uma versão não-humana dos artistas?

O que esperar nas cenas dos próximos capítulos dessa guerra cultural sem limites? Não faço a menor ideia. Mas que não será nada bonito - como tudo que envolve cifras milionárias no capitalismo - ah, não tenham a menor dúvida!

Até lá, aguardemos (ansiosos ou não). 

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

É isso que faz uma showgirl?


Antes de qualquer outra coisa que eu vá escrever nesse post, é preciso avisar aos leitores desavisados (se é que eles ainda continuam visitando este blog): eu não sou fã de divas, it girls, starlets e outras musas. Na verdade, as acho o retrato vivo do mais do mesmo que impera na cultura pop nas últimas décadas. Dito isto, por que eu escreveria sobre The life of a showgirl, mais novo álbum de carreira da cantora Taylor Swift?

Simples: por que a curiosidade mórbida é a coisa mais feroz que existe na sociedade contemporânea (e eu, infelizmente, faço parte dela).

Taylor é a menina de ouro norte-americana dos últimos tempos e isso, na boa, não quer dizer muito. A música made in USA anda chata, repetitiva e conduzida, em muitos aspectos, por reboladoras de bundas e mestres do playback. Imagine então essa cantora falando de si, como se a sua existência fosse realmente a coisa mais importante do planeta terra? Pois é... Tem tudo para dar errado e, na maior parte do álbum, é exatamente o que acontece.

The life of a showgirl é a cara - e a alma - de uma artista que vive exclusivamente, em tempo integral, para a própria fama. E, de vez em quando, gosta de enganar o público, dizendo que preferia uma vida simples, casar, ter filhos, sossegar. Eu sei... Vou fingir que acredito, quem sabe consigo mais leitores para esse mísero espaço.

E, em suas 12 faixas, ela solta sua metralhadora verbal para todos os lados: se compara à Rapunzel, presa numa torre; cita negativamente hollywood através da figura da atriz Elizabeth Taylor; chama sentir falta de amores do passado de "um péssimo hábito"; alfineta, reclamando da indústria cultural, dizendo que “Eles querem te ver subir, mas não querem que você reine”; confessa que estava mentindo quando dizia que não acreditava em casamentos; compara os haters de internet aos punk rockers; relembra que já foi chamada de "barbie entediante"; esmiúça sua lista de desejos e seus inúmeros cancelamentos; entre outras declarações dúbias.

Para que não me acusem de ter detestado tudo o que ouvi, vale uma conferida rápida em "Wood", "Honey" e na faixa que dá título ao disco, onde divide o microfone com Sabrina Carpenter (outro expoente mais do que óbvio dessa cultura "eu quero é ser famosa, o resto que se dane!). No mais, acreditem: o álbum não passa de um grande circo onde as obviedades chulas desse século são protagonistas de carreira. É triste, eu sei, mas os fãs amam e aguardam ansiosos pela próxima turnê da diva.

Só não me peçam para explicar o porquê, exatamente. 

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Os EUA estão em colapso (e não é de hoje)


Nunca acreditei no discurso de Império, pois ele sempre esconde falcatruas monumentais. Nunca se sabe ao certo o que existe de real no discurso do imperialista, fodão, todo-poderoso. A única "certeza" (digamos assim) é: existem os que babam o ovo do sistema e existem aqueles que confrontam o sistema. E dependendo do tipo de interpretação que você tenha, esse segundo grupo pode ser chamado tanto de revolucionário quanto de terrorista. Cabe a você, interlocutor, escolher a definição que melhor lhe agrade.

No caso particular de Bob (Leonardo DiCaprio) e Perfidia (Teyana Taylor), os catalisadores principais da trama de Uma batalha após a outra, obra-prima contemporânea do diretor Paul Thomas Anderson, a escolha foi o grupo revolucionário Friend 75 que, cansado do tratamento dado às minorias e imigrantes ilegais, decidem tocar fogo no país, da forma que for possível. E mesmo que a priori essa história se passe durante o governo Reagan, ela tem raízes muito mais profundas e incômodas.

Como toda dupla "criminosa" (vocês já entenderam o significado das aspas a essa altura, não é mesmo?) que se preze, faz-se necessário um adversário ou algoz. E ele está presente na figura do obstinado e contraditório Coronel Steven Lockjaw (Sean Penn, fantástico!), que também nutre um desejo quase doentio por Perfidia. Após a prisão dela - que vai parar no programa de proteção de testemunhas, depois de trair seu próprio grupo - e sucessivo desaparecimento, o roteiro se volta para Bob e a "filha" do casal, Willa (Chase Infiniti, uma grata surpresa!) que, 16 anos depois, se vê novamente como alvo do Coronel, bem como um segmento político dentro do país que acredita piamente na supremacia racial.

O resultado? Uma hecatombe em forma de filme político com altas doses de adrenalina.

Há muito do que gostar em Uma batalha após a outra. A começar pela trilha sonora, misto de apaixonante e incômoda, de Jonny Greenwood, uma das melhores - senão a melhor - dele. Os planos sequências magistrais de PTA estão, logicamente, presentes de novo. O elenco extremamente bem escalado e pontual quando precisa se fazer presente. E se, por um lado, é extremamente difícil adaptar o romance Vineland, de Thomas Pynchon, para as telas (e todas as obras literárias escritas por ele são!), por outro é sublime ver o diretor procurando soluções impactantes que funcionem, não como lacunas, mas como outros pontos de vista, outras perspectivas possíveis.

O filme de Anderson surge num momento extremamente propício para debates, em plena era Trump parte II, dessa vez ainda mais cruel do que o mandato anterior. E ele deixa claro o quanto os EUA (ou a tão sonhada América, como eles gostam de se referir ao país) estão em colapso - e não é de hoje. Longe disso! Trata-se da terra que inventa oportunidades e sonhos, mas não necessariamente as cumpre do jeito que você acreditou. E o legado disso é desespero, niilismo e convulsão social pra dar e vender.

Tenho lido em alguns sites e fóruns sobre premiações (leia-se: o contraditório Oscar) que o filme de PTA é um dos favoritos à melhor filme. Na boa... Será que o eterno moralismo conivente de sempre vai permitir? Adoraria acreditar que sim. Contudo...

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

A grande dama do cinema italiano


O meu pai era apaixonado por ela. Na verdade, ela foi o crush de toda a geração a qual o meu pai pertenceu. Quando eu ouvia as conversas dos mais velhos acerca da sétima arte, o nome dela era sempre mencionado como ícone de beleza. "Mas quem é essa?", vocês, leitores deste breve post, perguntarão. Falo, obviamente, da atriz italiana Claudia Cardinale, que faleceu ontem, aos 87 anos.

Eu a vi na tela pela primeira vez junto com meu pai (sempre ele, é claro!) no sofá da sala de casa numa sessão em vhs do faroeste icônico Era uma vez no Oeste, clássico do diretor Sergio Leone. E naquele exato momento entendi o porquê dela enlouquecer tantos homens. Ela era realmente ímpar no quesito sedução.

Uma semana depois, assisto Fitzcarraldo, a obra-prima subestimada de Werner Herzog (e que precisa ser apresentada -urgentemente - a essa nova geração alienada e enfadonha), filmando na Amazônia, com direito a José Lewgoy e Grande Otelo no elenco e tudo. E lá estava ela, radiante, de novo. Ela sempre era radiante.

Talvez eu exagere ao dizer isso (os críticos de cinema e os metidos - como eu - costumam exagerar de tempos em tempos), mas Claudia Cardinale foi a Marilyn Monroe européia para muito cinéfilo que se preze. Seu sorriso, postura, elegância e sex appeal marcaram uma época do cinema que, infelizmente, não regressará mais, em tempos de busca desenfreada por bilheteria e prêmios em festivais.

A "Menina italiana mais bonita na Tunísia", prêmio que Claudia ganhou em 1957, fazendo alusão ao país onde nasceu, também marcou época em produções como Oito e meio, de Federico Fellini; O leopardo, de Luchino Visconti; além de marcar presença num dos longas da franquia A pantera cor-de-rosa, do diretor Blake Edwards.

Moral da história (se é possível uma, nesse caso): mal nos despedimos do gigante Robert Redford e o mundo da sétima arte nos dá outra cutilada na aorta, deixando os verdadeiros fãs de cinema ainda mais órfãos. E a má renovação constante, proposta por uma geração cada dia mais baseada em lucros e poses, que só pensa em status e box office, complica ainda mais o futuro desse mercado. Não é à toa que já tem imbecil projetando a inteligência artificial como a substituta do talento artístico. Negros tempos esses para a verdadeira cultura.

No mais, Claudia... Embora sejamos de gerações diferentes, fica minha eterna saudade. Você era realmente a grande dama do cinema italiano. Fica em paz!

domingo, 21 de setembro de 2025

Gonzaguinha, 80


Se você não ouviu Gonzaguinha (fosse você contemporâneo dele ou não), então não ouviu a MPB. Se você não sentiu, muito menos entendeu o que ele disse em suas letras poderosas, na boa... Você não entendeu - não entende ainda - absolutamente nada e merece perder tempo ouvindo as porcarias que as rádios e os festivais tocam hoje em dia. Gonzaguinha era mítico, num nível que a própria música brazuca não é mais capaz de entender.

Se vivo fosse, Gonzaguinha estaria completando 80 anos de idade. E posso lhes dizer, de tudo que ouvi, li e entendi acerca do seu trabalho, ele estaria certamente afrontado com o Brasil de hoje, saudosista das maiores atrocidades. Ele sempre se posicionou contra o sistema. Antes mesmo de raciocinarmos acerca da expressão "música de protesto", ele já era isso, na veia, 24 horas por dia. E sua voz combinadas a palavras poderosas já diziam isso, em alto e bom som.

Ouçam "O que é o que é?", "É", "Lindo lago do amor", "Espere por mim, morena", "E vamos à luta", "Eu apenas queria que você soubesse", "Comportamento geral", a extraordinária "Sangrando", "Um homem também chora", "Grito de alerta", "Ponto de interrogação", "Geraldinos e arquibaldos" e tantas outras e tirem as suas próprias - e necessárias - conclusões.

No dia de sua morte (na verdade, até hoje nutro esse sentimento) fiquei perplexo. Sua presença de espírito era tão avassaladora que me parecia meramente impossível me despedir dele daquele jeito. Poucas vezes a cultura brasileira se despediu de alguém que precisasse tanto ficar por aqui. Que dirá agora, em tempos tão funestos e deslumbrados com a própria covardia.

Muitos o achavam a antipatia em forma de pessoa, mas ele era repleto de personalidade, isso sim. Não fazia o jogo da mídia nem agradava aos interesses dos inescrupulosos homens da poder. Sua obsessão era com o povo, com suas mazelas e angústias. Quando precisou radicalizar em suas canções, radicalizou e ponto. Quem quisesse que o processasse. Assim era Gonzaguinha, o rebelde da MPB.

Imaginar que ele poderia estar aí, entre nós, nesse momento difícil pelo qual o país passa, me faz acreditar que a música é atemporal e precisa ser reapresentada urgentemente à essa nova geração. O quanto antes.

Mestre, onde quer que o senhor esteja, fica com Deus. Seu legado será eterno.  

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Um ator lendário


Ele foi o galã de muitas cinéfilas apaixonadas, foi o ativista da causa ambiental (embora não gostasse do rótulo), foi um artista engajado na luta em prol do cinema independente, criou o Instituto Sundance e deu oportunidades para o surgimento de cineastas como Quentin Tarantino, Richard Linklater e tantos outros, e não bastasse tudo isso construiu uma filmografia de respeito com, pelo menos, uma dúzia de hits (provavelmente mais).

De quem falo? Do ator Robert Redford, obviamente, que nos deixou hoje, aos 89 anos, para a tristeza dos amantes da sétima arte e de hollywood.

Difícil saber por onde começar quando o assunto é a carreira de Redford. Ele foi o jornalista Bob Woodward, um dos responsáveis pela matéria que levou ao desmascaramento do Escândalo Watergate, durante o governo Richard Nixon em Todos os homens do presidente, de Alan J. Pakula; Foi o pistoleiro Sundance Kid no clássico faroeste dirigido por George Roy Hill; foi o diretor penitenciário Henry Brubaker no longa homônimo de Stuart Rosenberg; foi Turner, o investigador da CIA acuado por seus rivais em Três dias do condor, de Sydney Pollack; foi o extraordinário Jeremiah Johnson de Mais forte que a vingança... Além de uma lista tão gigantesca que eu poderia passar o final de semana inteiro e não terminá-la nunca.

O garoto que, aos 11 anos, foi diagnosticado com poliomielite tornou-se sex symbol e vencedor do Oscar de melhor diretor por Gente como a gente, de 1981, tendo de conviver paralelamente com a timidez e os sucessos de bilheteria. Teve inúmeros amores, dentre eles a atriz brasileira Sônia Braga. E entre suas lutas mais ferrenhas, estavam a preservação ecológica e a postura contrária à mercantilização dos festivais (algo que vem se tornando uma tônica nos últimos anos!)

Se é possível classificar um artista como Robert Redford, talvez a palavra que melhor se enquadre seja lendário. E olha que, durante todos esses anos que eu acompanho a carreira dele, eu sempre tive a sensação de que a academia e a indústria de cinema americano não o reconheceram como ele realmente merecia. Ele deveria estar no mesmo panteão de nomes como Paul Newman, Steve McQueen, Jack Nicholson e outros medalhões, mas eu nunca percebi essa motivação por parte de hollywood. Sempre achei que o tratavam como uma ator subestimado, subvalorizado (o que é uma puta injustiça).

Redford é mais um que parte deixando hollywood ainda mais carente de ídolos e, como sempre costumo falar em meus posts sobre cinema, à anos-luz de uma renovação que seja minimamente digna. Assim como não acredito que a hollywood contemporânea nos dará um novo Steve McQueen (Bullitt é eterno, digam o que disserem), também não acredito na existência de um novo Redford nesse século XXI. E isso é triste demais.

P.S: uma dica para hoje à noite quando sentarem em frente à tv para ver um filme e quiserem homenageá-lo: procurem por Quiz show: a verdade dos bastidores, que ele dirigiu e foi indicado ao Oscar. Trata-se de uma joia rara muitas vezes esquecida em meio a uma cinematografia brilhante.

domingo, 14 de setembro de 2025

O homem-som


Existem artistas que cantam, existem artistas que dançam (e como dançam!), existem artistas que compõem como ninguém (e realizam obras-primas da música universal), existem até artistas que enganam o seu próprio público (e hoje em dia, então, nem se fala). Contudo, existem artistas que são a sonoridade em pessoa; que você, ouvinte, gostaria de poder definir num acorde e não consegue.

Eles são múltiplos, únicos, inexplicáveis, indecifráveis, ímpares. Hermeto Paschoal, que faleceu hoje aos 89 anos, era um desses. E vai aqui uma opinião pra lá de pessoal: acho impossível que vá surgir outro como ele. É dessas figuras que Deus jogou a forma fora após criá-lo em seus mínimos detalhes.

Há uma cena com ele que eu adoro, pertencente ao documentário O barato de Iacanga, sobre o famoso festival de música de Águas Claras (considerado por muitos no país como o "Woodstock brasileiro") em que é apreciado, durante sua apresentação, por uma multidão de pessoas em silêncio, ouvindo-o tocar flauta por horas. Sem precisar dizer uma única palavra. Hermeto era isso, sem mudar uma vírgula sequer.

Se o Jazz americano, em sua excelência, nos apresentou o gênio Miles Davis, a música instrumental brasileira nos deu Hermeto Paschoal. E olha que se trata de uma gênero musical do qual sou suspeito para falar, tamanha a quantidade de talentos que partiram ou ainda se encontram entre nós (Naná Vasconcelos, Egberto Gismonti, João Donato, Léo Gandelman, etc).

Ele tinha aquele jeito de viver meio que em um mundo próprio, particular, com aquela expressão serena típica. Mas quando produzia a sua música, aí meus caros, sai de baixo... Hermeto Paschoal era o que eu gostava de chamar de o homem-som, mescla de humanidade e ritmo em doses exatas e complementares. E se a MPB já chegou ao ponto de ter que despedir deles, cá entre nós, então estamos realmente lascados.

Muitos se perguntarão a partir de amanhã: "Será que encontraremos alguém à sua altura, para sucedê-lo?". E eu, na mesma hora, responderei: "Será isso humanamente possível? Espero sinceramente estar enganado. Nunca precisamos tanto de música de verdade quanto agora.

Mestre, que o Senhor o receba com todas as honrarias que você merece. Você era um espécime raro! 

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

De Os garotin eles só têm o nome...


São tempos tristes de MPB com bundas rebolando em excesso, playback em demasia, corpos esculturais construídos a base de bisturis e a música... Bem, a música, infelizmente, em segundo plano nisso tudo. Logo, qualquer artista que surja propondo o canto, a canção, a melodia, a arte de se apresentar, já é um grande alento. É exatamente esse o caso de Os Garotin, trio de São Gonçalo do qual não conhecia absolutamente nada até ver o nome da banda no line-up do The Town em São Paulo.

Tive, ao ver os talentosos rapazes, a mesma reação de quando ouvi pela primeira vez a extraordinária Fat Family. E na hora pensei: "Graças a Deus! Ainda há vida inteligente dentro da música popular brasileira".

Ouvir Os Garotin é como relembrar da época em que a dial do rádio era ocupada por monstros da música como Tim Maia, Sandra de Sá, Hyldon, Cassiano e companhia. Eles têm a pegada black music que andava esquecida nos últimos tempos de cantores fake e músicas fúteis, um quê de Motown bem lá no fundo (o que é sempre ótimo para qualquer bom ouvinte que se preze) e aquele deboche típico de quem sabe realmente o que está fazendo em cima do palco.

Confesso: andava desencantado com o mercado fonográfico. Ele vem perdendo tempo sucessivamente com gostosonas que não passam disso, vozes esganiçadas e fora do tom, e composições que... na boa, sem comentários.

O revoltante? Como pode um país que nos entregou Chico, Milton, Caetano, Elis, João Nogueira, Gil, Ivan Lins, Rita Lee, Renato Russo, Edu Lobo, Gonzaguinha e tantas outras feras, perder tanto tempo com engajamentos e mídia acerca de performers pra lá de medianos e composições altamente questionáveis? Sério! Isso precisa mudar o quanto antes. Não é à toa que as rádios comerciais foram do extorsivo jabá ao moralismo decadente da cultura gospel.

Que a chegada dessa galera cheia de bossa, de energia inesgotável, traga novos ares para o nosso cancioneiro (que precisa - e muito! - desse gás, dessa reinvenção, desse novo fôlego). Agora, pelo amor de Deus, para que não me chamem de maluco ou exagerado, entrem no youtube, no deezer, no spotify, onde quer que seja, e ouça essa rapaziada. Por que de Os garotin eles só têm o nome... Gente grande, da melhor qualidade, o que eles entregam.

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Eles continuam entre nós, aqui, ali, em qualquer lugar


Não entendo pessoas que falam da "literatura brasileira indispensável" no Brasil e não incluem, junto com Memórias póstumas de Brás Cubas, Grande sertão: veredas, Dom Casmurro, O romanceiro da inconfidência e Os sertões, o magnífico (e ainda atualíssimo) Morte e vida severina, do mestre João Cabral de Melo Neto. Se essas pessoas fossem computadores, diria que se trata de um erro sistêmico grave.

Nunca entendi a implicância de certos leitores com Mr. João Cabral, um autor lendário e imprescindível para quem quer entender o que é realmente o Brasil. E fiquei ainda mais fã do poeta depois de ler a graphic novel produzida por Odyr (de quem já havia lido, anos atrás, o também extraordinário Copacabana, que recomendo aqui inclusive!).

O primeiro mérito da obra gráfica é fazer um paralelo entre os retirantes nordestinos e os refugiados que atravessam o mundo, seja por terra ou mar, à procura de uma nova nação onde possam sobreviver dignamente. Não é de hoje que vivemos num mundo onde parece cada vez mais difícil manter-se vivo no país natal, por conta de políticas culturais e econômicas extorsivas, que só servem para expulsar a classe trabalhadora do local.

Sim, meus caros leitores! Vivemos num planeta que cultua mentalidades como a da gentrificação e também do downsizing, com o único e claro objetivo de tornar pior a vida de quem luta diariamente para sobreviver, enquanto os mais ricos são sempre beneficiados por cortes de gastos e políticas de isenção fiscal. Resultado: não podendo mais sobreviver minimamente ali, multidões imigram desesperadamente na tentativa de encontrar um novo lar, menos explorador.

Odyr acerta em todos os aspectos: seja no uso das cores, nas cenas de dificuldade retratadas, e principalmente por deixar os semblantes dos personagens não tão nítidos, meio embaçados, nos dando a sensação de que teremos grande dificuldade de definir quem são essas pessoas, quais são suas histórias, o que pretendem esses "sobreviventes"

Ao fim, o legado que fica é o de que eles, os desgarrados do mundo, ainda se encontram entre nós, vagando, buscando um porto seguro, lutando contra uma realidade cada dia mais atroz, em meio a segmentos políticos que só sabem demonizá-los, tornando-os os verdadeiros culpados do colapso do mundo.

Terá solução para isso em algum momento? Esta talvez seja a pergunta mais importante que permeará todo esse século XXI cada dia mais injusto e conflituoso. 

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

O documentário em pessoa


Eu li a notícia e não acreditei, fiquei pasmo. Li de novo e a tristeza me abateu. Fiquei naquela: "escrevo ou não escrevo brevemente sobre ele?", pois havia postado recentemente e raramente emendo um texto no outro. Mas ele era foda. Ponto. Decido escrever.

O cinema brasileiro se despediu hoje de Sílvio Tendler, que eu costumava chamar de o homem-documentário. Sim, ele era o formato em pessoa. Transpirava ideias, posturas, desabafos... E o mais importante: sabia fazer arte política sem ser partidário (o que, no atual momento do país, é um talento que poucos exercem).

Difícil falar sobre Sílvio de forma breve. Seu cinema era complexo, múltiplo, cheio de debates indispensáveis para entendermos o que é o Brasil (e o mundo). E eu tenho uma relação meio doentia com a obra dele, da qual sou fã incondicional. Tanto que certa vez, conversando com colegas de faculdade, irritei o grupo ao dizer que Sílvio marcou mais a minha formação cultural do que o Eduardo Coutinho (e não digo isso em demérito deste).

Eu sempre tive a sensação de que Tendler falava exclusivamente para mim, para os meus anseios, minha aflições (principalmente na época de adolescente). Ele era mestre em nos fazer repensar nossos próprios raciocínios. Acreditava no poder da segunda opinião, de confrontar a sua versão com a dos demais (como, aliás, deveriam fazer todos os documentaristas).

Ele falou de Castro Alves, Glauber Rocha, Ferreira Gullar, João Goulart, Juscelino Kubitscheck, Haroldo Costa, Carlos Zéfiro, ditadura, privatizações, utopia, barbárie, Oswaldo Cruz, Marighella e até dos Trapalhões, tudo isso sem perder sua verve ácida, mas não menos bem humorada. De todos os seus longas, o que mais me toca é Glauber o filme, labirinto do Brasil, sobre o cineasta baiano. Por quê? Porque foi meu pontapé inicial para começar a procurar mais sobre o homem por trás de clássicos como Terra em transe, Deus e o diabo na terra do sol e O dragão da maldade contra o santo guerreiro.

Uma pena. É mais uma voz importantíssima que parte num momento em que o Brasil precisa - e muito! - de vozes contundentes, que combatam o entreguismo e o comodismo que vem ganhando força nos últimos anos por aqui. Fica em paz, mestre!

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Os dispensáveis


"Os idosos estão sendo homenageados", diz o governo em uma atitude mais fake do que uma nota de 3 reais, e que certamente esconde sórdidas intenções. E Tereza (Denise Weinberg, excepcional!) sabe disso como ninguém. Já ouviu essa mesma ladainha zilhões de vezes. Aos 77 anos, ela é recrutada para a colônia, local que passa a abrigar as pessoas da terceira idade que não contribuem mais para o avanço do país.

Satisfeita? Orgulhosa de sua conquista? Longe disso! Tereza não entende o porquê de tal decisão. Mas não tem jeito. Ela deve se apresentar ao local de embarque como os demais e aceitar o seu destino. Até a filha, guardiã legal dela, sabe disso - e concorda. O problema: convencê-la de que essa é a melhor escolha.

Cheia de sonhos, Tereza quer realizar o sonho de voar. E foge. Realizar a façanha de forma legal está fora de cogitação, então ela tenta meios ilícitos. Conhece um Brasil dentro do Brasil. Sua vida cruza com a de uma estrangeira que comprou sua própria liberdade e agora vive em seu barco, de vilarejo em vilarejo, vendendo bíblias online. Ali, Tereza encontra paz e um motivo para continuar vivendo. Distante do que chamamos de mundo real.

O último azul é distópico, adjetivo que é a cara do cinema do diretor Gabriel Mascaro, um de nossos maiores realizadores cinematográficos na atualidade. Porém, esqueçam Blade Runner e Mad Max... Aqui o futuro é ainda mais sórdido porque é quase uma cópia xerográfica dos tristes tempos em que vivemos. No Brasil de O último azul, não à toa a baba azul que escapa do caracol é, talvez, o último resquício de contato com que o resta de realidade.

Mascaro realiza um grande ensaio humano sobre os dispensáveis, os que - a priori - não têm mais serventia para o contexto social. Se ser idoso não é fácil em lugar nenhum do mundo, imagine num país como o Brasil, que não reconhece seu próprio racismo, sua própria homofobia, sua própria diferença de classes?

Tereza é o retrato de uma nação que não aconteceu, que ficou presa num passado de falsos idealismos, moralismos e vitórias fúteis. E por conta disso, precisa ser descartada em nome de uma "limpeza" federativa (leia-se: maquiagem intencional). E assim como já havíamos visto em Boi Neon e Divino Amor, o diretor elege sua estrutura opressora como mote para o dilema da protagonista. Saem o agronegócio e as igrejas neopentecostais, entra o próprio governo federal.

O resultado? Aterrador, mas não menos realista do que o mundo como o conhecemos. Merecidíssimo o Urso de Prata no Festival de Berlim. E Rodrigo Santoro também está impecável na pele do barqueiro que faz amizade com a encantadora e rebelde Tereza. Vejam! O quanto antes!