segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Paul Newman, um centenário


O ator hollywoodiano Paul Newman, caso ainda estivesse vivo, teria completado ontem 100 anos de idade. E acreditem: assim como Kirk Douglas, o eterno Spartacus, que ultrapassou um século de vida antes de nos deixar, ele também merecia. E muito.

Lembrar de Paul é automaticamente lembrar do meu pai (que também já faleceu), um fã de longa data do artista. Comecei a conhecer a obra cinematográfica dele por influência do meu pai, cujo primeiro filme do artista que me apresentou foi Exodus, de Otto Preminger, sobre as consequências trágicas da criação do estado de Israel, em 1948. Aliás, filmaço! Recomendo - e muito.

Contudo, é simplesmente impossível classificar um talento como Newman. Ele parecia estar em todos os projetos que os artistas da era de ouro de hollywood queriam estar (e não conseguiam). Talvez o único que fizesse frente a ele nesse período fosse Steve McQueen, outra lenda - das pistas de corrida e das telas. 

Como esquecer de seu nostálgico Butch Cassidy ao lado do Sundance Kid interpretado por Robert Redford no filme homônimo do diretor George Roy Hill? E das centenas de vezes que fiquei acordado até de madrugada nos domingos para assistir Inferno na torre, de John Guillermin, na sessão das dez do SBT, que nunca começava as dez? E do jogador de sinuca Eddie Felson em Desafio à corrupção, de Robert Rossen, que reviveu anos depois - e lhe rendeu um Oscar - por A cor do dinheiro, de Martin Scorsese?

Paul é daqueles atores que você precisa imprimir a lista com toda a sua filmografia no IMDB e sair à caça pela internet. E um conselho de amigo: tenha paciência (e muita!), pois muita coisa você infelizmente não encontrará nos serviços de streaming ou não é exibida nos telecine cults e TCMs da vida, sorry!

Muito se fala de Marlon Brando, John Wayne, Spencer Tracy, James Dean, Humphrey Bogart e companhia, e eu sempre achei - ainda acho - que foram injustos com ele. Paul Newman merece figurar no olimpo dos grandes artistas americanos. Ele conquistou esse direito. E não somente pelo trabalho dentro das telas. 

Seu empenho em ajudar instituições de caridade e causas humanitárias - como a questão da má nutrição nos países do terceiro mundo -, seu envolvimento com a fórmula Indy (na qual foi um dos donos da Newman/Hass racing), uma das equipes mais vitoriosas da modalidade, o casamento praticamente mítico com a atriz Joanne Woodward (a quem foi fiel, depois que ela faleceu, por toda a vida), as campanhas contra a Guerra do Vietnã e pelo desarmamento... Paul Newman, mais do que um ator de sucesso, era uma entidade.

Lembrar dele hoje foi também lembrar de como hollywood não é mais a mesma, de como ela encaretou, se vendeu, virou um reles negócio, só pensa em bilheterias e franquias. E isso é por demais triste. Nunca precisamos tanto de gente como ele no mercado de entretenimento. Fica a eterna saudade dos cinéfilos de verdade. 


segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

"Eu não posso, mas eu quero"


Sabe aquela sensação de insatisfação, de que está sempre faltando algo, de que nada, nunca, lhe preencherá totalmente, não importa o quanto você tente, o quanto você vença na vida, seja bem sucedida, ainda assim há algo que se partiu dentro de você? Então... Romy (Nicole Kidman) vive esse dilema. Ela é uma CEO renomada numa grande empresa, casada há quase duas décadas, com duas filhas, admirada por todos os seus funcionários. No entanto...

Há um vazio dentro dela - e me refiro à sua sexualidade, sua parcela íntima - que não se preenche com nada, não importa o quanto ela tente. Suas noites de amor com o marido, Jacob (Antonio Banderas), repletas de joginhos e ironias, não a completam, muito menos satisfazem. Tanto que ela procura consolo no sexo virtual. Em outras palavras: ela é refém de sua própria incapacidade de se sentir uma mulher completa. 

Isso até a chegada, na empresa, de Samuel (Harris Dickinson), um dos novos estagiários. Ele entrega a ela algo que Romy espera há anos e nunca teve: a possibilidade de enfrentar a própria vida sem medos e varrer o controle e o moralismo que ela própria transformou em sua zona de conforto para bem longe. Contudo, como tudo que é segredo, que está no âmbito do proibido, é preciso ficar atenta aos detalhes e, principalmente, aos olhares, pois a qualquer momento o jogo pode virar contra você. 

Babygirl, da diretora Halina Reijn, embora tenha seus deslizes e merecesse um pouco mais de vida suja e sacanagem barata (quem sabe até uma orgia, algo na linha Shortbus, de John Cameron Mitchell), é uma grata surpresa nessa temporada de prêmios por propor um jogo de gato e rato sexual como eu não via no cinema há tempos. E acreditem: a sétima arte mundial anda careta em demasia.

Achei louvável da parte de Nicole Kidman encarar, nos seus quase 60 anos, uma personagem dessa envergadura, com tanta coragem. E acredito que o júri do Festival de Veneza (que lhe concedeu o Leão de Ouro de melhor atriz) deva ter achado o mesmo. Já Harris Dickinson, seu affair mais jovem, me pareceu a cara que o projeto pedia: um homem bonito sem muitos outros atributos além disso, para contrastar com a figura da executiva "estou no controle, mas...", vivendo numa berlinda típica do universo dessas mulheres empoderadas, regida pela famosa frase "eu não posso, mas eu quero". 

Ao fim o que se percebe - essa foi, pelo menos, a sensação que eu tive - é que ela encontrou o tom que precisava para seguir em frente, com sua carreira, sua família e até mesmo seus desejos ocultos. Muitos certamente não concordarão, talvez a achem covarde, conivente com sua própria realidade. Enfim...

Se por um lado Babygirl não é o filme que irá vencer o Oscar de melhor filme desse ano, por outro foi a produção que mais me fez pensar no que estamos nos tornando como sociedade. Não passamos de marionetes de um sistema que acredita que status e poder são as únicas moedas de troca necessárias para sermos felizes, para nos bastarmos? É isso? E quando decidimos ir além, desbravar o novo, nos arriscar, somos condenados por aqueles que, na maior parte do tempo, não dão a mínima para o que sentimos nem o que queremos? Meu Deus!

Que mundo é esse que o século XXI nos trouxe? O último a sair apague a luz. 

P.S: na sessão que eu assisti mais de 80% do público era do sexo feminino. Mulheres das mais diversas idades. E todas elas - pude olhar ao redor em alguns momentos da sessão - impactadas com a jornada de Romy e decepcionadas com a atitude do marido quando a máscara dela cai. Um retrato bem vivo do quanto a classe masculina anda desacreditada atualmente. É preciso que nós, homens, acordemos, o quanto antes. Estamos errando - e feio.


quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

R.I.P David Lynch


2025 mal começou e a comunidade cinéfila já leva um golpe devastador na nuca, desses de deixar desacordado por horas, quiçá dias... Morreu o diretor David Lynch, o mestre dos mestres na arte de contar histórias. Putz! Eu não acredito que estou tendo que escrever este post em pleno início de ano. É como uma morte prematura da sétima arte (digo: da verdadeira sétima arte, e não essa tolice de blockbusters, remakes, spinoffs, etc).

David Lynch não era apenas o cinema em sua forma mais pura. Ele era um mundo paralelo em forma de cineasta. Hoje em dia se fala muito em multiverso. Ele já era isso muito antes da própria definição do termo existir. Com seus filmes, éramos capazes de esboçar um sem número de sentimentos os mais contrastantes. E ainda assim ele era capaz de nos surpreender com sua genialidade. Se existiu um artista que mereceu a alcunha de "força da natureza", foi ele. 

Seus longas se tornaram parte do imaginário pop e da própria hollywood como um todo. Quem não passou noites acordado para querer saber quem matou Laura Palmer na série Twin Peaks? Ele transformou Mullholland Drive em mais do que um simples endereço, e sim numa catarse coletiva. Acompanhamos o amor obsessivo de Sailor (Nicolas Cage) e Lula (Laura Dern) em Coração Selvagem com um apetite tão feroz que nunca mais vi nada no gênero que chegasse perto daquele delírio. 

Em O Homem Elefante ele nos apresentou John Merrick (John Hurt), o homem que foi desumanizado pela sociedade e transformado numa reles criatura, atração num circo barato. Já com Uma História Real ele me fez ir às lágrimas enquanto observava a jornada de Alvin (Richard Farnsworth), que atravessa os EUA num cortador de grama somente para reencontrar o irmão, com quem teve uma desavença no passado. 

E isso sem contar, lógico, seus clássicos para todo o sempre: Eraserhead, Veludo Azul, Estrada perdida, até mesmo sua adaptação de Duna, com todos os deslizes que ocorreram pelo percurso... Lynch foi um gigante até quando falhou em suas intenções. Quer dizer: será que falhou mesmo? Porque se tem algo que eu aprendi com o cinema é que se trata de uma arte complexa, que convive com erros, acertos, imperfeições, tentativas frustradas, e sabe lá Deus o quê mais (e isso as novas gerações, honestamente, não entendem).

Nos últimos anos o diretor andou cabisbaixo, desencantado com o ofício, criticou os chamados novos cinéfilos (e essa coisa de ver filmes em telinhas de celulares). Seus últimos trabalhos partiram para um experimentalismo que era bem a sua cara. Ele adorava ser o diferente, o excêntrico. Lynch, como bem disse o escritor Phillip Roth no título de um de seus romances, era o animal agonizante. Lutou até o fim por sua arte, e merecia um desfecho mais glorioso do que essa era contemporânea que só acredita em franquias e box office.

Sua última aparição nas telas foi interpretando o também genial cineasta John Ford no filme Os Fabelmans, de Steven Spielberg. E ao fim da película eu me peguei pensando: "bem que ele podia dirigir mais um, só mais um... um longa de despedida". Infelizmente, não deu tempo. Pena!

David, onde quer que você esteja neste exato momento, toda felicidade do mundo, irmão! Você mudou a minha vida. Me tornou cinéfilo, uma pessoa melhor, que acredita na arte e não em guerras, armas, conflitos bélicos, fascistas, corrupção política, etc. E eu vou ser eternamente grato por isso. Fica com Deus, cara! Hoje e sempre. 


sábado, 11 de janeiro de 2025

Rock in Rio: 40 anos e...


O Rock in Rio completou quatro décadas de existência e as pessoas perguntam, tomando como referência a música-tema do festival, "se o mundo começasse agora..." Honestamente: se o Rock in Rio começasse agora não teria esse nome e o futuro dele seria um mundo dominado por alienados, sem noção, viciados em idiotice e status. 

Parece torpe e é, não há como fugir disso. Pior: o criador do festival nunca foi, de fato, fã de rock. Ele se apropriou de um gênero musical, tornou-o uma marca bem sucedida, ficou milionário e o resto... que se dane!

Foi linda a ideia, o sonho. Trazer as maiores atrações internacionais para o Brasil (algo inimaginável em 1985). E algumas vieram. Queen, Rod Stewart, Iron Maiden, AC/DC, James Taylor, George Benson, etc. E não foi só rock. Correção: nunca foi só rock, em nenhuma edição. E os roqueiros odeiam ouvir essa parte.

Faço parte da galera que, excetuando o Queen e o AC/DC, prefere mesmo a edição de 1991, no Maracanã, que teve Joe Cocker, Prince, Santana, George Michael e cia. Era mais a minha cara. E com um adendo infeliz: eu sempre quis ver Paul McCartney, Pearl Jam, Simply Red, a reunião do Led Zeppelin nesse palco (e nunca rolou, para minha revolta juvenil e também depois de adulto)

O tempo passou e esculhambou de vez com o evento. Rolou Sandy e Júnior, Britney Spears, Nsync, Justin Bieber, Carlinhos Brown, Rihanna e tantos outros fazedores de mímica, galãzinhos de meia tigela, reboladores de bunda vazios, artistas pop sem graça, mas a cara da juventude perdida do século XX. Em outras palavras: pra mim, já deu.

E depois de ouvir o Roberto Medina dizendo numa entrevista para um jornal que seu maior sonho era "trazer o Roberto Carlos para o festival" e, pior do que isso, apelar para o sertanejo e sua caricatura em forma de música, eu me distancei de vez de um projeto que hoje considero falido, ultrapassado, esgotado.

Mal e porcamente acompanho uma ou outra atração pontual, da qual seja muito fã - como aconteceu com Mariah Carey e Joss Stone na última edição - ou, então, por motivos nostálgicos, que remetam a uma época mais divertida do que a atual (foi o caso de Cyndi Lauper, Gloria Gaynor, Nile Rodgers, Living Colour; mas nem sempre funciona... com o Billy Idol, por exemplo, deu ruim).

Eu até poderia dedicar esse texto a boas lembranças, exaltar Freddy Mercury cantando "Love of my life", lembrar de INXS, da Lisa Stansfield e a era de ouro do rock brazuca (Blitz, Cazuza, Lulu Santos, etc), mas o festival se perdeu pelo meio do caminho, se vendeu a interesses monetários, mudou de rota no mau sentido da palavra. Uma pena!

O que esperar da próxima edição? Nada. Ou mais do mesmo. O que dá na mesma, pois as atrações repetidas (e vocês sabem de quem estou falando: Red Hot Chili Peppers, Maroon 5, Guns n' Roses, Post Malone, etc) são a tônica desse evento. Quem eu queria ver não dá as caras e quem vem - ou virá - em 90% dos casos não me interessa, não me cativa, não mexe com meus brios. É isso.

Que venha 2026 para agradar a mesma plateia - repito: alienada - de sempre. Ah! Lady Gaga virá em maio, em Copacabana. Ou seja: também não virá ao festival.


segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Valeu, Fernanda!


E o dia enfim chegou... Ontem, pela primeira vez na história, um artista brasileiro venceu o Globo de Ouro. Seu nome? Fernanda Torres. Sim, a Fernandinha, filha de vocês, cinéfilos brasileiros, sabem quem. E eu fiquei tão emocionado, tão feliz, tão realizado, que parecia até que eu havia ganho a estatueta. 

Sônia Braga tentou três vezes, Wagner Moura chegou perto com a série Narcos, e a Fernandona bateu na trave com Central do Brasil. Mas ontem... foi outra história.

Se Ainda estou aqui, de Walter Salles, já era um acontecimento com luz própria pela narrativa que construiu, atual, poderosa, e mais do que necessária para entendermos a atual sociedade brasileira, imagine agora depois desse reconhecimento. Sim, a palavra que não deve ser esquecida é: reconhecimento. E é tão difícil chegar lá, figurar entre os medalhões de hollywood, que quando enfim chegamos parece tudo tão irreal, fantasioso. Mas acreditem: chegou o dia.

Os haters - sim, não esqueçamos deles, ficaram famosos nos últimos anos por sua prepotência e seu senso de "patriotismo" (não vou explicar a ironia por trás das aspas) - vão falar mal novamente, vão diminuir o feito, explicitar o posicionamento político da atriz. Na boa... que se lixem! Quando o assunto é arte, cultura, entretenimento, são sempre leigos e desnecessários. Preferem armas e guerras à conhecimento. Não me interessam. Comentei aqui mais como deboche e provocação do que qualquer outra coisa. 

Se o filme vai chegar ao Oscar também? Prefiro aguardar. Não sou bom com previsões, mas espero que sim. O filme merece, bem como Fernanda, Selton, Walter Salles, a equipe toda. Eles fazem um tipo de cinema no país que eu apoio de olhos fechados. Diferentemente de certas bobajadas românticas e favela movies previsíveis. 

E pensar que ainda tem gente nesse país-província que acha o cinema brasileiro inútil, sem serventia... pobres deles! Talvez prefiram curtir o som mela-cueca dos sertanejos baladeiros e as piadas sem graça de comediantes fúteis, que se acham relevantes. Cada um sabe o que escolhe pra si, não é mesmo? 

P.S: Emilia Perez vencer filme de língua não-inglesa foi sacanagem (e não só com o nosso longa)? Foi. Não tenho a menor dúvida. Mas só por ouvir o discurso da Fernanda já valeu a noite, o domingo, quiçá o 2025 todo... Muito obrigado. Mesmo. A sétima arte brasileira precisava de um dia como ontem.