domingo, 14 de setembro de 2025

O homem-som


Existem artistas que cantam, existem artistas que dançam (e como dançam!), existem artistas que compõem como ninguém (e realizam obras-primas da música universal), existem até artistas que enganam o seu próprio público (e hoje em dia, então, nem se fala). Contudo, existem artistas que são a sonoridade em pessoa; que você, ouvinte, gostaria de poder definir num acorde e não consegue.

Eles são múltiplos, únicos, inexplicáveis, indecifráveis, ímpares. Hermeto Paschoal, que faleceu hoje aos 89 anos, era um desses. E vai aqui uma opinião pra lá de pessoal: acho impossível que vá surgir outro como ele. É dessas figuras que Deus jogou a forma fora após criá-lo em seus mínimos detalhes.

Há uma cena com ele que eu adoro, pertencente ao documentário O barato de Iacanga, sobre o famoso festival de música de Águas Claras (considerado por muitos no país como o "Woodstock brasileiro") em que é apreciado, durante sua apresentação, por uma multidão de pessoas em silêncio, ouvindo-o tocar flauta por horas. Sem precisar dizer uma única palavra. Hermeto era isso, sem mudar uma vírgula sequer.

Se o Jazz americano, em sua excelência, nos apresentou o gênio Miles Davis, a música instrumental brasileira nos deu Hermeto Paschoal. E olha que se trata de uma gênero musical do qual sou suspeito para falar, tamanha a quantidade de talentos que partiram ou ainda se encontram entre nós (Naná Vasconcelos, Egberto Gismonti, João Donato, Léo Gandelman, etc).

Ele tinha aquele jeito de viver meio que em um mundo próprio, particular, com aquela expressão serena típica. Mas quando produzia a sua música, aí meus caros, sai de baixo... Hermeto Paschoal era o que eu gostava de chamar de o homem-som, mescla de humanidade e ritmo em doses exatas e complementares. E se a MPB já chegou ao ponto de ter que despedir deles, cá entre nós, então estamos realmente lascados.

Muitos se perguntarão a partir de amanhã: "Será que encontraremos alguém à sua altura, para sucedê-lo?". E eu, na mesma hora, responderei: "Será isso humanamente possível? Espero sinceramente estar enganado. Nunca precisamos tanto de música de verdade quanto agora.

Mestre, que o Senhor o receba com todas as honrarias que você merece. Você era um espécime raro! 

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