sexta-feira, 5 de setembro de 2025

O documentário em pessoa


Eu li a notícia e não acreditei, fiquei pasmo. Li de novo e a tristeza me abateu. Fiquei naquela: "escrevo ou não escrevo brevemente sobre ele?", pois havia postado recentemente e raramente emendo um texto no outro. Mas ele era foda. Ponto. Decido escrever.

O cinema brasileiro se despediu hoje de Sílvio Tendler, que eu costumava chamar de o homem-documentário. Sim, ele era o formato em pessoa. Transpirava ideias, posturas, desabafos... E o mais importante: sabia fazer arte política sem ser partidário (o que, no atual momento do país, é um talento que poucos exercem).

Difícil falar sobre Sílvio de forma breve. Seu cinema era complexo, múltiplo, cheio de debates indispensáveis para entendermos o que é o Brasil (e o mundo). E eu tenho uma relação meio doentia com a obra dele, da qual sou fã incondicional. Tanto que certa vez, conversando com colegas de faculdade, irritei o grupo ao dizer que Sílvio marcou mais a minha formação cultural do que o Eduardo Coutinho (e não digo isso em demérito deste).

Eu sempre tive a sensação de que Tendler falava exclusivamente para mim, para os meus anseios, minha aflições (principalmente na época de adolescente). Ele era mestre em nos fazer repensar nossos próprios raciocínios. Acreditava no poder da segunda opinião, de confrontar a sua versão com a dos demais (como, aliás, deveriam fazer todos os documentaristas).

Ele falou de Castro Alves, Glauber Rocha, Ferreira Gullar, João Goulart, Juscelino Kubitscheck, Haroldo Costa, Carlos Zéfiro, ditadura, privatizações, utopia, barbárie, Oswaldo Cruz, Marighella e até dos Trapalhões, tudo isso sem perder sua verve ácida, mas não menos bem humorada. De todos os seus longas, o que mais me toca é Glauber o filme, labirinto do Brasil, sobre o cineasta baiano. Por quê? Porque foi meu pontapé inicial para começar a procurar mais sobre o homem por trás de clássicos como Terra em transe, Deus e o diabo na terra do sol e O dragão da maldade contra o santo guerreiro.

Uma pena. É mais uma voz importantíssima que parte num momento em que o Brasil precisa - e muito! - de vozes contundentes, que combatam o entreguismo e o comodismo que vem ganhando força nos últimos anos por aqui. Fica em paz, mestre!

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