"Os idosos estão sendo homenageados", diz o governo em uma atitude mais fake do que uma nota de 3 reais, e que certamente esconde sórdidas intenções. E Tereza (Denise Weinberg, excepcional!) sabe disso como ninguém. Já ouviu essa mesma ladainha zilhões de vezes. Aos 77 anos, ela é recrutada para a colônia, local que passa a abrigar as pessoas da terceira idade que não contribuem mais para o avanço do país.
Satisfeita? Orgulhosa de sua conquista? Longe disso! Tereza não entende o porquê de tal decisão. Mas não tem jeito. Ela deve se apresentar ao local de embarque como os demais e aceitar o seu destino. Até a filha, guardiã legal dela, sabe disso - e concorda. O problema: convencê-la de que essa é a melhor escolha.
Cheia de sonhos, Tereza quer realizar o sonho de voar. E foge. Realizar a façanha de forma legal está fora de cogitação, então ela tenta meios ilícitos. Conhece um Brasil dentro do Brasil. Sua vida cruza com a de uma estrangeira que comprou sua própria liberdade e agora vive em seu barco, de vilarejo em vilarejo, vendendo bíblias online. Ali, Tereza encontra paz e um motivo para continuar vivendo. Distante do que chamamos de mundo real.
O último azul é distópico, adjetivo que é a cara do cinema do diretor Gabriel Mascaro, um de nossos maiores realizadores cinematográficos na atualidade. Porém, esqueçam Blade Runner e Mad Max... Aqui o futuro é ainda mais sórdido porque é quase uma cópia xerográfica dos tristes tempos em que vivemos. No Brasil de O último azul, não à toa a baba azul que escapa do caracol é, talvez, o último resquício de contato com que o resta de realidade.
Mascaro realiza um grande ensaio humano sobre os dispensáveis, os que - a priori - não têm mais serventia para o contexto social. Se ser idoso não é fácil em lugar nenhum do mundo, imagine num país como o Brasil, que não reconhece seu próprio racismo, sua própria homofobia, sua própria diferença de classes?
Tereza é o retrato de uma nação que não aconteceu, que ficou presa num passado de falsos idealismos, moralismos e vitórias fúteis. E por conta disso, precisa ser descartada em nome de uma "limpeza" federativa (leia-se: maquiagem intencional). E assim como já havíamos visto em Boi Neon e Divino Amor, o diretor elege sua estrutura opressora como mote para o dilema da protagonista. Saem o agronegócio e as igrejas neopentecostais, entra o próprio governo federal.
O resultado? Aterrador, mas não menos realista do que o mundo como o conhecemos. Merecidíssimo o Urso de Prata no Festival de Berlim. E Rodrigo Santoro também está impecável na pele do barqueiro que faz amizade com a encantadora e rebelde Tereza. Vejam! O quanto antes!

Sem comentários:
Enviar um comentário