domingo, 25 de agosto de 2024

Os "80 anos" de Leminski


A literatura brasileira - não somente a poesia, mas ela como um todo - nunca precisou tanto de Paulo Leminski quanto atualmente, em tempos de hipocrisia passadista, pautas identitárias em excesso e uma sociedade praticamente descrente de tudo. E pensar que ele teria feito 80 anos ontem...

Leminski era pop, mas também anárquico, afiado como uma espada samurai, uma metralhadora verborrágica no melhor sentido da expressão. Capaz de ir do haicai (o poema curto japonês) ao majestoso Catatau (para muitos críticos, sua mais importante obra) com a mesma naturalidade e elegância. 

Era ótimo ler seus textos, mas sublime ver suas apresentações. Ele de quimono, declamando suas estrofes mezzo românticas mezzo radicais. No curta-metragem "Assaltaram a gramática", de Ana Maria Magalhães, desaforado, livre até a alma, preciso em suas intenções, ao lado de outras feras da poesia tupiniquim como Chacal e Waly Salomão. Suas entrevistas despudoradas, à frente do seu próprio tempo. 

Meu primeiro contato com ele, curiosamente, foi através da biografia Paulo Leminski: o bandido que sabia latim, de Toninho Vaz. E fiquei em êxtase ao fim da última página, querendo saber ainda mais sobre ele. 

Filho de um militar polonês e uma brasileira negra, Leminski foi uma incógnita por natureza. E fez dessa miscigenação um carro-chefe para seu pensamento livre. A sensação que os leitores tinham era a de que não houvesse assunto sobre o qual ele não pudesse discorrer. Era quase uma enciclopédia cultural viva. E melhor: um livro aberto, sem rodeios, desculpas, mimimis. 

Leminski fez parte de uma época, de um tipo de Brasil, que infelizmente ficou no passado, dando lugar a uma sociedade confusa, carente, sem rumo pré-definido. E por isso sua lembrança hoje - e aqui neste singelo post - é tão bem-vinda. É preciso (mais do que isso: é fundamental) que resgatemos figuras artísticas como ele, pessoas sem freio, sem medo, produtores de uma arte que não caiba num rótulo ou num mero status. 

O país anda órfão disso (e muito!) nas últimas décadas. E precisamos nos reencontrar o quanto antes com esse descaramento, com essa falta de papas na língua. Pois o contrário disso é esse execrável fundamentalismo religioso dos tempos atuais. E acreditem: nenhum povo minimamente lúcido sobreviverá a tamanha demagogia orquestrada e fingida. 

Salve Leminski!


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