Mais de seis décadas se passaram e o mito em torno da atriz e cantora Carmen Miranda persiste até hoje. Mais: tenho a sensação de que ele se torna maior a cada ano que passa, por conta dos novos fãs da sétima arte que vão surgindo de tempos em tempos, todos fascinados pela figura da pequena notável e tudo o que ela realizou ao longo da carreira.
Esta semana assisti um filme no Canal Brasil - meu eterno parceiro das noites insones, sempre com opções que caem como uma luva para preencher o meu vazio existencial - chamado Tragam-me a cabeça de Carmen M., da dupla de diretores Felipe Bragança e Catarina Wallenstein (atriz portuguesa que também interpreta a protagonista) e me peguei pensando na figura da Brazilian Bombshell, cujo símbolo até hoje paira sobre nós, seja de forma positiva ou negativa.
No longa uma atriz internacional almeja interpretar Carmen num filme e vêm ao RJ para a construção da personagem, mas se depara com as dificuldades óbvias para encontrar uma voz própria que ecoe na atriz e cantora e também precisa lidar com um Brasil dilacerado pela hipocrisia e o desleixo. Passei toda a trama me perguntando o que Carmen teria achado da película. Honestamente... Acredito que ela teria gostado e muito!
Carmen não era baiana, como diz o título deste mísero artigo ou a canção "o que é que a baiana tem?", mas certamente fez muitas delas dançarem diante de sua voz potente. Nascida no norte de Portugal, escolheu o Brasil como sua pátria e por aqui fez carreira e sucesso. Mas foi também, infelizmente, diminuída em certos momentos por aqueles que acreditaram que ela havia voltado americanizada de sua experiência em Nova York e em Hollywood. Cá entre nós, eles realmente não entenderam foi nada do trabalho dela, isso sim...
Entre os 22 filmes que protagonizou - dos quais destaco aqui logo de cara, para os novatos que não a conhecem, Alô alô carnaval, Banana da terra, Serenata tropical e Uma noite no Rio - e hits inesquecíveis como "South american way", "Chica chica boom chic", "Moleque indigesto" e "Bamboleô", Carmen viveu amores, foi explorada por um marido canalha, se iludiu, se encantou e principalmente, alucinou o público.
Não sabia uma palavra de inglês e seus espectadores no exterior não entendiam patavina do que ela falava, e mesmo assim arrebanhou multidões com a maior facilidade, chegando a ser um dos mais altos salários da época. E ainda assim tem causado muito despeito aqui no país em quem só faz criticá-la a torto e direito gratuitamente.
Para os mais apaixonados e curiosos de primeira viagem pelo mito que envolve Carmen Miranda recomendo quase que desesperadamente a leitura da biografia Carmen, do escritor Ruy Castro (provavelmente o melhor livro já escrito sobre a diva até hoje no Brasil) e que procurem pelo documentário Carmen Miranda - banana is my business, da diretora Helena Solberg, lançado nos cinemas em 1995 e que também, volta e meia, é reexibido no Canal Brasil. E isso para ter uma visão geral da artista.
Sim, digo visão geral, pois é difícil, quase impossível, precisar quem ou o que foi Carmen. Acredito que a expressão "força da natureza' caiba bem a alguém como ela, múltipla, camaleônica e antenada a tudo o que se passava ao seu redor.
No filme de Bragança e Wallenstein em determinado momento Carmen é chamada de "a imagem de um lugar impossível" e acredito que o conceito funcione bem ao se referir a ela. Muitos setores de nossa sociedade de quando em quando põem nela a culpa do país não se modernizar, continuar preso à eterna imagem da "mulher com o cesto de frutas na cabeça" e o conceito de que não passamos de uma república de bananas. Já outros veem na musa uma das melhores coisas que nosso país já exportou até hoje. Logo, ela, Carmen, parece presa em meio a esses dois mundos, vagando num lugar etéreo, imaginário, logo impossível, como dito na ficção.
Entretanto, mesmo com tantas ressalvas e detratores amargos, ela continua sendo um dos nossos maiores ícones de brasilidade no exterior e acredito piamente que isso permanecerá por muitos séculos ainda. Não importa o quanto os demagogos e conservadores queiram rever sua imagem à luz de seus próprios preconceitos, ela sobrevive a tudo isso.
E enquanto houverem fãs apaixonados dessa rainha dos trópicos sua imagem continuará sendo exibida, reexibida e copiada inesgotáveis vezes. Que assim seja.
P.S: no youtube, a eterna bíblia do caos pós-moderna, você encontra vários filmes de Carmen Miranda completos e dublados. Dá um pulinho lá, vai! Vocês vão se surpreender.
Li a biografia dela escrita por Ruy Castro. É impressionante e... muito triste. Ficou claro para mim como a personagem "brazilian bombshell" fez tanto sucesso entre os americanos e acabou literalmente triturada pela indústria do entretenimento.
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