Em tempos como esses em que vivemos, entre negacionistas e isolados por um pandemia que não mostra sinais de acabar tão cedo, me vêm à mente o quanto viver sozinho pode ser uma saga hercúlea. Não somente isso: a solidão vem se mostrando um estilo de vida para muitos, pois grande parte da sociedade não parece mais disposta a aturar os demais por tanto tempo assim. Eles preferem viver "consigo mesmos" do que aturar discursos de ódio, boicotadores e gente que se acha ao extremo.
E esta semana, ao assistir online a peça O astronauta, escrita por Eduardo Nunes e dirigida por José Luiz Jr., eu parei para pensar também naqueles que escolheram como vida profissional uma vida solitária.
Em O astronauta o ator Eriberto Leão vive o protagonista que é escolhido para realizar uma viagem espacial rumo à Marte. Mas não uma viagem espacial como aquela que Neil Armstrong fez rumo à lua 50 anos atrás. O mundo mudou muito desde então e tudo agora é sinônimo de show business. A transmissão dessa viagem ímpar é transformada numa peça de marketing por um serviço de streaming, e almeja a audiência de milhões de pessoas ao redor do mundo.
E a princípio tudo vai bem. O astronauta se comunica através de um sistema de vídeo com seus entes queridos, a namorada (Natascha Falcão) e o pai (Jaime Leibovitch), bem como o comandante da missão (Zé Carlos Machado). E a única pessoa que convive diretamente com ele 24 horas por dia é o sistema operacional da nave, Hall (Voz de Luana Martau), inspirado no vilão Hal-9000 do antológico filme de Stanley Kubrick, 2001: uma odisseia no espaço. Durante a missão ele se exercita, houve música, se alimenta e aguarda ansioso a chegada ao planeta vermelho.
Porém, como eu bem disse antes, trata-se de uma vida solitária e com o passar dos dias, semanas, meses, a rotina estressante e vazia vai ditando o tom do discurso e da personalidade deste astronauta. Surgem as primeiras lembranças do passado, a morte da mãe, o sonho de rodar o espaço sideral desde criança, o que teve de abrir mão para realizar esse sonho, etc. O desinteresse do público por continuar acompanhando a missão se perde, o contato com o planeta terra torna-se cada vez mais distante, até que simplesmente deixa de existir, e a esse homem cheio de dúvidas e rancores só sobra o niilismo.
E fica então a pergunta aos espectadores: como lidar com uma experiência de isolamento tão extremo? Eu, honestamente, não saberia responder a tal questão de forma precisa (e olha que eu adoro os meus momentos de solidão para escrever, hein!).
Como contraponto a modorra vivida pelo protagonista cabe um elogio à produção que realizou um trabalho interessantíssimo no palco do Teatro Firjan, no Sesi Centro (onde a peça foi gravada). As inserções digitais e videografismos, obra da dupla de irmãos Rico e Renato Vilarouca e de Luciana Damato, compõem bem o cenário sci-fi que o espetáculo pede. E para completar o clima inebriante cabe aqui também um elogio meu à Ricco Viana, responsável pela direção musical.
Passados 80 minutos de exibição - que não me deixaram entediados em nenhum momento; pelo contrário - chego à conclusão de que os criadores da peça me apresentaram uma espécie de mal-estar da civilização (Obrigado, Freud, pela referência!) versão século XXI. Eles unem os excessos da tecnologia, muitas vezes a serviço do que existe de mais artificial ou medíocre, à cultura da vaidade vigente no mundo contemporâneo e nos entregam um ser humano esfacelado, perdido, procurando por respostas que a priori parecem não existir.
Em outras palavras: o homem, ao longo da história mundial, foi do homo erectus ao homo sapiens e agora se depara de forma feroz com sua versão homo solitarius. E acreditem: ele nunca esteve tão sozinho como nesse novo século que mal completou duas décadas e ainda tem muito a mostrar.
E o pior de tudo: às vezes não parece sequer interessado em procurar um novo caminho, tão acostumado que está ao desalento e à sensação de nonsense que paira no mundo...
P.S: você, que adora ler livros de auto ajuda, é positivista em demasia e não consegue encarar a realidade de frente, aviso de antemão: essa peça NÃO é para você. Caso contrário, recomendo a montagem. Achei a cara desse momento turbulento que nós estamos vivendo.
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