A América (ou simplesmente Estados Unidos), embora se venda para o resto do mundo como "a grande nação", sempre encontra uma maneira de fugir da discussão ou criar um atalho toda vez que sua história sai dos trilhos. Ela simplesmente não gosta de contar para os outros suas histórias tristes, decepções e desvios de percurso. Que o diga o dos tempos que sucedem a queda da Bolsa de Nova York em 1929, popularmente conhecidos como depressão americana!
Contudo, gostem nossos brothers americanos ou não, é preciso que conheçamos também esse outro lado da história do país. Ou seja: faz-se necessário que vislumbremos um versão do Tio Sam que não a de glórias e conquistas extraordinárias. E por incrível que pareça Dreamland, filme do diretor Miles Joris-Peyrafitte, que eu estou querendo assistir já há algum tempo e só agora consegui, me fez pensar exatamente nisso.
Acompanhamos a trajetória de Eugene Evans (Finn Cole), que desde criança é testemunha da dificuldade pela qual seus pais passam para sobreviver no Texas em crise financeira. Aquilo que a natureza, com suas tempestades de deserto, não destruiu os bancos fizeram o favor de tomar. A mera palavra sobrevivência ganha uma nova conotação num lugar como esse, em que simplesmente colocar comida na mesa já é uma enorme façanha. Nem mesmo seu pai biológico aguentou o rojão e preferiu ir embora, deixando a esposa e o filho para trás.
Por isso, qualquer trabalho ou missão que consiga levar o tempo das vacas magras para longe é visto com bons olhos. E nesse exato momento a melhor oportunidade em voga é a recompensa para capturar a ladra de bancos Allison Wells (Margot Robbie), que se encontra foragida. E a princípio é exatamente isso que o garoto faz, acompanhado do amigo, em meio a uma multidão de desesperados como ele. Tudo para salvar a fazenda da família.
Quando descobre que a fugitiva está escondida em seu celeiro ele prefere desacreditar da versão vendida pela polícia e os tabloides sensacionalistas (no caso, a de que ela seja uma assassina fria e calculista, chegando a tirar a vida de uma criança em seu último assalto) e se propõe a ajudá-la a fugir para o México.
Entretanto, ao longo dessa jornada ele entenderá a duras penas que nem toda verdade é fácil de ser dita como se aparenta.
E é nesse momento que uma frase dita a ele por Allison durante uma de suas conversas faz todo o sentido para entender a realidade que os EUA passa naquele período: "Eugene, esta aqui é a terra das consequências". E ela está cobertíssima de razão.
O grande legado proposto pelo longa, que é estiloso e bem produzido, é o fato de percebermos o quanto essa nação que sempre se vendeu como gigantesca e autossuficente para o resto do mundo também, quando precisa, recorre a artimanhas, crimes e a moral dúbia para realizar seus sonhos ou pagar suas dívidas. E nisso ela não difere de nenhum país emergente ou subdesenvolvido. Não mesmo. Ela perpetra atos sórdidos que podem levar a consequências ainda mais terríveis.
Talvez o único revés do filme surja para aqueles que esperam ansisos que Dreamland seja uma espécie de novo Bonnie & Clyde, cheio de tiroteios e perseguições. Diferentemente do longa dirigido por Arthur Penn, com Warren Beatty e Faye Dunaway na pele da dupla de ladrões, esta produção aqui não tem a mesma pretensão ou pegada.
Mas não se entristeçam totalmente. Há um interessante estudo de caso sobre o sofrimento humano presente aqui. Basta que os espectadores vejam a película de mente aberta e entendam que "a terra dos homens livres" - como eles bem cantam no seu hino nacional - também já passou por períodos tenebrosos e nem sempre foi essa potência mundial que vemos alardeada pela grande mídia.
Para completar o pacote da diversão, vale pela beleza apaixonante da Margot Robbie e a interessante reconstrução histórica bem como o design de produção.
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