Na verdade, para começo de conversa, o título é uma grande provocação, pois ele com certeza foi muito mais do que apenas o filho do Rei do Baião, Luiz Gonzaga. E digo mais (mesmo sabendo que irei desapontar muitos fãs do Gonzagão): embora adore o Forró que eternizou o pai, de "Asa Branca" à "Danado de bom", sempre fui mais fã do filho. Seu cancioneiro tinha mais a minha cara, o meu jeito de pensar e ver o mundo.
Acreditem: Gonzaguinha, que nos deixou completa hoje três décadas após um infeliz acidente de carro no interior do Paraná, vai deixar saudade na MPB. Muita saudade.
Eu tinha apenas 13 anos quando ouvi ele cantando pela primeira vez numa estação de rádio. A música em questão era "E vamos à luta" e quando ele disse na letra "eu acredito é na rapaziada..." eu tive a certeza absoluta de que estava falando comigo. Perguntei a meu pai, que estava na sala ouvindo comigo quem era aquele moço que cantava, e ele me disse: "esse aí é o Gonzaguinha, filho do rei do baião". E eu repeti na mesma hora: "o filho do rei do baião".
Procurei as músicas do pai dele pensando que Gonzaguinha seguisse o mesmo estilo. Não. Ele preferiu um caminho diferente, mas não menos brilhante. Daí para me encontrar, ao longo da adolescência, com canções memoráveis como "Grito de alerta", "Comportamento geral", "Sangrando" (que, para mim, sempre foi extraordinária), "O que é o que é?", "Lindo lago do amor" e "Eu apenas queria que você soubesse", entre tantas outras, foi um pulo. Melhor: um salto.
Minha mãe tinha um CD da coleção Bis com os melhores sucessos do cantor e compositor que eu praticamente roubei para mim, de tanto que eu o ouvi. Eu lembro até da minha irmã mais nova, irritada, perguntando toda vez que eu colocava o disco pra tocar: "você só sabe ouvir isso?". E o pior é que naquela época eu realmente só queria ouvir aquilo. E nada mais.
Gonzaguinha falou de praticamente tudo: do Morro de São Carlos (e como falou!), de palavras, das coisas da vida, das dores do palhaço, de meninos guerreiros, da fome crônica do país, da labuta diária do trabalhador, do índio alegre, de Geraldinos e Arquibaldos, de Santos e Silvas, dos garotos lendo revistas em banheiros, transformou até o feijão em protagonista musical de respeito. E um adendo pessoal: quando ela cantava samba, então, era um caso à parte.
Na música dele "a casa era grande e cabia todo mundo". Pena que uma parte da crítica musical e da imprensa volta e meia preferia rotulá-lo como antipático, como pouco afeito ao meio social. Nunca percebi isso nele. Na verdade, eu sempre o enxerguei como alguém que não perdia tempo com as tolices da mídia tendenciosa e alienada e preferia gastar sua energia trabalhando à dar papo àqueles que confundiam meio artístico com vida vazia e fútil. E com esses, sim, Gonzaguinha foi implacável, chegando a se retirar do recinto (perfil esse, aliás, que o filme do diretor Breno Silveira, Gonzaga - de pai pra filho, traz algumas nuances).
Não vou falar de sua relação problemática com o pai, pois isso os fãs de longa data já conhecem de cor e salteado. E, além do mais, este é um artigo-homenagem.
Em 2019 a escola de samba Império Serrano escolheu a música "O que é o que é?" como seu enredo e teve reações divididas, entre os que gostaram da ideia e aqueles que acharam um erro. Mais Gonzaguinha que isso, que era um provocador nato, impossível...
Entretanto, depois de tudo o que eu disse até aqui, não posso deixar de mencionar um fato importantíssimo. Acredito piamente que minha admiração por Gonzaguinha tem muito a ver com uma característica específica: sempre vi em seu semblante e postura a cara viva do povo, que sai pra trabalhar todo dia, se fode, ganha mal, está sempre na berlinda e não foge da luta. E isso era completamente diferente de tudo o que eu via em muitos artistas nacionais daquela época. Não fosse assim, talvez o tivesse deixado pelo meio caminho como tantos outros.
A sociedade brasileira não faz a menor ideia da falta que um artista como ele está fazendo no atual momento que o país vive. E isso, sem sombra de dúvidas, é uma lástima irreparável que eu espero que um dia se corrija.
Fica com Deus, mestre. Sempre!
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