Música é uma coisa louca, não é mesmo? Quando menos se espera ela subverte completamente a lógica e explode qualquer resquício de convicção que nós tínhamos até então.
E o mercado fonográfico está certo em dizer que há artistas e artistas. E cabe a nós, ouvintes, decidirmos o que realmente nos interessa musicalmente ou não e também entender quando o artista entra naquele momento da carreira que antecede uma virada.
A cantora Pitty, por exemplo, me interessou desde que a ouvi pela primeira vez na rádio (digo, na época em que eu ainda ouvia rádios comerciais, antes da popularização do you tube e do Spotify). Artista baiana que preferiu a fúria do rock ao axé e ao trio elétrico que Dodô e Osmar eternizaram. E desde o primeiro momento eu percebi nela um percentual de revolta bastante controlado, não evidente, que fazia com que o seu charme (e, lógico, sua voz) aflorassem.
O tempo passou, a cantora gravou os encantadores Admirável chip novo (2003), Anacrônico (2005), Chiaroscuro (2009) e Setevidas (2014), bem como seus álbuns ao vivo, de turnê, e o projeto paralelo Agridoce. E eis que chega a hora de desbravar um novo caminho.
O nome dele: Matriz, gravado no ano passado. E eu percebo uma pegada diferente. Daquelas que me fazem pensar na hora: "eu preciso ver a versão show disso, ouvir a moça cantar diante do seu público e só então tirar ou confirmar minhas próprias conclusões". Mais: eu consigo ouvir uma cantora modificada, remodelada.
E eu estava certo.
Matriz ao vivo na Bahia, realizado um ano após a versão de estúdio, é o momento reload de Pitty. De recarregar as baterias, fazer as pazes com o passado glorioso, entender tudo o que funcionou até agora, antes de seguir em frente rumo a um novo horizonte. E ela se sai extremamente bem nessa função, sem deixar de lado sua postura de protesto e as letras ácidas.
Para os fãs do óbvio, do comercial, aqueles que querem a confirmação de suas expectativas, há muito do que se orgulhar aqui. Seus maiores sucessos - "Memórias", "Na sua estante", "Teto de vidro", "Dançando", "Equalize", "Me adora", "Máscara", entre outros - estão presentes em apresentações arrepiantes. E o público canta junto o tempo todo.
Já para quem busca novidades e desvios de rota há também um momento desabafo total (quem ouvir o disco vai saber do que eu estou falando na hora!) pelo caminho equivocado que o país vem tomando nos últimos anos. A própria cantora diz antes de tocar a música que "não imaginava que fosse precisar cantá-la de novo, que preferia deixar o passado no lugar dele", mas às vezes o que a vida nos propõe é não abandonar a batalha. E com isso ela transforma a canção num manifesto estiloso, que arrebata aplausos de seus fãs.
No final das contas e, ao fim de mais de uma hora e quarenta de puro rock e adrenalina, nos deleitamos com o que a MPB - quando quer - pode oferecer de melhor. Sim, eu falei MPB. Rock nacional também merece essa classificação, embora muitos fanáticos do gênero não gostem de ouvir essa correlação (e isso é problema exclusivo deles!).
Matriz ao vivo na Bahia é intenso, é melódico, é ternura, é música da mais alta qualidade, mas principalmente, é aquele mergulho que precisamos dar antes de tomar a decisão de mudar todo o trajeto e pegar um novo caminho. E Pitty está pronta para essa nova travessia, pois pesquisou, se atualizou, buscou novos ritmos e parceiros. Como disse no título deste artigo: fez um interessante reloading.
Qual será o próximo capítulo desta história? Esta é melhor parte: o tempo dirá. E ela, com certeza, não tem a menor pressa de vê-lo chegar.
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