Provavelmente já disse isso em outros artigos que fiz sobre cinema, mas não custa nada enfatizar: minha relação com a sétima arte começa através daquilo que o mercado audiovisual costuma chamar rotineiramente de filme B. E acreditem: eu vi de tudo um pouco nesse sentido. Desde filmes sobre kickboxing sem pé nem cabeça até os famigerados midnight movies. E quem, como eu, acompanhou os anos 1990 e a famosa sessão das dez no SBT (que sempre começava depois da meia-noite) certamente acompanhou de perto o "melhor do pior" da arte cinematográfica. O que, claro, não significa que essas produções deixaram de ganhar a pecha de cult.
Contudo, há um momento divisor nessa minha jornada cinéfila e ele acontece quando conheço de perto a cinematografia do diretor Alan Parker. Com ele entendi, enfim, a chamada política de autor que povoou a cabeça de diretores como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Brian de Palma e toda a geração da nova hollywood dos anos 1970 (em alguns livros você encontrará essa rapaziada classificada também como geração easy rider). E olha que nem americano ele era! Mas reafirmo: pouquíssimos são mais autorais do que ele.
Dito isto, é com enorme pesar que abro o computador e descubro que o diretor faleceu hoje aos 76 anos. Poucas vezes disse isso nos "obituários" que fiz até hoje sobre diretores de cinema, mas o cinema mundial perdeu - eu, pelo menos, entendo assim - um de seus artistas mais versáteis.
Parker era um diretor completo, capaz de trabalhar com qualquer gênero ou narrativa e percebi isso logo de cara no primeiro filme dele que vi. Tratava-se de Quando as metralhadoras cospem, com uma Jodie Foster ainda criança. Era um filme de máfia infantil. Não, é isso mesmo que vocês leram. Procurem na internet quando puderem. É sensacional!
Eu era moleque viciado na sessão da tarde da Globo e sempre que a película era reexibida eu a reassistia. Mas no ano seguinte eu me deparo com O expresso da meia-noite (naquela sessão das dez no SBT, lembra?) e tudo mudou. Eu me tornei um obcecado pelo seu trabalho.
A seguir vieram as VHS - DVD não havia ainda nessa época - do musical Fama, com a voz inesquecível de Irene Cara, e Pink Floyd - the wall, sobre o álbum seminal da banda de rock. Mas eu cortei foi um dobrado mesmo para assistir The Commitments - loucos pela fama (detalhe puramente fanático: eu tenho uma playlist no spotifiy com as músicas que eu ouço o tempo todo e nela consta a canção "mustang sally", que faz parte da trilha sonora desse filme).
Acham que acabou, que já está de bom tamanho? Que nada. Como eu poderia terminar este texto sem mencionar os extraordinários Coração satânico e Mississipi em Chamas. Dois filmes obrigatórios a meu ver na formação cinéfila de qualquer espectador que se preze.
O Oscar que ele merecia infelizmente não veio (na verdade, o Oscar sempre custa a vir para os melhores, isso quando vem) e confesso que ele acabou perdendo o fôlego com o passar dos anos. Evita, seu polêmico musical sobre Eva Perón estrelado pela cantora Madonna, e A vida de David Gale - seu último longa, rodado em 2003 - são a prova viva disso. Resultado: ele se afastou dos sets e eu acabei órfão da ausência de seu talento nas telas.
De oficial sobre sua morte só se sabe que estava doente (já qual doença, especificamente, não há detalhes). Entretanto, fica eternamente o legado de um estupendo artista que não se rendeu a formatos ou mesmo franquias. E tenho a sincera impressão de que ele não se encaixaria nesse mercado audiovisual de hoje. Talvez o considerasse gigantesco ou sobrenatural demais. Enfim...
Que dirija seus longas fantásticos agora lá do céu (que, por sinal, tem ótimos atores lá em cima, alguns inclusive acabaram de chegar).
Fica com Deus, mestre!
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