domingo, 12 de julho de 2020

A fama é passageira


Eu nunca entendi - e provavelmente nunca entenderei - a fixação da humanidade com a fama. Sempre a considerei transitória, um estágio dentro da existência "de algumas pessoas", algo com prazo de validade definido. E qualquer pessoa que construa sua vida em torno dela sempre me pareceu, à primeira vista, um louco, um insano total. Digo isso porque faz parte disso que chamamos de vida os altos e baixos, os percalços. Do contrário, não aprenderemos nada em nossa passagem por esse plano. 

Infelizmente esse primeiro parágrafo é o suficiente para que muitos adoradores desse meio por vezes mesquinho me vejam como um inimigo, um traidor ou um derrotado. Mas honestamente... Eles não me assustam mais. Na verdade, são dignos de pena isso sim. 

E por que decidi falar sobre isso justo hoje? Porque o canal brasil (a cada dia me torno mais fã de sua programação!) passou essa semana na mostra In-Edit Brasil, dedicada à documentários musicais, o interessantíssimo e elucidativo Strike a pose - a vida após Madonna, dos diretores Ester Gould e Reijer Zwaan. E fez com que eu, mais do que nunca, prefira permanecer afastado do mundo das celebridades efêmeras. 

Strike a pose nos traz a história - melhor dizendo: o reencontro após duas décadas e meia - de Luis Camacho, Jose Gutierrez, Kevin Alexander Stea, Salim Gauwloos, Carlton Wilburn, Oliver Crumes Jr. e Gabriel Trupin, todos eles membros da trupe de dança da cantora Madonna durante a turnê Blond Ambition em 1991 (que gerou também o documentário Na cama com Madonna, do diretor Alek Keshishian). 

A turnê em questão é até hoje considerada o ponto alto da carreira da diva do pop e levou seus dançarinos a um patamar nunca antes visto. Eles eram tão exaltados no meio quanto a própria cantora. E até aí, nenhum problema nisso. Afinal de contas, eram artistas de uma extrema competência e habilidade. Contudo, no mundo do show business é preciso estar preparado para o dia seguinte (e acreditem: por mais que os artistas não queiram, ele sempre dá as caras). 

A temporada com Madonna, e todos os luxos e privilégios possíveis e imagináveis, passa e o que vêm a seguir é o ostracismo e um hiato que se prolongou por praticamente toda a vida deles. E, para algumas pessoas que não entendem nada do ramo, parece chegar aquele momento em que eles, os dançarinos, precisam "ser gratos por tudo o que conquistaram e aceitar a derrota". Falar é fácil. Agora pergunte aos dançarinos. 

Resultado: brigas nos bastidores, processos, o uso de drogas, a AIDS (que dizimou grande parte daquela geração), o fato de serem quase todos homossexuais num país que simplesmente os abominava - e abomina até hoje, a falta de perspectiva para prosseguir a carreira num meio tão competitivo como esse, enfim, as desilusões típicas de quem viu o paraíso de perto e agora não consegue um novo trabalho no setor. Ou em outras palavras: o sonho acabou, e agora? O que fazer a seguir?

A parte dos testemunhos dos dançarinos - menos o de Gabriel, já falecido - lembra em muitos aspectos o dos atores de Cidade de Deus - 10 anos depois, de Cavi Borges e Luciano Vidigal. Eles também viveram uma revolução do dia para a noite com o filme homônimo de Fernando Meirelles, que chegou a concorrer a quatro categorias no Oscar, mas logo a seguir precisaram conviver com a triste realidade de que, para muitos do elenco, não houve propostas posteriores de trabalho. E teve até gente que entrou para o mundo do crime. Detalhe: ainda por cima advogava contra eles o fato de não serem, naquela época, atores profissionais. O que dificulta ainda mais o processo. 

E bem ou mal, a maioria dos dançarinos de Madonna tinha formação em balé, em dança clássica (salvo apenas um deles, cria do hip-hop). 

Entretanto, isso não foi suficiente para mantê-los no palco. E olha que tentaram! E é justamente na frustração por não conseguir essa segunda chance que nos deparamos com uma interessante reflexão sobre o legado da fama e a confirmação da frase que já se tornou clichê no meio artístico: a fama é passageira. E vou além: ela, a fama, nunca foi sinônimo de carreira. Pena que muitos não consigam entender isso!

O documentário termina num tom de acerto de contas entre esses homens talentosos que tiveram de lutar duramente com a vida e apanharam muito. E o que se percebe é que eles, enfim, entenderam sua participação nessa indústria cultural. Eles tiveram o seu propósito, deram o seu melhor, atingirem o seu ápice e agora precisam sair de cena. Because the show must go on. 

Enquanto os créditos finais são exibidos, fico me perguntando o que a cantora achou do filme. Ela não é totalmente exaltada no documentário e acredito piamente que seus produtores na época não gostaram nada de determinadas declarações dadas aqui. Eu realmente gostaria de saber qual a sua opinião sobre esse projeto. 

Mas enfim... Não se realiza um filme com essa intenção sem, de alguma maneira, deixar pontas soltas. E isso também faz parte do show business.

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