quinta-feira, 23 de julho de 2020

Magistério não é para principiantes


Sou formado em comunicação social há uma década, mas antes disso cheguei a fazer dois anos de Licenciatura em Letras (português-inglês). E o principal motivo que me fez desistir do curso na época foi a terrível realidade pela qual milhares de professores passam dia a dia. Entra ano, sai ano e não vejo o nosso país se tornar modelo de educação. Longe disso! Preferimos ser uma reles fábrica de diplomas e acredito piamente que este problema começa no ensino fundamental e médio, ambos extremamente mal-estruturados (com vistas a piorar no futuro). Logo, nunca me vi com vocação para encarar essa batalha. 

Dito isto, foi com grande deleite - mas sem perder a preocupação - que assisti pelo you tube, em tempos de pandemia nos oferecendo grandes oportunidades teatrais online, o excelente Conselho de classe, espetáculo da Cia. dos atores escrito pelo dramaturgo Jô Bilac e dirigido pela dupla Bel Garcia e Susana Ribeiro.   

A história se passa na Escola Dias Gomes, localizada no centro do Rio, e vive os dias posteriores ao afastamento de sua diretora (o motivo: uma confusão envolvendo alunos vândalos e depredação do patrimônio público). A direção-geral envia ao local um substituto, que se reúne com as poucas professoras dispostas a voltar à instituição para tratar do futuro (da escola, bem como dos alunos). 

São elas: Eliomara (César Augusto), Célia (Leonardo Netto), Paloma (Marcelo Olinto) e Mabel (Thierry Trémouroux). Não, meus caros leitores! Vocês não estão lendo nada errado. As professoras em cena são interpretadas por atores, do sexo masculino. E desde já adianto: achei de uma sacada genial, pois leva a discussão sobre a falência do magistério a um patamar muito maior do que mera discussão de gênero.  

Como definir uma pauta que abranja pais e filhos, que os faça participar da rotina escolar de maneira mais próxima; disputa de egos entre professores carreiristas (ou seja: aqueles que visam unicamente seus diplomas e futuros profissionais) e aqueles que ainda vêem um futuro digno para a educação brasileira; o funcionalismo público ultrapassando a barreira do bom senso e agindo como se fosse o detentor da verdade quando o assunto é educação (em outras palavras; quando se perde a noção do que é público e o que é privado)... Todas essas e outras tantas questões que versam sobre as micro e macro políticas educacionais estão presentes aqui sem perder, é claro, o bom humor. 

Digo mais: o humor - aqui, mais do que sarcástico - cai como uma luva dentro da narrativa ácida de Bilac, pois sinceramente não acredito que conseguiria assistir a peça até o fim se ela fosse simplesmente um drama seco, amargo. São os momentos de gargalhada e ironia fina que me mantiveram presos ao tema, bem como a encenação. 

Esqueci de mencionar uma passagem importante: o espetáculo abre com a voz em off da atriz Drica Moraes destilando um monólogo acre sobre a maneira desastrada como nosso sistema educacional vem lidando com o problema do ensino no país. O texto em questão contou com a colaboração pedagógica de Cléa Ferreira, e é de uma atualidade assustadora (embora a montagem tenha sido realizada em 2014, logo antes da última eleição presidencial e das discussões sobre a maneira como os estudantes brasileiros vêm sendo instruídos - na visão de parte da sociedade). 

Também gostei muito dos cenários criados por Aurora dos Campos, pois tive a sensação, em alguns momentos, de estar vislumbrando uma grande bagunça. Pareceu-me que ela quis dar uma conotação de baderna ao local. Não sei se foi isso mesmo ou apenas eu, como sempre, enxergando demais e tirando conclusões prematuras...

Ao fim, enquanto os espectadores ovacionam o elenco (ovação, é bom que se diga, merecidíssima!), chego mais uma vez - assim como aconteceu na época da faculdade - à conclusão de que magistério não é para principiantes, que dirá para alguém  como eu, pouco afeito à guerras ideológicas e partidarismos ganhando força num terreno onde, honestamente, eles não deveriam se meter. Pelo menos, não desse jeito. 

Esta é a quinta peça de Jô Bilac que eu assisto, em êxtase. É um de nossos melhores dramaturgos contemporâneos e sempre está à procura de temas que mexam com os brios do público, mas sem soar taxativo ou panfletário. E não vejo a hora dessa pandemia acabar de vez para voltar aos teatros e ver o que ele irá aprontar a seguir. 

Criem logo essa vacina, pelo amor de Deus!

P.S: para quem quiser conferir o espetáculo online, entre em https://www.youtube.com/watch?v=BK-Wyu2FYaI

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