Copacabana é a eterna princesinha do mar, é o bairro que embalou a bossa nova, Tom, Vinícius e João Gilberto, é também o Rio de Janeiro que serviu de base para que o escritor Fausto Fawcett explicitasse de forma poderosa seu "purgatório da beleza e do caos" como bem o fez na canção Rio 40 graus. E isso só para falar o mínimo necessário nesta abertura (pois ela, vocês sabem, é bem mais do que isso!)
Em suma: Copacabana é múltipla, é duas ao mesmo tempo, lutando entre si com unhas e dentes. A primeira, maravilhosa, de dia, praias lotadas, sol a pino, mulheres deslumbrantes em micro biquínis, surfistas na praia do diabo, o arpoador, o leme, os quiosques, frescobol, futevôlei na areia, o Copacabana Palace (que já abrigou milhares de estrelas nacionais e estrangeiras), etc etc etc. Já a segunda, mórbida, escusa, começa a dar as caras assim que a noite vem chegando, enxerida, travestis e prostitutas disputando espaço na orla pelo melhor cliente, o Frank's bar cheio de turistas, a outrora danceteria Help (hoje extinta), point dos que procuravam uma noite de prazer. E, claro, punguistas, michês, bandidos de todas as espécies e etnias. Para dar e vender.
Sempre me perguntei se conseguiriam traduzir o bairro em outros tons, transpô-los para outras plataformas. Rogério Sganzerla a desenhou de maneira interessante em Copacabana mon amour, um de seus longas mais emblemáticos. Mas anteontem, ao terminar de ler a graphic novel Copacabana, da dupla gaucha Lobo e Odyr, me dei conta de estar diante de um retrato preciso e coeso desse bairro contraditório por natureza.
Diana, a prostituta que "protagoniza" esta narrativa quase pulp, é apenas um mero detalhe, um fio condutor dessa saga, esse quase ensaio sobre o desespero humano. Digo isso porque os leitores deste trabalho precisam mesmo é prestar atenção na grande fauna que circula pelo bairro, tramando planos sórdidos e estratagemas antiéticos, fazendo o que podem (e o que não podem também) para sobreviver a qualquer custo.
Não se trata de uma história sobre a elite carioca e a sua realidade privilegiada, muito menos algo na linha Edifício Master, do documentarista Eduardo Coutinho. Não, meus caros amigos. Copacabana fala mesmo é daqueles que muitos moradores autênticos do bairro adoram rotular de invasores ou intrusos. Daqueles que necessitam do bairro para sobreviver ou, ao menos, chegar vivo ao dia seguinte e ao próximo e ao que virá depois deste. Pois para estes só existe a máxima "um dia de cada vez".
Portanto, a melhor analogia que eu consigo fazer sobre a recriação desse local em formato hq é a seguinte: trata-se de um zoológico à beira-mar, repleto de almas perdidas, sufocadas, procurando ar para respirar e, muitas vezes, não encontrando a quantidade necessária de oxigênio que as sustente. Triste, não? Pois é: a realidade também. O típico caso a arte imita a vida ou vice-versa.
Não se iludam com a crueza dos quadrinhos em preto-e-branco, distorcidos, quase versões opacas de seres humanos. Acredito piamente que isso seja intencional da parte do desenhista Odyr (que, por sinal, pegou esse projeto - que levou sete anos para sair do papel - no meio do caminho). Para mim ele quis fugir da questão estética, da beleza superficial, para que nós, leitores, conhecêssemos o lado b do bairro, a parte suja que os tabloides e programas televisivos, quando mostram, é volta e meia de forma suavizada, não tão gritante.
Já a narrativa de Lobo é impecável, cheia de expressões de baixo calão, gírias as mais diversas, o coloquialismo puro e simples como protagonista brilhante - e necessário - desse que é um trabalho praticamente underground.
E enquanto nos deparamos com cafetões macabros chantageando suas "funcionárias", contadores inescrupulosos bolando um novo plano antiético para enriquecerem ainda mais e a lente nua e crua que sobrevoa o mundo da prostituição e das drogas, eu me pego em êxtase com a coragem e o brilhantismo da dupla de artistas (e já começo a procurar no google para saber se há outros álbuns feitos a quatro mãos por eles).
Ao fim de mais este deleite literário (sim, os puristas que se danem: quadrinhos também é literatura) me pego novamente pensando no quanto nossos leitores mais jovens, a priori público-alvo deste formato, perdem tempo lendo baboseiras sobrenaturais com heróis de plástico e acabam por deixar de lado pequenas joias como essa. Graphic novels como Copacabana deveriam ser levadas para a sala de aula, serem estudadas por especialistas em antropologia social, e não simplesmente ficarem escondidas em estantes de megastores em locais onde, muitas vezes, jamais serão encontradas para beneficiar as majors do setor. Pois isso, sim, é uma calhordice.
Sem comentários:
Enviar um comentário