Eu já fui traído pela vida ao acreditar num amor que não existia, num amor que somente eu senti. Mas quem nunca, não é mesmo? Hoje, passadas quase duas décadas, acredito que o amor é a grande incógnita disso que chamamos de vida. E mais: tornei-me um admirador quase psicanalítico de histórias sobre ele. Sejam no cinema, no teatro, em livros os mais diversos, até mesmo em exposições. Onde quer que o amor esteja, traduzido nas mais diferentes vertentes, eu corro atrás. Mesmo. E às vezes me surpreendo, mesmo.
Com a série da globoplay Todas as mulheres do mundo, de Jorge Furtado e Janaína Fischer, e abertamente inspirada no filme homônimo do cineasta Domingos Oliveira, aconteceu exatamente isso. E nunca me senti tão alegre e envolvido com uma história dessas. Pareceu-me, em muitos momentos (logicamente não os sexuais!), ver a minha própria trajetória.
Paulo (Emílio Dantas) e Maria Alice (Sophie Charlotte) se amam. Se é possível um casal acima de qualquer suspeita, são eles dois. São o típico casal "eles foram feitos um para o outro". E mesmo assim falham, erram, falam demais, perdem o clima, o tom, exageram, em suma, se perdem. E nem por isso deixam de tentar de novo. E justamente quando tudo parecia caminhar para o happy end Maria Alice, que estuda Balé, ganha uma bolsa e vai para Berlim. E nesse exato momento começa a saga de redescoberta de Paulo.
E essa redescoberta vem na forma de inúmeras mulheres sensacionais: Adriana, Stella, Elisa, Laura, Martinha, Giovanna (sua mãe), Renata, Pamela, Gilda, Sara, Natália, Pink... E com cada uma delas ele sofre, se arrepende, se apaixona, enlouquece. E mais do que isso: se reinventa.
São muitos os desafios de Paulo. Afinal de contas, são mulheres tão complexas quanto ele próprio. A que se enche de drogas lícitas e ilícitas e não consegue ser feliz sem elas, a obcecada pela fama e pela própria imagem, a trapezista libertária que faz análise para lidar com a traição do marido, a garota de programa cheia de dúvidas, mas que não sai do personagem da mulher forte, independente, a que acredita no poliamor e não nessa coisa "ultrapassada" que o heterossexualismo impõe há anos, até mesmo a melhor amiga, Laura (Martha Nowill), que se acha quarentona, superada, abandonada pela vida... E a cada tropeço, a cada término, a cada fossa. uma certeza paira a cabeça de Paulo: o amor é uma selvageria, não tem a menor coerência.
A frase é de seu amigo de longa data, Cabral (Matheus Nachtergaelle, ótimo!), que sob a máscara de um derrotismo latente, abandonado pelo grande amor de sua vida, incorpora de forma brilhante um Zorba, o grego - personagem eternizado no cinema pelo extraordinário Anthony Quinn - versão tupi-guarani com direito a maços e maços de cigarros. É dele que surgem as grandes frases, os grandes questionamentos. Ele transpira lucidez pelos poros. Ah! E como o mundo anda precisando de lucidez!
Maria Alice regressa, eles se casam, e novas dúvidas tomam a ribalta de assalto. Ninguém nunca prometeu que seria fácil. E não é. Porém, eles não conseguem viver um sem o outro. É simplesmente impensável. E é dessa impossibilidade que o amor se nutre. É dessa forma que ele nos joga contra a parede, revira os móveis da nossa casa, confunde nosso inconsciente. E que, pelo amor de Deus, continue assim! Pois de exato mesmo nessa vida só a morte e desta eu quero mesmo é distância.
Ao fim de 12 episódios irretocáveis chego à conclusão de que não foi de todo mal aquele amor não correspondido 20 anos atrás. Ele foi, isso sim, necessário. Quando vi pela primeira vez Eu sei que vou te amar, de Arnaldo Jabor, eu tinha meros 16 anos, e cheguei à conclusão de que o amor era uma explosão mental, um torpedo querendo nos atingir a qualquer custo. Agora, quase três décadas depois, calvo, vejo em Todas as mulheres do mundo que esse sentimento é ainda mais complicado: ele é uma grande catarse, quase um jogo de xadrez, porém indispensável para que consigamos seguir em frente e encontrar o nosso lugar por aqui, enquanto estivermos por aqui. Valeu, Domingos! Por esse presente.
E você, que leu este texto, viu a série como eu, e ainda assim não ficou satisfeito, chegou a chamar de pornografia barata? Assiste de novo. Você provavelmente não entendeu uma vírgula sequer...
P.S (eu quase esqueci e nunca ia me perdoar por deixar isso de fora): a trilha sonora da série, Marisa Monte, Nara Leão, Elza Soares, Rita Lee, Alcione, Maria Bethânia, Elis Regina, Cássia Eller... É um caso à parte. Não somente embala o amor de Paulo e Maria Alice como tem vida própria. Ouçam a temporada toda, com carinho. Elas merecem!
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