Cada vez mais difícil ouvir boa música. Muito hit parade gratuito, babaca, apelativo, sexista e pouquíssimas - digo mais: raras - experiências musicais de qualidade. Mas o próprio país, leia-se a sociedade, é também culpado disso. Gostamos de música para dançar, berrar, repetir expressões e jargões chulos. Poucos são os brasileiros que de fato "ouvem" boa música, seja nacional ou estrangeira.
E quando o assunto, então, é escrever sobre música, fica ainda mais difícil encontrar grandes autores. É de contar nos dedos. Arthur Dapieve é um desses. Conheci seu trabalho através do livro O trovador solitário, sobre um período específico do início da carreira do cantor Renato Russo, vocalista do Legião Urbana. Desde então virei fã assumido e sempre que sai algo novo dele, corro atrás nas livrarias.
Quando me deparei nas prateleiras da Saraiva com um exemplar de Do rock ao clássico - 100 crônicas afetivas sobre música, comprei de olhos fechados, sem nem mesmo ler a sinopse. E valeu, ah se valeu!, cada segundo. Eu fiz a leitura render o máximo que pude, pois não queria que o livro chegasse ao final e quando ele chegou quase fui às lágrimas. Praticamente uma enciclopédia sobre boa música em todos os gêneros.
O livro é dividido em cinco tomos: Rock, Brock, Músicas populares, Black music e Clássicos. E a cada um deles me deparei com experiências gratificantes, quase mediúnicas, sobre artistas magnânimos, que deram suas vidas para realizar um legado musical majestoso.
Dapieve abre os trabalhos trazendo o Nirvana de Kurt Cobain e toda a revolução que o grunge trouxe para o universo rock n' roll (e bem fez ele, que quer ficar de boa com os jovens e fanáticos roqueiros logo de cara). Mas a banda de Seatle é só um pretexto para que ele entre de sola no mundo do rock e logo nos traz Roger Waters (para ele, o gênio do Pink Floyd), Joy Divison (banda que inspirou Renato Russo), Radiohead, System of a down, Lou Reed, Morrissey (o cabeça dos The Smiths), David Bowie, Bob Dylan e até mesmo a sempre magnífica Amy Winehouse (eu sei... vai ter roqueiro enjoado reclamando, mas cá entre nós, ela merece!).
Na segunda parte, ele apela para a nostalgia da geração que navegou pelos anos 80 e 90 e ouviu, curtiu e repetiu à exaustão bandas como Plebe Rude, Capital Inicial, Fausto Fawcett e os robôs efêmeros, Paralamas do Sucesso, RPM, Barão Vermelho, Ultraje a Rigor, Kid Abelha, Gango 90 e as Absurdettes, Titãs, Blitz, Ritchie, e ainda inclui na conta a magistral Cássia Eller e o mais recente fenômeno dos Los Hermanos.
E depois de tanta pauleira, pedras rolando, o legado do rock in rio, ele adentra o universo inesgotável da MPB. Roberto Carlos, Bossa Nova, Jorge Drexler, Dorival Caymmi, Chico Buarque, Maria Bethânia, o recém falecido e genial Aldir Blanc, Paulinho da Viola, Fagner, música caipira, Clube da Esquina... Ufa! Só o terceiro módulo merecia um livro todo para si (e espero que Dapieve o faça um dia).
Ele emenda na black music e mexe de vez comigo (sou suspeito para falar desse segmento, pois ele sempre influiu muito na minha formação cultural, principalmente o blues e o soul). Bill Evans, Paul Desmond, a guitarra falante de Jimi Hendrix, o rebolado inconfundível de James Brown (o Mr. Dynamite), Muddy Waters, Rolling Stones em Copacabana, Keith Jarrett, até o álbum de Tony Bennett e Lady Gaga (Cheek to cheek) deu as caras e me surpreendeu, quando eu o ouvi no spotify. Só senti falta foi de Aretha Franklin, um gosto que adquiri por conviver com meu pai, fã confesso da cantora.
As últimas páginas chegam e minha apreensão idem. Bach, Beethoven, Mozart, Handel mostram suas garras centenárias e mostram que continuam mais atuais do que nunca. Contudo, malandro que só, Dapieve aproveita a deixa e para não terminar o livro de forma que os mais jovens o rotulem de melancólico, chato ou triste, insere histórias curiosas envolvendo a dupla Sacco e Vanzetti e o grupo de humor londrino Monty Python. Achei de uma grande sacada!
Terminada a última página, e como disse num parágrafo anterior, órfão de mais (sim, eu queria mais, pelo menos umas 500 páginas), eu chego à conclusão de que Do rock ao clássico deveria ser leitura obrigatória entre os leitores mais jovens desse país. Ele não fazem a menor ideia do que seja boa música e estão perdendo grandes experiências por pura vaidade e arrogância regada a testosterona. O que é, definitivamente, um crime cultural.
E dito tudo isto só me resta ao fim do texto, lamentoso, perguntar: será que dá pra sonhar com um volume dois dessa pequena joia ou é pedir demais ao autor e à editora? Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.
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