Dentre as muitas coisas encantadoras que presenciei oriundas de hollywood, provavelmente a maior delas foi Judy Garland. Lembro-me da primeira vez que assisti em casa ao clássico O mágico de Oz, de Victor Fleming e George Cukor (e das outras dez seguintes também). Foi arrebatador. Ela era arrebatadora em todos os sentidos. E entrou para o projeto no meio do caminho - sua personagem, Dorothy, havia sido criada para Shirley Temple, que acabou recusando o papel - para transformá-lo num obra seminal.
Havia uma aura mista de brilhantismo e apreensão na interpretação de Judy. E lembro-me que passei anos me perguntando se havia algum fantasma guardado no armário daquela mulher, pois somente isso explicaria tal antítese de sentimentos. Tudo parecia me dizer que sim.
Os anos se passaram e como todo talento que se preze, além de estrela Judy tornou-se difícil, exigente, quase impossível. Mas não foi a única. Fazia parte de sua geração todo esse estrelismo latente. Entretanto, eu continuava me perguntando quais seriam os seus segredos tão bem guardados. Cheguei a fazer figa à espera de que um dia um filme sobre esse aspecto da sua vida fosse feito.
Enfim, esse dia chegou pelas mãos do diretor Rupert Goold. E se chama Judy: muito além do arco-íris.
O recorte dado ao diretor não engloba o auge, a fama, as grandes personagens (embora Dorothy seja citada). Goold está, isso sim, mais interessado nos meses que antecedem sua morte. Nos traz uma Judy Garland falida, devastada, que vê seus filhos terem a guarda tomada dela, e principalmente: aquela na qual os estúdios não conseguem enxergar além de encrenca e confusão. Como último refúgio, para não sucumbir de vez à decadência, ela vai para Londres realizar uma série de shows. Mas as polêmicas, é claro, a acompanham.
Garland precisa lutar contra tudo e contra todos (inclusive seus próprios demônios) para provar sua genialidade e fugir da eterna imagem de artista inventada pelas majors. Contudo, é uma mulher que também acumula amarguras, dentre elas a de precisar estar disponível para todos (leia-se: a indústria) o tempo todo. Ela é o expoente vivo da cultura do "e o show não pode parar!" e isso deixa nela marca indeléveis. Quase nunca dorme e os únicos amigos de fato, aqueles que conhecem a sua verdadeira história, são as pílulas que toma a todo momento para aguentar o rojão daquela vida atribulada.
E nesse momento cabe aqui um aparte para parabenizar a atriz Renée Zellweger, que interpreta a cantora e atriz (e que ganhou merecidíssimamente um Oscar pelo trabalho). Ela capta de forma brilhante a dor, a angústia, o quanto teve de lutar para permanecer relevante dentro daquele meio. E mesmo assim, a todo momento, parece se perguntar: "será que eles nunca ficarão satisfeitos, nunca mesmo?". Em outras palavras: é uma mulher pela metade.
Porém essa metade, a que sobrevive, a que chega ao dia seguinte e ao outro e ao depois desse, é também refém do palco, da glória, dos holofotes. Não consegue absolutamente viver fora daquele mundo célebre, por mais que ele seja capaz de destruí-la num estalar de dedos, à hora que bem desejar. Judy Garland não veio ao mundo para ser Frances Ethel Gumm, uma mera dona de casa, mãe de família, bem casada. Não, meus amigos! Como bem diz no filme Louis B. Mayer, produtor de O mágico de Oz, ela veio ao mundo para brilhar.
E a consequência disso é uma vida de infortúnios, dissabores e sacrifícios os mais diversos e sem prazo de validade.
Quando o longa termina três sentimentos me perseguem: 1) não entendo porque demorei tanto para assistir essa relíquia, que tem a coragem de mostrar o lado humano de Judy sem soar piegas; 2) ele merecia mais destaque no Oscar, além da vitória óbvia de Renée; e 3) eu vou morrer e ainda assim continuarei a admirar o talento e a história dessa mulher brilhante, que fez milhões sonharem tão alto e ainda assim lutou contra a vida para conseguir esboçar um simples sorriso.
Quer mais? Então corram e procurem pelo filme no serviço de streaming mais perto. O verdadeiros fãs de cinema vão se surpreender!
Sem comentários:
Enviar um comentário