Coppola passeia do Império romano aos Estados Unidos da contemporaneidade numa fábula com contornos apocalípticos. Parece louco - e é. Mas que bom saber que o diretor por trás de clássicos da sétima arte como O poderoso chefão e Apocalipse now ainda é capaz de repensar e desconstruir o mundo que nos rodeia, independente de convivermos com uma sociedade cada dia mais alienada.
Em Megalópolis testemunhamos Nova Roma, uma sociedade que é o apogeu do hedonismo e da falta de caráter ou valores. Seu prefeito, Cicero (Giancarlo Esposito), só arrebanha críticas por seu governo desastroso, embora goste de se esconder atrás de falsa popularidade; a jornalista Wow (Aubrey Plaza) é o retrato vivo da imprensa marrom, mais interessada em ser o próprio espetáculo do que reportar os fatos; e Crassus (Jon Voight) é a acomodação visível de um sistema bancário que nunca pensa além do próprio umbigo - isso para ficarmos apenas nos exemplares indigestos mais visíveis.
Como contraponto a toda essa depravação moral, Cesar Caitilina (Adam Driver), a representação máxima do artista, do gênio; um homem capaz de parar o tempo e que deseja construir Megalópolis, a utopia definitiva. Mas como conseguir realizar tal sonho numa sociedade tão deteriorada e mais afeita à corrupção e aos prazeres efêmeros? A única que parece acreditar em seu talento é Julia (Nathalie Emmanuel), filha de Cicero. O que leva esse amor entre ambos a um impasse.
Como pano de fundo a realidade atroz como a conhecemos nesse século XXI cada vez mais contraditório: herdeiros ambiciosos que almejam o poder a qualquer custo (embora não possuam o menor talento para exercê-lo); falsas virgens sendo leiloadas em eventos milionários; o culto exagerado à cultura pop e seus mitos falaciosos; manifestações e revoltas populares pipocando em todos os cantos; e o povo, cada vez mais miserável e faminto, sem ter a quem recorrer.
Embora tenha flopado nas bilheterias e sido massacrado por inúmeros segmentos - incluindo o mercado exibidor, que se recusou a distribuí-lo, acusando o projeto de "anti-comercial" - confesso que as ideias de Coppola mexeram (continuam mexendo) comigo. Vi um realizador lúcido, no auge de sua forma e ciente dos problemas e mazelas pelas quais o mundo passa, e nada faz para corrigí-las.
Ao fim da projeção, enquanto alguns tediosos espectadores se retiravam detonando todo o projeto (pelas caras e vestimentas, certamente o tipo de público que normalmente comparece ao cinema só para assistir bobagens super-heroicas e filmes de bonecas, zumbis, vampiros, etc), e depois de ter assistido a algumas entrevistas do diretor para divulgação do filme na internet, saí curioso pelo próximo longa dele - que ele, aliás, disse que já tem um rascunho.
Megalópolis não é cinema para fãs da Marvel ou DC, muito menos àqueles que comparam filmes com Big Macs, pizzas, sabão em pó ou outros produtos de consumo perecíveis. É, isso sim, obra digna de reflexão e questionamentos os mais diversos por quem estiver interessado em repensar a realidade. Algo que anda em falta - e muito! - na sociedade contemporânea das últimas décadas.
Faltou dizer alguma coisa? Não. Faltou vocês assistirem o filme. Mas, de preferência, com a mente aberta. E não querendo colocar tudo na conta do mercado e dos lucros rápidos e exorbitantes. Nem sempre cinema é sinônimo de fenômeno de bilheteria. Falta à atual geração lucidez para entender isso...
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