"O Brasil contemporâneo tem um gigantesco fascínio por um passado que nunca passou de uma era tenebrosa e hipócrita; e simplesmente não dá pra entender o porquê disso". Essa foi a primeira coisa na qual pensei ao fim da projeção do extraordinário Ainda estou aqui, novo filme do diretor Walter Salles e representante do país na categoria melhor filme internacional do Oscar.
Acompanhamos a jornada de Eunice Paiva (Fernanda Torres, brilhante!), que teve sua vida colocada de cabeça para baixo depois que os agentes da ditadura levaram o seu marido, Rubens Paiva (Selton Mello), ex-deputado, para depor. A partir de então devotou sua vida a encontrá-lo ou, ao menos, descobrir o paradeiro do seu corpo.
Rubens nunca mais voltou para casa e, assim como ele, muitos outros pais de família, viraram "desaparecidos" segundo a lógica ditatorial, num país que adora fabricar ilusões. Escusa mesmo, nessas terras inglórias, é a verdade. Entretanto, sua esposa não desistiu de acreditar, de seguir em frente, voltou à faculdade, estudou direito, tornou-se referência na questão indígena e foi até as últimas consequências até descobrir que fim seu amado cônjuge levou.
Walter Salles - magnificamente - passeia do poético (a relação de Eunice e Rubens com os filhos) à catástrofe (os depoimentos insólitos, a catarse da violência proposta pelo regime militar, a sensação de vazio extremo em meio a uma realidade que se recusa a caminhar). E tudo isso conduzido de forma sublime por uma trilha sonora inebriante, uma fotografia de marejar os olhos e uma reconstituição histórica impecável.
E depois disso tudo ainda tem infeliz que abre a boca pra falar que o cinema brasileiro vai de mal a pior!
Ao fim da sessão sou pego por um sentimento dúbio: um misto de gosto amargo na boca por ver retratado um passado que não queremos rediscutir seriamente (e sim ovacionar cegamente e sem parâmetros), mas também as lágrimas orgulhosas de saber que a sétima arte do meu país ainda é capaz de produzir algo desse porte.
E como cereja do bolo ainda vislumbro a grandiosidade de Fernanda Montenegro, interpretando Eunice já no fim da vida, com Alzheimer, sem proferir uma única palavra, mas dizendo tudo com um simples olhar. Fantástica!
Como bem diz no twitter um meme ao qual associam o cineasta Martin Scorsese: "isso é cinema".
P.S: quase esqueço de comentar... que alegria poder ver na plateia da sala de projeção milhares de jovens, querendo saber mais sobre esse período negro, não se rendendo a um moralismo fútil e vazio, baseado em privilégios. Ainda é possível ter esperança no futuro, nunca é tarde (embora o mundo todo dia pareça contradizer essa frase com imagens terríveis). Assistam. O longa merece a presença de vocês.
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