domingo, 11 de outubro de 2020

Uma nova cartilha para os filmes de terror


Uma semana antes antes de assistir pela primeira vez O Iluminado, épico sobrenatural do diretor Stanley Kubrick, em VHS (sim, eu sei... Faz tempo isso!) um colega que morava na mesma rua que eu me emprestou o exemplar que tinha do romance homônimo, escrito por Stephen King. E eu praticamente surtei diante daquelas páginas. Não era a primeira obra de King que eu lia, mas certamente aquela que me tornou depois fanático pelo autor. Moral da história: nunca mais parei de acompanhar o trabalho dele. 

Termino de ler a á última página do romance, corro para a vídeo locadora e alugo a adaptação de Kubrick. E após quase duas horas e meia de puro estilo, glamour e técnica cinematográfica, penso comigo: "esse cara é foda". Porém, eu não sabia mais ao certo se o cara que era foda tratava-se de King, Kubrick ou Jack Nicholson (que interpreta o protagonista). No final das contas, e passados mais de 25 anos, chego à conclusão de que os três representavam um mesmo núcleo. E a minha vida como cinéfilo mudaria depois daquele dia para todo o sempre. 

Pois bem: O Iluminado, obra seminal do gênero terror no cinema americano, completa quatro décadas sem perder um milímetro de sua relevância e impacto no mercado cinematográfico. Mais: ainda é idolatrada - e, de certa maneira, copiada em alguns aspectos - por gerações e gerações de cineastas a procura de prestígio e renome. E isso acreditem! não é pouco. Longe disso...

A saga da família Torrance, cujo patriarca Jack (Nicholson, simplesmente brilhante), é contratado para trabalhar como zelador no Hotel Overlook durante o período de inverno, quando o estabelecimento permanece fechado, é das experiências mais surreais e também inusitadas da história de hollywood. 

E quando uso a palavra inusitada para me referir ao projeto estou falando das escolhas de direção e de narrativa feitas por Kubrick. O Iluminado simplesmente não se encaixa, em nenhum momento, em qualquer tipo de padrão proposto para o gênero até então. E esse é justamente o seu maior legado para a posteridade. 

Não esperem por um clima gore, cheio de cenas violentas e banhadas a sangue na linha de Quadrilha de sádicos, de Wes Craven, realizado três anos antes. Muito menos o artifício mais do que repetitivo do jumpscare (que, aliás, eu sempre detestei e o considero um recurso típico dos "sem originalidade" alguma, por isso precisam assustar o público o tempo todo). Nada disso. Aqui o sangue quando jorra da tela busca um reação mais emocional da plateia e os tais "sustinhos" rápidos dão lugar a silêncios incômodos e provocadores. Algo bem mais apropriado ao estilo do diretor de clássicos como Laranja mecânica e 2001: uma odisseia no espaço.

Detalhe também imprescindível: o longa é todo rodado em sets onde a claridade dita o tom da trama. Nada de escuridão aqui, permitindo que personagens furtivos apareçam escondidos atrás de alguma porta. Quando vemos, por exemplo, as irmãs Grady que assombram Danny, filho de Jack, eles são mostradas em toda a sua exuberância visual e não como meros espectros. E há todo um clima de antecipação por trás daquele silêncio avassalador e daquelas luzes excessivas, como se a família soubesse de antemão quando a tragédia irá de fato acontecer.

Em suma, o longa de Kubrick propôs, à sua maneira, uma nova cartilha para os filmes de terror. Cartilha essa seguida no cinema contemporâneo por longas recentes como Um lugar silencioso e Hereditário, o que prova o quanto suas ideias não envelheceram até hoje, tamanha a ousadia com a qual foram realizadas na época.  

Reza a lenda urbana sobre o projeto que Stephen King não apreciou tanto assim a adaptação de Kubrick, que o incomodaram as chamadas "liberdades criativas" propostas pelo diretor. Contudo, acho-as bem vindas no sentido de relerem um clássico sem a necessidade de realizar uma mera cópia do livro. E é inegável - pelo menos para mim - que o trabalho de Kubrick foi digno de um mestre da sétima arte. Acredito que pouquíssimos teriam feito um trabalho melhor. E nesse sentido, vejam o longa-metragem Doutor Sono, de Mike Flanagan, que se propõe em alguns momentos uma "continuação" para este projeto. O desnível, meus caros leitores, é visível e gigantesco. 

E o que eu poderia dizer mais, além do que foi dito? Que o filme recebeu críticas mistas quando foi lançado nos cinemas? Até parece que isso afetou sua longevidade e proposta narrativa! Que ele merecia pelo menos um Oscar, mas não levou? Isso qualquer fã de terror sabe. Que existem teorias e mais teorias da conspiração sobre o Hotel Overlook e há inclusive um documentário de nome Room 237: O labirinto de Kubrick sobre isso? Procure o IMDb e saiba mais sobre o assunto. Honestamente... Chega de desculpas. 

O que interessa mesmo é que se trata de um filme à frente do seu tempo e do seu próprio gênero, que mudou completamente a maneira como hollywood passou a enxergar o que chamamos de terror. 

E isso, meus amigos, não se vê todo dia (que dirá numa hollywood repetitiva e presa numa bolha mercadológica como a atual!). 


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