Eu pensei que a tecnologia, de uma forma geral, havia sido inventada para facilitar a vida das pessoas, quebrar barreiras e preconceitos, expandir horizontes, equivaler a sociedade como um todo. Infelizmente, mais uma vez estava enganado. Fui ingênuo, confesso. No final das contas o que se vê é que trincheiras foram ampliadas, visões de mundo contraditórias e gananciosas foram transformadas em redomas, até mesmo em bolhas ideológicas. E o resultado final dessa equação torpe é o exacerbamento doentio e artificial do que chamamos de vida online (como se vida isso, de fato, fosse!).
E o extraordinário diretor de cinema David Fincher nos avisou de tudo isso não faz muito tempo e não demos a mínima bola. Pior: uma grande parte da população mundial debochou, escarneceu, desdenhou, relativizou a questão...
Dito isto, vamos aos fatos que realmente importam.
Leio uma matéria no jornal O Globo que me informa que o longa-metragem de David Fincher, A rede social, completou uma década de existência e se tornou um ato premonitório da vida que estamos levando hoje em dia. E logo de cara eu penso: "cara, isso é triste! pacas!". Contudo, embora a premissa da matéria tenha seu caráter fúnebre e amargo, ela é exata em suas intenções. Nós (leia-se: a sociedade) realmente desaprendemos a viver.
O filme se debruça sobre a saga do quarteto Mark Zukerberg (Jesse Eisenberg, ótimo!), os irmãos Cameron e Tyler Winklevoss (Armie Hammer) e do brasileiro Eduardo Saverin (Andrew Garfield) para criar o facebook, hoje tão popularizado, milionário e alvo de inúmeras polêmicas, principalmente envolvendo questões de privacidade e ética. E desde já é preciso adiantar que eles tiveram a ajuda "luxuosa" do também midiático - e inescrupuloso - Sean Parker (Justin Timberlake), criador do Napster, polêmico serviço de compartilhamento de música que deu o que falar anos atrás. Logo, dá para imaginar por alto o legado dessa parceria incomum.
Esqueçam as rivalidades babacas óbvias e as discussões por conta de questões frívolas como "nós estamos namorando, mas você não mudou o seu status de solteiro do perfil" ou "eu pensei que nós fôssemos sócios igualitários nessa parada aqui!", a raiz do problema é ainda mais ampla. Trata-se de uma produção visionária sobre o fim de uma era. No caso, a era dos relacionamentos interpessoais.
E se acham que eu estou exagerando deem uma boa olhada ao redor nas festas de 15 anos e casamentos e formaturas ou qualquer outra celebração e percebam a quantidade de pessoas que não se comunicam mais. Todos preferem permanecer antenados em suas redes sociais, grudados a seus iphones de última geração. Nenhuma conversa ao vivo e a cores parece tão interessante quanto o mundo mágico do facebook (detalhe: ainda não existiam o instagram e o twitter, pelo menos com a força que eles têm hoje!).
Em outras palavras: robotizamos as relações humanas e nos orgulhamos disso, chamamos de um "passo natural rumo ao futuro". Resta saber que futuro é esse.
Na época de seu lançamento nos cinemas muitos críticos foram adversos à ideia da película ter sido indicada à 8 oscars (e venceu três na ocasião: roteiro adaptado, edição e canção original). Diziam muitos deles que a história não estava à altura dos Academy Awards. Que ela seria facilmente esquecida com o passar dos anos, pois tratava-se de uma temática vazia, quase fútil. Ledo engano, meus caros! O tema não somente se atualizou, se expandiu, como expôs nossa própria fragilidade para lidar com a situação.
Tornamo-nos avatares de nós mesmos, reles engrenagens de uma sociedade cada vez mais mecânica e repetitiva em seus atos. Sofisticamos o personagem de Charles Chaplin no clássico eterno Tempos modernos. E o problema agora não é mais a fábrica opressora e sim o fato de que não queremos mais o convívio humano da maneira como ele sempre existiu. Agora precisamos de uma interface, um computador, um reles aparelho entre nós. São eles que ditam como devemos nos portar, sentir, falar. Como disse antes: "cara, isso é triste!".
Não possuo respostas positivas ou soluções a longo prazo, mas espero sinceramente que consigamos virar essa página opaca para trilhar um novo caminho, um caminho mais honesto e coerente do que esse festival de solitários no qual estamos imersos e sequer nos damos conta. Pois, do contrário, a Alegoria da Caverna, do filósofo Platão, voltará numa versão ainda pior do que a original. E caso isso aconteça, o elo perdido que tanto deveríamos evitar ditará as cartas do jogo para todo o sempre.
P.S (na verdade, um pedido): pelo amor de Deus, não deixemos isso acontecer!!!
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