Sejam os caras-pintadas em pleno Impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello, seja o movimento norte-americano Black lives matter que tomou as ruas dos EUA nos últimos meses, a minha opinião continua a mesma: não existem manifestações pacíficas. Quem quiser que se engane com isso, com essa definição. Parece-me (na verdade sempre me pareceu) um enorme contrassenso. É como a ideia de guerra santa. Como posso eu acreditar numa guerra feita em nome de Deus? É preciso ser muito tolo - ou fanático ao extremo - para acreditar nisso. E acreditem: o mundo anda cheio de tolos e fanáticos.
Entretanto, elas - as manifestações - continuam acontecendo ao redor do mundo de maneira, claro, nada pacíficas. E pior: gerando tragédias e injustiças de formas as mais assustadoras possíveis. E haja bala de borracha, coquetel molotov, gás lacrimogêneo e vocês sabem o que mais, para dar conta de toda essa guerra disfarçada de denúncia e busca por direitos civis.
Dentre as mais famosas já ocorridas os estudantes de história e interessados em conhecimento cultural sempre se lembrarão da Convenção de 1968 em Chicago. E ainda existem aqueles que preferirão se lembrar do julgamento que aquela manifestação causou, chamado por alguns de o "Oscar dos julgamentos", tamanho o impacto midiático que teve.
Porém, antes é preciso delimitar um rápido registro histórico para leigos no assunto: era uma América assolada pela Guerra do Vietnã e as mentiras contadas pela Casa Branca ao povo, Martin Luther King e Bobby Kennedy haviam sido assassinados e os movimentos pelos direitos civis inundavam as ruas a todo momento. Logo, como esperar um desfecho agradável para qualquer conflito que acontecesse naqueles dias?
O resultado não poderia ser outro e você pode conferir um pouco dele no interessantíssimo Os 7 de Chicago, do diretor Aaron Sorkin, que ficou famoso em hollywood por seu roteiro de A rede social, de David Fincher.
O filme entra de sola no processo que se seguiu a tal manifestação e que, na visão das autoridades tendenciosas, tinham como culpado sete homens: Abbie Hoffman (Sacha Baron Cohen, extraordinário!), Tom Hayden (Eddie Redmayne), Jerry Rubin (Jeremy Strong), David Dellinger (John Carroll Lynch), Rennie Davis (Alex Sharp), Lee Weiner (Noah Robbins) e John Froines (Danny Flaherty). E cabe aqui um adendo importante: ainda tentaram envolver na questão o líder do partido dos Panteras Negras, Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II). Todos eles eram vistos pelo governo como vagabundos e párias da sociedade, logo as vítimas ideais.
E a primeira barreira que eles terão de encarar logo de cara é o preconceituoso e pedante Juiz Julius Hoffman (Frank Langella, em atuação digna de Oscar). Vê-se, logo no primeiro instante do julgamento, que o juiz se comporta em cena como se os réus já fossem culpados simplesmente por pertencerem a uma determinada classe social dentro do país. Mas acreditem: a coisa piora e muito!
Entre os dois advogados que se digladiam dia-a-dia, semanas, meses a fio, o jovem promotor Richard Schultz (Joseph Gordon-Levitt), que a todo momento parece meio em dúvida sobre a lisura do processo, mas precisa seguir o protocolo, e o advogado de defesa William Kunstler (Mark Rylance), o que percebemos é que o verdadeiro motivo daquele julgamento encontra-se, de fato, fora do tribunal. Como o próprio Abbie Hoffman diz volta e meia: trata-se de um julgamento político. Eles, o Estado, precisam encontrar culpados que justifiquem toda aquela baderna. E eles, obviamente, nunca serão a polícia de Chicago, que incitou a violência sob ordens do prefeito Richard J. Daley (cabe aqui comentar, aliás, o único deslize do projeto: a ausência de um ator que interpretasse o prefeito).
E como não podia deixar de ser em todo julgamento dessa magnitude, provas são inventadas e ocultadas, testemunhas vitais para o desfecho do caso são impedidas de comparecer ou falar (e, dependendo do caso, têm seus testemunhos retirados dos autos do processo por uma simples deliberação arbitrária do juiz), membros do júri são ameaçados e substituídos por outros nada idôneos, agentes do FBI infiltrados na manifestação comparecem para dar suas visões contraditórias do que aconteceu, etc etc e hajam etc... Pois não se esqueçam: todo processo jurídico tem o seu quê de teatro. E um teatro profundamente sensacionalista.
E com o desfecho do longa - que é arrasador! - fica clara e ratificada a minha opinião proferida no parágrafo inicial: nada é pacífico, principalmente quando há a presença do poder constituído do Estado na questão. Não passamos, no final das contas, de reles marionetes que precisam atender às demandas das chamadas "autoridades". Se nos comportamos bem, somos modelos de sociedade; se questionamos o status quo, somos inimigos de alta periculosidade e precisamos ser trancafiados em celas. E não se esqueçam: isso aconteceu em 1968. Mais 2020 do que isso, impossível!
E ainda tem gente por aqui, em pleno século XXI das fake news e do fascismo nas ruas, que acredita em passeata, greve, petição online, abaixo-assinado e chegar a um acordo...
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