Enquanto o ano se encerra melancólico em meio às tragédias da rodovia de MG e do avião bimotor em Gramado e começam a pipocar as listas de melhores do ano (filmes, livros, hqs, peças de teatro, etc), eu chego ao fim de 2024 quase me esquecendo de que nesse ano a obra-prima Era uma vez na América, de Sergio Leone, completou quatro décadas de existência.
E o mais triste: a nova geração - dos youtubers, tik tokers e companhia infelizmente ilimitada -, que se diz cinéfila atualmente, mal sabe do que eu estou falando.
Era uma vez na América é daquelas experiências cinematográficas que todo grande amante da sétima arte deveria viver (e reviver) de tempos em tempos, pois é absolutamente magnífico e cheio de camadas, propostas, releituras possíveis.
Acompanhamos os amigos, praticamente irmãos, Noodles (Robert de Niro) e Max (James Woods, que eu gostaria muito de saber por onde anda nos últimos anos), que passaram a vida em Lower East Side curtindo, farreando, praticando pequenos furtos. Desde moleques entendiam que aquelas ruas pertenciam a eles, eram como suas segundas peles. E o que mais poderiam desejar da vida além disso? Nada.
O problema: o passar do tempo, que sempre traz novas escolhas, propõe novos caminhos, nem sempre positivos, e por vezes, é capaz de deformar o caráter do mais ingênuo dos seres humanos. Com a chegada da idade surgem também a ganância, o desejo sempre prepotente de querer ser mais do que os outros e daí para a competição é um pulo. E o resultado dessa equação são sempre vidas estilhaçadas ou corrompidas, por vezes de forma covarde e sem volta.
Assisti o longa de Sergio Leone pela primeira vez (e também a segunda e a terceira) numa época em que as videolocadoras - hoje extintas - adoravam exibir seus filmes sobre criminalidade e máfia. As fachadas das lojas viviam repletas de exemplares como Scarface, O poderoso chefão (cuja terceira parte os cinemas exibiam naquele momento), Os bons companheiros, Serpico, Bonnie e Clyde - uma rajada de balas, e tantos outros espécimes inesquecíveis que até hoje, na minha modesta opinião, não tiveram concorrentes.
Ele era, naquele período, o que menos marketing produzia nas prateleiras e, entretanto, um dos que mais arrebanhou a minha admiração (tanto que por mais ou menos uma década cheguei a reassisti-lo num nível avassalador, quase decorando suas falas). E as memórias são tão fortes e bem-vindas que sou capaz de lembrar agora, neste exato momento, da primeira vez que o vi, onde estava, a que horas foi, etc etc etc.
Hollywood carece - e muito! - de um regresso a esses tempos gloriosos. Parece cada dia mais perdida em meio a filmes vazios e um público cada vez mais infantilizado e grosseiro, incapaz de respeitar o gosto e a opinião alheia. E que, pelo amor de Deus, essa crise criativa não perdure por mais uma década. Precisamos urgentemente de grandes ideias novamente, o quanto antes.
P.S: pena que Sergio Leone, infelizmente, não está mais entre nós para nos ajudar nesse recomeço. Seria extraordinário poder contar com ele - de novo.
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