terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Baú de desafios, memórias secas e enfrentamentos


Há muito tempo ouço falar da escritora Conceição Evaristo, de sua obra ímpar, sua escrita precisa, mas nada de ter acesso a suas obras em livrarias e sebos. Parece impressionante, mas tudo que é minimamente interessante no Brasil do ponto de vista cultural é uma saga para se obter. Até quando teremos que conviver com esse descaso? 

Parece haver um profundo interesse por aqui apenas pela divulgação de bundas, palavrões, grosserias, humor chulo e divas fúteis. O resto... o público que se vire sozinho!

Mas eis que, finalmente, meu trajeto cruza com Becos da memória num quiosque desses de rua, a módicos dez reais, e enfim posso dizer (estava engasgado na garganta por muito tempo): "que autora sublime!". Difícil até mesmo classificar seu livro numa categoria específica, tamanha a grandeza de sua narrativa, que passeia do prosaico ao poético, como aliás, é dito na própria contracapa da obra. 

Romance? Antologia de contos? Ensaio sobre a miséria humana? Crônica do lado B dessa sociedade controversa e fragmentada? São muitas as leituras possíveis, o que só engrandece ainda mais seu conteúdo. Ao fim da última página lida, ficou-me a sensação de se tratar de um grande baú, repleto de desafios; memórias secas, árduas; vidas sofridas, adulteradas, pela metade; um receptáculo de enfrentamentos hostis, dolorosos, tudo junto compondo um grande painel de cicatrizes profundas.

Seu Ladislau, Maria-velha, Maria-nova, Vó Rita, Tio Totó, Mãe Joana, Negro Alírio, Nega Tuína, Custódia, Dona Santina, Dora, Ditinha, Titão, Bondade e tantos outros, mais do que meros personagens dessa saga sem fim que é o sobreviver, são tipos que vemos nas ruas a todo momento. São seres humanos que, no fundo, não sabem o que é ter um dia de paz. 

E nesse sentido Becos da memória dialoga - e por demais! - com a obra-prima Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus. O que é mais um motivo (dentre inúmeros já ditos aqui) para ler esta pequena joia em forma de literatura contemporânea. Livros como esses não podem - nunca - morrer no esquecimento! 

Sobrou-me, ao fim deste post, uma certeza: eu preciso ler mais coisas dessa senhora. Urgentemente. Mais do que isso: o país precisa. E nem faz ideia do quanto. 


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