sábado, 30 de novembro de 2024

Quarentona porralôca


Muito antes dos nerds começarem a encher o saco do resto da humanidade e os fãs de filmes de super-heróis passarem a acreditar que ditam a produção cinematográfica do mundo, uma doidivanas, quarentona, alcoólatra, ninfomaníaca, desbocada e desprovida de bom senso, já provocava o senso comum com suas tiradas cheias de desejo e malícia.

De quem falo? Da Rê Bordosa, claro! Criação do mestre Angeli para a antiga revista Chiclete com banana, suprassumo do underground carioca nos anos 1980. E não é que a própria personagem completou quatro décadas de existência? Bom saber disso. 

Rê Bordosa, bem como a grande maioria dos personagens desse segmento (e eu não vou citar todos eles aqui, pois somente mencioná-los já renderia um livro best-seller; por ora fique em mente com a seguinte informação: procure saber mais sobre Angeli, Aroeira, Laerte e toda aquela rapaziada abusada das HQs independentes) era fruto de uma época bem mais corajosa do que a atual. 

Naqueles dias em que a redemocratização começava a dar as caras e se expressar já não era mais um problema, essa mulher escancarou os limites do sexo e do erotismo. Prova viva de sua coragem é que até a roqueira Rita Lee chegou a ser a voz da personagem (refiro-me ao longa animado Wood & Stock: sexo, orégano e rock'n'roll, de Otto Guerra). 

Era ótimo poder concordar com Rê Bordosa, mas ainda melhor discordar dela. A moça não tinha papas na língua e enfrentava quem quer que fosse em nome da sua liberdade (e, por que não dizer também?, libertinagem). Nunca sabíamos o que esperar dela, qual seria sua próxima artimanha, e esse era o maior sex appeal da personagem. 

Ela também fez história no teatro, com o espetáculo "Rê Bordosa, o ocaso de uma doida" (1995), co-escrita por Betty Erthal - que interpretou a eterna desbocada - com Angeli. Dois anos depois, um novo projeto - "Rê Bordosa, vida e morte de uma porralôca" foi realizado, mas o manuscrito permanece inédito até hoje. Uma pena! 

E a chegada de mais essa quarentona me faz pensar - de novo - no quanto o tempo avança de forma assustadora e no quanto este projeto de colunista envelheceu. Mas, mesmo assim, é bom demais relembrar de uma época mais interessante do que os atuais (e indigestos) dias!  


quinta-feira, 28 de novembro de 2024

O último natal? Que seja, pelo amor de Deus!


Vem aí mais um especial de fim de ano do Roberto Carlos na Rede Globo... É sério? Sim, infelizmente. Não tinham comentado nas redes sociais que o do ano passado era o último, por conta da pífia audiência e repercussão? Pois é, mas... Não. Vai ter mais um. Mas dizem (leia-se: quem assistiu a gravação no Allianz Parque) que desta vez tem um clima de despedida.

Tomara.

O especial de fim de ano do Roberto Carlos na Rede Globo é uma história que já tem cinco décadas de existência e, cá entre nós, já poderia ter chegado ao seu término há, pelo menos, 10 anos. No barato. 

Roberto Carlos já foi (e eu empreguei o verbo no passado, não se esqueçam!) o rei da jovem guarda, há quem diga da MPB. Também já foi o maior vendedor de discos do país, líder em direitos autorais no ECAD por décadas. E muito por conta disso foi, por anos, um grande negócio para a emissora exibir seus shows na época natalina. 

Contudo, o tempo passou - e ele sempre passa numa velocidade e direção diferentes da que gostaríamos -, a MPB ganhou uma nova cara (não necessariamente mais interessante; na verdade, mais escrachada, vazia até) e ele, Roberto, angariou uma má fama em decorrência de suas próprias escolhas de vida. Vide o famigerado caso da biografia proibida.

Durante anos, acompanhamos o cantor e compositor de sucessos como "Emoções", "Sentado à beira do caminho", Cavalgada", "Café da manhã" e "Jesus Cristo", entre outros inúmeros hits, recebendo seus convidados (a nata da mesma MPB a qual ele foi rei) em apresentações, digamos, tradicionais. 

O problema? O mundo do show business e da classe artística hoje está na contramão do que vende Roberto Carlos. Vivemos a estética das multidões (como bem escreve o intelectual Pierre Bordieu), dos megafestivais, de preços extorsivos e estruturas astronômicas. Nunca foi tão difícil encontrar um show simples como agora. E Roberto quer permanecer clássico numa era em que o gigantesco fala mais alto. 

Resultado: seu programa chega ao ocaso refém da mesmice, da cafonice e não assimilando o que as novas gerações querem receber. Logo, melhor parar. Que seja agora, em 2024, fechando uma data redonda. E que vá cuidar da vida - e da fortuna - que acumulou ao longo da carreira. Acreditem: será bem mais sensato da parte dele. 


domingo, 24 de novembro de 2024

A bomba atômica ainda não foi desmontada


Vejo matéria no jornal comentando, no último dia 22, as duas décadas de How to dismantle an atomic bomb, do U2. É o último álbum da banda que eu realmente gostei (na verdade: que eu embarquei como um todo). E, lógico, que eu precisava comentar algo aqui.

A banda abre o trabalho avassaladoramente com "Vertigo" (e naquela época eles, de fato, pareciam viver uma grande vertigem musical, diferentemente do que veio depois, a chatice ideológica, os discursos engajados, a música sonolenta, as turnês milionárias e óbvias em excesso, etc).

Com "Miracle drug", Bono diz que quer viajar dentro de nossa cabeça e passar o dia lá... e parece, por um momento, conseguir. Diz mais. Que as canções estão no nossos olhos. E eu me lembro dos maiores hits da banda ao longo da carreira, e penso: "é verdade, eles ainda estão comigo!".

Já em "Love and peace or else" temos um quase libelo anti-guerra, anti-violência. A banda diz que precisamos de paz e amor (já se passaram 20 anos e ainda precisamos, Palestina e Ucrânia que o digam!). Ao fim perguntam, quase no desespero: "Onde está o amor?". Como eu gostaria de saber, meus amigos...

"City of blinding lights" é outra pedrada na fuça. É a minha favorita do disco. Se na canção anterior eles perguntam sobre o amor, aqui querem saber o que aconteceu com a beleza que tinha dentro deles. "Foi a globalização e a falta de tato que fez tudo sumir, gente! Infelizmente..."

A partir de "All because of you", o grupo já pegou a manha, já entendeu o que precisa fazer para manter o nível de interesse do ouvinte. E faz isso de um jeito ímpar (algo que se perdeu nos últimos anos, confesso). E vale uma conferida, com carinho, também em "Crumbs from your table", "Original of the species", "Yahweh" e "Fast cars". Elas merecem a sua atenção.

Ao fim da audição um sentimento de saudade profunda. O U2, infelizmente, hoje não é mais esse. Uma pena! Mas, contudo, penso: "faz parte da história de todas as bandas esse distanciamento. O melhor sempre fica pelo meio do caminho. A própria música pop não é mais a mesma. Na verdade, virou um arremedo de cultura. E isso também é muito triste. 

As bombas atômicas continuam em voga, não foram desmontadas. Pelo contrário... Há até imbecis que se mobilizam por uma terceira guerra mundial (tudo que o mundo, em tempos de aquecimento global, inteligência artificial e fake news, não precisa - mesmo!). Ainda bem que ainda é possível ouvir de novo a mensagem desse álbum poderoso. 

Que ele permaneça vivo em tempos de caos e hipocrisia. 


quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Acredite se quiser!


O mundo da arte, infelizmente, se rendeu ao mercado nocivo das provocações, das criações inúteis, dos artistas como sinônimo de escandalizar ou tirar sarro da cara da sociedade contemporânea. E não bastasse tudo isso ainda somos convidados a aplaudir esse circo dos horrores segundo a visão torpe do mundo opaco da internet e das redes sociais, com comentários vazios, levianos, voltados única e exclusivamente para o consumo barato. 

Pego-me estupefato com a notícia de que "a arte da banana" (é assim que se referem a ela no google), obra conceitual do italiano Maurizio Cattelan, foi vendida por R$ 35 milhões em um leilão. Mais do que isso: que haviam 7 (sete) compradores disputando ela com unhas e dentes. 

A obra em questão não passa de uma reles banana presa a uma parede por uma fita isolante, como visto na foto acima. Detalhe: a peça chegou a ser mordida duas vezes enquanto exposta, por pessoas que pensavam se tratar de uma reles fruta para ser consumida no ato. Sim, é bizarro, eu sei...

E se levarmos em consideração que Vik Muniz já transformou lixo em quadros famosos (vejam, quando puderem, o documentário Lixo extraordinário) e Damien Hirst usou fezes de morcego e serrou animais em seus "experimentos", pergunto-me: o que sobrou de lúcido ou, ao menos, de inventivo nas chamadas artes visuais?

Andy Wahrol tornou a banana famosa no passado, bem como Carmen Miranda. E acho praticamente impossível dissociar a imagem da fruta do icônico álbum da banda de rock Velvet Underground. Logo, nada mais justo - na visão de artistas e marchands, é lógico - que Cattelan ousasse ainda mais e a transformasse num objeto ainda mais valioso e cobiçado. 

Tristes tempos esses em que vivemos no qual o fútil virou objeto de luxo extorsivo para agradar a burgueses imbeciloides e seus sonhos de consumo cada vez mais atrozes...


segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Começar tudo de novo


Nada é mais triste (bem... perder os pais é certamente pior!) e desolador do que ser um refugiado. Ver o seu país de origem entrar em colapso - seja pelo conflito armado ou pela crise econômica que assola o mundo - e precisar abandoná-lo, por vezes as pressas, em alguns casos quase ameaçado de morte. 

Quando o país de Azzi naufragou de vez, ela custou a entender porque precisou sair corrida de lá, com seus pais, para tentar uma nova realidade em outro lugar do mundo. E tudo precisou ser feito de forma quase cronometrada. Um deslize e o futuro poderia vir abaixo num piscar de olhos...

Ao chegar ao novo país (agora, seu novo lar), essa menina precisou reaprender tudo, a começar pela própria língua, além de novos costumes, amigos, opiniões, etc. E nunca é uma tarefa fácil. 

Em Um outro país para Azzi, de Sarah Garland, a autora - que também passou pelo mesmo dilema -, conta-nos uma história seca, complexa e árdua, mas sem perder a pureza da idade de sua protagonista. Nos divertimos com a inocência de Azzi, nos preocupamos com sua dificuldade ao tentar aprender um novo idioma, nos surpreendemos com sua própria surpresa ao entender que precisará fazer novos amigos. 

Independente de que desafio ela terá de encarar, com certeza fará isso com muita perspicácia e curiosidade, atributos que não perdeu mesmo em meio a toda essa tragédia. 

É possível enxergar a história tanto como uma HQ quanto um livro infanto-juvenil. Sua narrativa, atualíssima, se presta a ambos formatos. Além disso, possui momentos de brilhantismo dignos de nota, como a travessia pelo mar rumo ao novo continente e também a decisão de manter presente a cidade natal sob escombros, após tantas batalhas que não levaram o país a lugar nenhum.

Sarah não especifica de que país de origem vem Azzi, mas todos, logicamente, sabemos bem de que região do mundo ela fala. Está em todos os tabloides, campanhas dos médicos sem fronteiras, discursos políticos, da ONU, doações de combate à fome. Só mesmo os alienados e estúpidos para não reconhecerem de onde vem toda essa paranoia. 

Recomendo a leitura não somente aos filhos, mas principalmente aos pais. Alguns deles já deviam ter aberto os olhos para o tema há mais tempo. Quem sabe, agora...  


quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Mosfilm, um centenário para a sétima arte russa


Assim como os EUA tem hollywood, a índia tem bollywood e a Itália teve a  Cinecittà, é impossível falar do cinema russo e soviético sem mencionar a palavra Mosfilm. O maior estúdio de cinema da terra de Dostoiévski, Tolstói e Tchékov chega ao seu mais que justo centenário entregando ao público cinéfilo de todo o mundo por volta de 2500 longas-metragens, muitos deles tão icônicos quanto vários dos maiores clássicos do cinema americano. 

E ao contrário do que muitos detratores pensam (e regurgitam, em falas preconceituosas), não se trata apenas de uma cinema político ou de viés comunista. Há, isso sim, opções as mais diversas, para os mais variados tipos de público.

Entre suas obras mais conhecidas, é possível perceber temas recorrentes dentro do catálogo da empresa, tais como: as duas guerras mundias, Afeganistão, conflitos bélicos envolvendo a rússia com outros países da região, após o fim da União Soviética; comédias que satirizam abertamente os Estados Unidos, maior rival geopolítico do país; documentários que analisam de forma nua e crua o horror do nazismo; etc.

Dizer que a censura não foi um fator que permeou o cinema da União Soviética é, no mínimo, admitir covardia, e o país sempre teve problemas para distribuir certas obras, vistas como "inimigas da pátria". Mas, mesmo assim, o estúdio sobre driblar suas dificuldades logísticas e seguir em frente. 

Na prática a Mosfilm se trata de uma área de 34 hectares, com 15 pavilhões de cinema, o maior dos quais tem 2.000 metros quadrados, aberto ao público e sempre repleto de turistas fazendo tour e conhecendo um pouco da história da sétima arte russa (guardadas as devidas proporções, difícil não comparar imediatamente com o Prozac, das organizações Globo). 

O símbolo do estúdio é a gigantesca escultura “Trabalhador e mulher do Kolkhóz”, da artista soviética Vera Múkhina. A obra de arte pesa 185 toneladas e foi criada para o Pavilhão Soviético na Exposição Mundial de 1937, em Paris. E ele foi escolhido para representar o cinema russo após a Segunda Guerra Mundial, em 1947.

Para quem procura dicas por não saber por onde começar a fuçar no catálogo da empresa recomendo A Greve (1924), de Serguey Eisenstein; Quando Voam as Cegonhas (1957), de Mikhail Kalatozov, Velas Escarlates (1961), dirigido por Aleksandr Ptushko; Guerra e Paz (1967), de Serguêi Bondartchuk; Os Sinos da Noite (1973), de Vassily Shukshin; O Espelho (1975), de Andrei Tarkovski, Não posso ser! (1975), de Leonid Gayday; Dersu Uzala (1975), de Akira Kurosawa e Moscou não acredita em lágrimas (1979), de Vladímir Menchov - e isso como um leve aperitivo, por que o menu é vasto e interessantíssimo. 

E como arremate desse singelo post, não custa avisar que a Cinemateca brasileira realiza, até dia 24 de novembro, a 10ª Mostra Mosfilm de Cinema Soviético e Russo, excelente porta de entrada para quem quer saber mais tanto sobre o estúdio quanto a produção audiovisual do país. Fica a valiosa dica!


terça-feira, 12 de novembro de 2024

Até as últimas consequências


"O Brasil contemporâneo tem um gigantesco fascínio por um passado que nunca passou de uma era tenebrosa e hipócrita; e simplesmente não dá pra entender o porquê disso". Essa foi a primeira coisa na qual pensei ao fim da projeção do extraordinário Ainda estou aqui, novo filme do diretor Walter Salles e representante do país na categoria melhor filme internacional do Oscar. 

Acompanhamos a jornada de Eunice Paiva (Fernanda Torres, brilhante!), que teve sua vida colocada de cabeça para baixo depois que os agentes da ditadura levaram o seu marido, Rubens Paiva (Selton Mello), ex-deputado, para depor. A partir de então devotou sua vida a encontrá-lo ou, ao menos, descobrir o paradeiro do seu corpo. 

Rubens nunca mais voltou para casa e, assim como ele, muitos outros pais de família, viraram "desaparecidos" segundo a lógica ditatorial, num país que adora fabricar ilusões. Escusa mesmo, nessas terras inglórias, é a verdade. Entretanto, sua esposa não desistiu de acreditar, de seguir em frente, voltou à faculdade, estudou direito, tornou-se referência na questão indígena e foi até as últimas consequências até descobrir que fim seu amado cônjuge levou.

Walter Salles - magnificamente - passeia do poético (a relação de Eunice e Rubens com os filhos) à catástrofe (os depoimentos insólitos, a catarse da violência proposta pelo regime militar, a sensação de vazio extremo em meio a uma realidade que se recusa a caminhar). E tudo isso conduzido de forma sublime por uma trilha sonora inebriante, uma fotografia de marejar os olhos e uma reconstituição histórica impecável. 

E depois disso tudo ainda tem infeliz que abre a boca pra falar que o cinema brasileiro vai de mal a pior!  

Ao fim da sessão sou pego por um sentimento dúbio: um misto de gosto amargo na boca por ver retratado um passado que não queremos rediscutir seriamente (e sim ovacionar cegamente e sem parâmetros), mas também as lágrimas orgulhosas de saber que a sétima arte do meu país ainda é capaz de produzir algo desse porte. 

E como cereja do bolo ainda vislumbro a grandiosidade de Fernanda Montenegro, interpretando Eunice já no fim da vida, com Alzheimer, sem proferir uma única palavra, mas dizendo tudo com um simples olhar. Fantástica!

Como bem diz no twitter um meme ao qual associam o cineasta Martin Scorsese: "isso é cinema".

P.S: quase esqueço de comentar... que alegria poder ver na plateia da sala de projeção milhares de jovens, querendo saber mais sobre esse período negro, não se rendendo a um moralismo fútil e vazio, baseado em privilégios. Ainda é possível ter esperança no futuro, nunca é tarde (embora o mundo todo dia pareça contradizer essa frase com imagens terríveis). Assistam. O longa merece a presença de vocês. 


sábado, 9 de novembro de 2024

Elas voltaram?


Direto dos anos 80! É... impressionante como a década continua repercutindo até hoje. E depois do retorno dos LPs (os famigerados vinis), agora chegou a vez das fitas cassete. Sim, ele começaram a reaparecer mundo afora para alegria de fãs nostálgicos e colecionadores. 

E dependendo de onde elas forem reaparecendo ao redor do mundo serão exatamente isso: um objeto da nostalgia, tendo em vista a dificuldade para encontrar toca-fitas que as reproduzam. 

Eu não sou um expert no formato. Na verdade eu preferia os LPs. Mas como esquecer da relação de amor e ódio envolvendo elas? Amor por lembrar das inúmeras playlists que fiz ao longo da adolescência, gravando canções nas rádios fluminense, cidade e transamérica (eu ficava puto quando a voz do radialista entrava no meio ou quase no fim da música!) e ódio toda vez que a fita desenrolava e você tinha que usar uma caneta para enrolá-la de novo.

Quem viveu sob a era do CD, do DVD, do streaming, certamente não entende o que foi esse período. E o porquê lembramos dessa época com tanto carinho e saudade. A volta das fitas é como uma espécie de regresso de uma época bem menos sofrida e preocupada que a atual. 

Eu possuía três específicas que eu não emprestava pra absolutamente ninguém: uma do Phil Collins - Serious Hits live (que eu ouço volta e meia, agora na versão deezer ou spotify), um show do Queen gravado direto da rádio 89 e o álbum Vivid, do Living Colour (que eu tenho até hoje, embora nunca mais tenha ouvido depois que o meu walkman deu tilt de vez). 

Espero sinceramente que voltem a fabricar também os reprodutores. A geração nostálgica (e também a atual) merecem conhecer ou reviver essa experiência.  


segunda-feira, 4 de novembro de 2024

R.I.P Quincy Jones


O século XX continua, infelizmente, nos abandonando a conta gotas...

Certos músicos são eternos, lendários, e isso já se tornou clichê, de tanto que nós repetimos a frase. Entretanto, alguns artistas deveriam ser imortais, pois vê-los partir me faz pensar no quanto a indústria cultural está empobrecendo e não podemos fazer nada para evitar tal fato. Quincy Jones, que nos deixou aos 91 anos, é com certeza um desses. 

Talvez a grande maioria dos fãs do seu trabalho o reconheçam apenas pelo fenômeno Thriller, álbum que produziu ao lado do cantor e compositor Michael Jackson, e também pelo clipe de "We are the world", que reuniu gigantes da música pop com o intuito de combater a fome na Etiópia. Jones - acreditem! - foi muito mais do que isso. 

Que outro músico pode dizer que trabalhou com artistas do naipe de Frank Sinatra, Miles Davis, Ray Charles, Milton Nascimento, Ivan Lins... "Provavelmente pouquíssimos", vocês dirão. Quincy Jones se tornou - pelo próprio mérito e competência - a cara do jazz. 

Tanto que a revista Time o chamou de "um dos músicos de jazz mais influentes do século XX". Além disso, o cantor, compositor e produtor ganhou 28 Grammys, dois Oscars e um Emmy, ao longo da carreira. 

Contudo, seu maior legado na indústria foi ter se tornado uma figura onipresente no mercado de entretenimento. Me lembro dos tempos em que assistia pela MTV clipes, shows e entrevistas épicas, e era praticamente impossível não ouvir o nome dele pelo menos uma ou duas vezes todo dia. E olha que a concorrência nesse meio sempre foi feroz. 

Não sei como me despedir de lendas, apenas homenageá-las. Fica o legado e a alma musical desse grande artista. Mais um que dificilmente encontrará um substituto à altura em meio a essa geração atual que só pensa em cifras e enriquecimentos, por vezes duvidosos. 

Fica com Deus, mestre!


sábado, 2 de novembro de 2024

Quando um império morre?


Coppola passeia do Império romano aos Estados Unidos da contemporaneidade numa fábula com contornos apocalípticos. Parece louco - e é. Mas que bom saber que o diretor por trás de clássicos da sétima arte como O poderoso chefão e Apocalipse now ainda é capaz de repensar e desconstruir o mundo que nos rodeia, independente de convivermos com uma sociedade cada dia mais alienada. 

Em Megalópolis testemunhamos Nova Roma, uma sociedade que é o apogeu do hedonismo e da falta de caráter ou valores. Seu prefeito, Cicero (Giancarlo Esposito), só arrebanha críticas por seu governo desastroso, embora goste de se esconder atrás de falsa popularidade; a jornalista Wow (Aubrey Plaza) é o retrato vivo da imprensa marrom, mais interessada em ser o próprio espetáculo do que reportar os fatos; e Crassus (Jon Voight) é a acomodação visível de um sistema bancário que nunca pensa além do próprio umbigo - isso para ficarmos apenas nos exemplares indigestos mais visíveis.

Como contraponto a toda essa depravação moral, Cesar Caitilina (Adam Driver), a representação máxima do artista, do gênio; um homem capaz de parar o tempo e que deseja construir Megalópolis, a utopia definitiva. Mas como conseguir realizar tal sonho numa sociedade tão deteriorada e mais afeita à corrupção e aos prazeres efêmeros? A única que parece acreditar em seu talento é Julia (Nathalie Emmanuel), filha de Cicero. O que leva esse amor entre ambos a um impasse.

Como pano de fundo a realidade atroz como a conhecemos nesse século XXI cada vez mais contraditório: herdeiros ambiciosos que almejam o poder a qualquer custo (embora não possuam o menor talento para exercê-lo); falsas virgens sendo leiloadas em eventos milionários; o culto exagerado à cultura pop e seus mitos falaciosos; manifestações e revoltas populares pipocando em todos os cantos; e o povo, cada vez mais miserável e faminto, sem ter a quem recorrer.

Embora tenha flopado nas bilheterias e sido massacrado por inúmeros segmentos - incluindo o mercado exibidor, que se recusou a distribuí-lo, acusando o projeto de "anti-comercial" - confesso que as ideias de Coppola mexeram (continuam mexendo) comigo. Vi um realizador lúcido, no auge de sua forma e ciente dos problemas e mazelas pelas quais o mundo passa, e nada faz para corrigí-las. 

Ao fim da projeção, enquanto alguns tediosos espectadores se retiravam detonando todo o projeto (pelas caras e vestimentas, certamente o tipo de público que normalmente comparece ao cinema só para assistir bobagens super-heroicas e filmes de bonecas, zumbis, vampiros, etc), e depois de ter assistido a algumas entrevistas do diretor para divulgação do filme na internet, saí curioso pelo próximo longa dele - que ele, aliás, disse que já tem um rascunho.

Megalópolis não é cinema para fãs da Marvel ou DC, muito menos àqueles que comparam filmes com Big Macs, pizzas, sabão em pó ou outros produtos de consumo perecíveis. É, isso sim, obra digna de reflexão e questionamentos os mais diversos por quem estiver interessado em repensar a realidade. Algo que anda em falta - e muito! - na sociedade contemporânea das últimas décadas.

Faltou dizer alguma coisa? Não. Faltou vocês assistirem o filme. Mas, de preferência, com a mente aberta. E não querendo colocar tudo na conta do mercado e dos lucros rápidos e exorbitantes. Nem sempre cinema é sinônimo de fenômeno de bilheteria. Falta à atual geração lucidez para entender isso...