2024 acabando e eu quase me esqueço de comentar o extraordinário A tábua de esmeralda, de Jorge Ben (nessa época ele ainda não era Benjor), sem sombra de dúvidas um dos maiores álbuns da história da música popular brasileira, que completa cinco décadas de existência.
Tudo em Jorge Ben é pura bossa, puro ritmo... Meu pai, que era fã quase doentio do artista, dizia que ele era um animal estranho dentro da MPB (mas no bom sentido da palavra). "Era o único indivíduo capaz de juntar ovnis, jogadores de futebol e mulatas numa mesma canção e, ainda assim, entregar um espetáculo musical à parte", ele completava.
Enquanto outros artistas abrem seus discos com músicas mais alegres, em A tábua de esmeralda Jorge Ben prefere meio que um caminho alternativo, propondo quase um manifesto com "Os alquimistas estão chegando". A música tem, inclusive, um clima meio de revolução, de "o futuro está logo, chegando, para nós ajudar nesse momento de confusão.
Já com "Errare humanum est" ele faz uma correlação entre deuses e astronautas que automaticamente remete ao livro de Erich von Däniken. E tudo isso é desmentido logo na faixa seguinte, com a swingada "Menina mulher da pele preta" (que já foi cantada até pela banda Red Hot Chilli Peppers durante um festival de música no RJ).
Ele torce pela paz, pela compreensão, pelas moças bonitas e pelo bem-estar das pessoas; homenageia Zumbi (figura tão massacrada nos tempos atuais por um segmento da sociedade que nem sequer conhece a história do próprio país) bem como outras figuras negras; diz que a vida é bela e que está de bem com ela; convoca, em inglês, os brothers para a luta (que continua, não importa em que época)... Sério. Como diria um outro baluarte da MPB: ele organiza o movimento.
Deve ser a nona ou décima vez que ouço o álbum e sempre saio de cada audição dele com a mesma impressão: a de estar diante da MPB em seu formato delirium tremens. Nada é totalmente real, mas também não totalmente imaginário, ficcional, ilusório. Em suma: uma mescla desses dois mundos, um complementando o outro.
E pensar que a nossa música já foi sinônimo disso o ano todo e hoje nos contentamos vulgarmente com piseiros, calypsos, arrochas, sertanejos opacos e canções monossilábicas! Em que curva da indústria fonográfica perdemos completamente a direção? Enfim... Salve Jorge! Hoje e sempre. E que venha o centenário dessa obra-prima.
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