Às vezes o artista ganha você de cara, por seu talento, por sua capacidade de se reinventar. E às vezes ele chama a sua atenção simplesmente por ser diferente de tudo o que você já viu até então. Zé Caixão, personagem antológico da cinematografia nacional, me ganhou pela segunda opção. E quando vi a notícia de seu falecimento no portal G1 da Rede Globo anteontem eu cheguei à conclusão de que nunca estarei preparado para lidar com a morte daqueles que contribuíram em todos os aspectos para a minha formação cultural.
Pois é... Faleceu na última quarta-feira (19) o cineasta José Mojica Marins, o eterno Zé do caixão. Ele estava internado desde 28 de janeiro no hospital Sancta Maggiore, em São Paulo, por conta de uma broncopneumonia, e não resistiu. Nos deixou aos 83 anos (muito bem vividos, é bom que se diga!).
Filho dos artistas circenses Antonio André e Carmen Marins, Mojica demonstrou desde a adolescência um fascínio gigantesco pelo terror, principalmente o escatológico. E viu no gênero a possibilidade de criar um personagem que entraria para a história do nosso audiovisual. Falo de Josefel Zanatas, o agente funerário sádico com roupas pretas, cartola, capa e unhas longas. Durante muitos anos foi visto no país como uma figura satânica. Eu mesmo, tenho na minha família parentes que não gostavam sequer de ver o rosto dele, sempre associando-o a tudo que existe de pior. Eu, contudo, nunca tive essa impressão. Nem do artista, muito menos do indivíduo. Pelo contrário. Sempre o vi como uma figura engraçadíssima (e também um provocador nato).
Digo isso porque na sua trilogia mais famosa, composta dos longas À meia-noite levarei sua alma (1964), Esta noite encarnarei no teu cadáver (1967) e O estranho mundo de Zé do Caixão (1968) - que também foi título de uma programa de entrevistas engraçadíssimo que ele realizou durante sete temporadas no Canal Brasil - Mojica utilizou o terror apenas como mote para realizar seu grande desabafo (tem quem chame de denúncia) sobre os mandos e desmandos do período militar. Procurem os filmes. Eles estão repletos de ironia disfarçada de assustador.
Só que, na verdade, eu conheci Zé do caixão bem depois disso. Eu me lembro dele mesmo pela primeira vez é apresentando o Cine Trash, que exibia filmes de terror na Bandeirantes nos anos 1990 (e quem é da minha geração sabe bem do que eu estou falando!).
Outro ponto importante: embora tenha feito sua carreira - inclusive internacional, onde era conhecido como Coffin Joe - no gênero terror, Mojica não se limitou a ele exclusivamente. Em suas mais de 40 produções realizadas, fora os 50 longas no qual trabalhou como ator, também enveredou pela aventura, pelo faroeste e até pela pornochanchada (gênero o qual muitos puristas e estudiosos do nosso cinema não gostam de lembrar). E, além de tudo isso, foi um grande influenciador do cinema marginal no Brasil.
Sua ficha no IMDb diz que ele trabalhou efetivamente até 2015 (e olha que ele sofreu um infarto em 2014 que mudou completamente sua rotina). Seu último crédito, Memórias da boca, sobre o cinema da boca do lixo, em São Paulo, que eu não sabia da existência, chegou a me deixar curioso e já estou à procura dele na internet.
E para quem é completamente leigo e procura um livro de referência sobre o artista, recomendo de olhos fechados Maldito, do jornalista André Barcinski (1998), que já virou até objeto cult em sites de livros usados como o Estante Virtual. Livraço mesmo!
Faltou dizer alguma coisa sobre esse homem multimídia? Faltou. Ele também foi enredo na escola de samba Unidos da Tijuca em 2011, e veio no último carro da agremiação todo serelepe ao lado da filha e com direito ao apresentador Luís Roberto, emocionado, narrando a passagem desse homem a quem tantos chamaram de controverso, mas que merece todo o meu respeito por ser um visionário da arte.
Putz! Eu ainda não acredito que nunca mais vai ter Zé do caixão no cinema. É sério mesmo isso ou aquela matéria do G1 era só mais um trote babaca como tantos nesse país que adora brincar com a desgraça dos outros? Não. Infelizmente, é sério mesmo.
E por causa disso só me resta dizer então "Fica com Deus, Mojica! Você merece!"
Sem comentários:
Enviar um comentário