Memória é uma coisa engraçada. E essa aqui, especificamente, na verdade nem é uma memória de infância realmente (como costumam ser os textos dessa série), pois nessa ocasião eu já me encontrava com 29 anos. Mas mesmo assim volta e meia vem à tona em minha mente.
E eu precisei do auxílio do jornalista e apresentador da Rede Globo Zeca Camargo - que volta e meia faz uns vídeos curtos em sua página no facebook - para me lembrar que eu ainda não tinha falado dessa história por aqui.
Refiro-me ao show da banda de rock Rolling Stones na praia de Copacabana no dia 18 de fevereiro de 2006, um evento que marcou época (e marca até hoje) na vida de milhões de brasileiros. E segundo o público estimado pelas autoridades nacionais, foram mais de 1,3 milhão de pessoas inundando as areias de copa em frente ao Copacabana Palace Hotel.
Mas o registro em questão aqui é de como eu não consegui ver o show ao vivo, junto com a galera gritando em massa na praia.
E a grande saga começou ainda dentro do ônibus. Eu morava no Méier nessa ocasião e decidi encarar essa aventura junto com minha mãe e minha irmã. E digo mais: foi minha mãe, no auge dos seus 55 anos, a mais interessada na aventura. Meu pai disse que estávamos perdendo o nosso tempo, que era roubada aquilo, mas nada que ele nos dissesse nos demoveria de nossa decisão.
Pegamos o 457 lotado, os fãs berravam as canções do quarteto enquanto se empurravam emocionados. E a viagem até hoje me pareceu interminável, tamanha a lerdeza do motorista. Contudo, se vocês acham que demorar para chegar ao bairro foi uma luta inglória, pior ainda descobrir que precisávamos saltar do ônibus bem antes da orla. As ruas da zona sul já começavam a ser interditadas para o grande evento.
Não me lembro ao certo a rua em que descemos, mas de uma coisa eu tenho memória fotográfica: do enxame enlouquecido de pessoas, de todas as etnias, todas querendo ver Mick Jagger, Keith Richards, Ron Wood e Charlie Watts de graça (daquelas façanhas que dificilmente se repetirão na história do país).
Roqueiros, roqueiros e mais roqueiros. Mulheres lindíssimas. Seres os mais exóticos possíveis. Gente que se achava sósia dos cantores dando pinta de pseudo celebridade. Havia uma mulata - nunca me esqueci dessa mulher - com um cabelo enorme preso a uma espécie de coque, que eu tenho certeza que se ela estivesse com as madeixas soltas elas arrastariam pelo chão. E ela cantava "Sympathy for the devil" a plenos pulmões.
Minha mãe olhava a todo momento para os lados, procurando minha irmã. Para não perdê-la de vista. Mas quando sentiu o cheiro indistinguível da maconha rolando no ar, vinda de um grupo de motoqueiros na linha Hell's Angels, ela parou no meio da rua (ainda estávamos bem longe da areia da praia) e nos disse: "vai dar merda isso aqui! temos que ir embora o quanto antes".
Minha irmã, estressada, concordou com ela na mesma hora. Ela odiava tumultos e gente se empurrando (tanto que sempre guardou com desalento a experiência de ter ido certa vez, com minha mãe e minhas tias, ao Cordão da Bola Preta, no centro da cidade). Eu custei um pouco mais a entender a situação, mas houve um momento em que pensei comigo: "na hora da voltar pra casa pode ser tarde demais e aí a tragédia já aconteceu".
Resultado dessa equação insólita: uma segunda saga para encontrarmos um ônibus e voltarmos para a casa. E quando chegamos em casa, meu pai nos olhou quase às gargalhadas e debochado disse: "eu falei pra vocês! onde tem coisa de graça, tem confusão".
Frustrado, espero a noite chegar para assistir o show, que foi televisionado pela Rede Globo. Foram duas horas de pedras rolando, "Jumping Jack flash", "It's only rock n' roll", "Honky tonk woman", "Start me up", "Brown sugar" e, claro, o desfecho arrasador, com "(I can't get no) Satisfaction" acompanhado de sacos de pipoca doce e de batatas Ruffles.
As panorâmicas que exibiam a multidão que tomou a praia deixaram a minha mãe ainda mais assustada e também aliviada por estar em casa. "Quero ver esse povo todo chegar em casa quando o show acabar!", ela disse. E eu acenei com a cabeça em concordância na mesma hora. Acho que até hoje eu não encaro as edições do Rock in Rio por causa dessa experiência caótica. Na boa... Não tenho mais pique, nem idade para isso!
Mas que no fundo, no fundo, eu queria ver os caras ao vivo, ah eu queria! Mas não deu. Ficou pra próxima encarnação, gente.
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