terça-feira, 30 de abril de 2024

A rádio não-oficial do Brasil


Primeiramente: você que está lendo este post, em algum momento da sua vida já ouviu a Fluminense FM? Mais do que isso: você sabe o que foi, como nasceu, qual a importância da Fluminense FM para a história da rádio nacional? Caso a resposta seja não, este - texto? resenha? breve comentário? singela opinião? enfim... - não é para você. Sério. 

Aumenta que é rock n' roll, longa-metragem de Tomás Portella, é um misto de delírio, nostalgia, provocação e muito amor à música (no caso, o rock, que as outras estações da época teimavam em boicotar). E o principal: me fez pensar no quanto o rádio perdeu relevância na minha vida nos últimos anos ao se associar a templos pentecostais e profissionais medíocres. 

A Fluminense FM - ou simplesmente a maldita, para os fãs mais nostálgicos - nasce em Niterói pelas mãos (e, claro, muita coragem) do jornalista Luiz Antônio Mello, que revoluciona muito do que vinha sendo feito no setor até então, a começar pela programação. 

Uma rádio que tocasse rock n' roll 24 horas por dia, sem repetir música, com locutoras do sexo feminino (um feito pioneiro), sem anunciantes e ainda por cima lutando contra seus detratores e até mesmo a falta de investimento dos gestores. Sim, era complicado e muito. E ainda assim se tornou histórica para uma geração de desajustados que precisava de um espaço para chamar de seu após anos de ditadura e repressão.    

Casos inusitados envolvendo a rádio, como os tumultos e confusões envolvendo as festas que bancavam os custos de produção da equipe; uma promoção envolvendo formigas e a banda de rock Adam and the ants na praia de Ipanema e que gerou muita confusão; um fã alucinado que chegou a montar uma rádio pirata e copiava o estilo da Fluminense; a escolha dos profissionais da dial por Roberto Medina para montar a programação do primeiro Rock in Rio em 1985... A Maldita passou por poucas, boas e muito loucas.

Detalhe imprescindível: sem ela, provavelmente o rock BR não teria acontecido da forma como aconteceu. E por um motivo bem simples: porque sempre vi a Fluminense como a rádio não-oficial do país, com cara de underground, subversiva, impondo seu estilo e gostos custe o que custasse. No próprio longa, Medina diz à Luiz: "no dia em que vocês forem oficiais, vocês acabam". Frase mais verdadeira sobre ela não há.

Até hoje sinto falta daquela estação onde eu ouvia The Doors, Stones, Legião Urbana, Blitz, Kiss, AC/DC e companhia ilimitada na hora e do jeito que eu quisesse. E por mais que me chamem de fanático, repito aos quatro ventos pra quem quiser ouvir: nunca mais haverá uma rádio que supere o que eles fizeram. Eram outros tempos, outro país, outra sociedade... E pior: encaretamos, de um jeito repulsivo. 

E se conseguirem encontrar um exemplar do livro A onda maldita: como nasceu a Fluminense FM, do próprio Luiz Antônio Mello (a saga para encontrá-lo na internet é árdua e o trabalho dele bem que poderia ser reeditado novamente... Os leitores certamente agradeceriam!), leiam como complemento ao filme. Aposto que até quem não viveu a época vai virar fã, de graça. 

P.S (ou uma nota triste): dentro do cinema onde assisto a sessão olho ao redor e vejo apenas 8 espectadores na sala. Uma pena. Não: um acinte! Além de nos tornarmos caretas, esquecemos do melhor da nossa história. O país precisa acordar! 


sexta-feira, 26 de abril de 2024

R.I.P Anderson Leonardo


Estava me preparando para postar outra coisa quando sou golpeado por uma triste notícia... 

Eu não me recordo (mesmo!) se já postei sobre o universo pagode aqui nesse blog. Caso nunca, deixo minhas sinceras desculpas desde já. Foi apenas minha escolha por outros temas e modelos artísticos. Sou de uma época em que se ouvia - e muito - nas rádios grupos como Só pra contrariar, Raça negra, Grupo Raça, Negritude júnior e companhia limitada. E era divertidíssimo vê-los em programas de auditório os mais diversos.

Mas por que estou falando disso justo hoje? Porque, infelizmente, a MPB perdeu hoje uma de suas figuras mais engraçadas. Morreu, aos 51 anos, o cantor Anderson Leonardo, vocalista do Grupo Molejo. 

Anderson era daquelas personas artísticas que você queria ouvir falando qualquer coisa (contando piada, falando sacanagem...), que dirá cantando. Foi dos primeiros pagodeiros, inclusive, que eu senti uma identificação imediata até mesmo com o público infantil. Tanto que trouxe para o seu show expressões associadas a esse universo. Ouçam, assim que terminarem de ler aqui, "Brincadeira de criança". Eu mesmo já ouvi hoje umas duas vezes.

Mas não somente esta. "Cilada", "Dança da vassoura", "Paparico", "Não quero saber de ti ti ti", "Ah! moleque", "Caçamba", "Samba rock do Molejão"... São vários os hits desse fenômeno de comunicação.

Quem, em algum momento, já foi numa das rodas de samba organizadas por ele, não esquecerá jamais. E não bastasse isso, ele ainda deu muita força para outros grupos do segmento em começo de carreira, um claro desejo de ver o pagode - bem como o samba de forma geral - se perpetuar sempre.

Ninguém riu (ou fez rir) como Anderson Leonardo. Ninguém debochou do sistema e do execrável politicamente correto vigente nos últimos anos como suas músicas. Vejo-o com símbolo máximo da sátira que anda em falta nesse mercado fonográfico cada vez mais chato e careta. Sua partida é, mais do que uma pena, um golpe duro nos fãs da boa música, sem rodeios ou agendas babacas.

Fica com Deus, irmão! Você definitivamente era a cara desse país.   


segunda-feira, 22 de abril de 2024

No fim é só a maldita guerra


Pergunto-me quase constantemente a quem interessa hoje em dia o discurso de como iniciou a guerra a, b ou c... São tantas e praticamente todas elas parecem tão iguais! Tremenda estupidez da parte de quem, a priori, só finge de isento, acreditar que a origem do conflito define que destino ele terá.

Foi exatamente nisso que me peguei refletindo enquanto assistia Guerra Civil, novo longa do diretor Alex Garland. Na verdade, fiquei foi bem mais curioso acerca do futuro pós-guerra, após testemunhar a última cena do filme.

Garland não se importa com quem começou a guerra ou não, quem está certo ou errado, quem tem seus motivos, se são mais fortes ou éticos do que o outro lado (ou não)... Esqueçam essa parte. Este não é um livro de história do Eric Hobsbawn, muito menos um tratado filosófico sobre a microfísica do poder.

Acompanhamos, isso sim, o combate do ponto de vista da imprensa. E há vários modelos diferentes de imprensa aqui: Lee (Kirsten Dunst) é a fotojornalista de guerra consagrada, a lenda, aquela que praticamente já testemunhou os horrores do conflito em suas mais diferentes nuances; Joel (Wagner Moura) é o viciado em adrenalina que toda redação de jornal possui ou já possuiu, aquele cara que simplesmente não consegue ficar longe do tiroteio, da matança, do caos; Sammy (Stephen McKinley Henderson) é o veterano, a voz da experiência, sempre transitando entre o rebelde à procura de um novo furo de reportagem e o conservador que não quer ultrapassar os limites da ética; e Jesse (Cailee Spaeny) é a novata, marinheira de primeira viagem, cheia de gás, energia, sonhos, ideologias e o que mais couber no pacote.

O que eles desejam? Chegar à Washington D.C e entrevistar o presidente, antes que ele seja morto bem como o restante de tudo o que tenha a ver com a Casa Branca (que, aqui, nada mais é do que um discurso falido, ultrapassado).

E enquanto testemunhamos, pela janela do carro, a destruição dos EUA numa batalha Tio Sam x Tio Sam (algo, para muitos aqui no Brasil, inimaginável em todos os sentidos) o que percebo é que no fim se trata apenas da maldita guerra. Ou seja: um ensaio sobre o nada promovido pela repugnância fabricada por homens prepotentes e infantilóides.

Mas como se sai disso? É possível um mundo além disso, de toda essa torpe realidade, de tanta disputa, de tantos descontentamentos, às vezes pelas razões mais fúteis? Acredito que refletir sobre isso - e não ficar apegado à motivos, origens, catalisadores, etc - seja o maior legado desse puta projeto. E infelizmente a mesquinhez da parte alienada da sociedade não consegue entender, sequer enxergar isso. 

Logo, sobra apenas o "até quando? ".


quarta-feira, 17 de abril de 2024

O museu das nossas vergonhas


Estamos à um passo... De quê? De tudo. Do fim dos tempos, da morte, do desespero, de desistir de tudo, do desemprego, do cansaço mental, da próxima guerra mundial, da cura da AIDS, de um novo ditador boçal propondo um mundo pior do que esse, de absolutamente tudo. E ainda assim, não desistimos. 

Por quê? Pois não faz parte da matéria-prima humana desistir. Ou então: porque é a parte que nos coube nessa história. Foi assim que eu me senti ao fim do espetáculo teatral Sísifo (ou Ensaio sobre a repetição em 60 atos), de Gregório Duvivier e Vinícius Calderoni.

Tomando como premissa o mito do homem que, após roubar o fogo dos deuses, é condenado a empurrar incessantemente uma pedra até o alto de uma montanha (missão nunca concretizada, pois a mesma rolava montanha abaixo, criando assim um círculo vicioso e inútil), a dupla propõe uma grande reflexão sobre o limite humano e seu eterno apego à questões nem sempre tão dignas de nota.

Num cenário mínimo (criado por André Cortez) e composto por uma única rampa, ao qual o ator sobe e cai sucessivas vezes, nos deparamos com dilemas, fracassos, labutas, desistências, conflitos existenciais e premissas as mais diversas. Da balada noturna ao dia na praia, dos seguidores de internet ao reles bate-boca na rua, tudo é motivo para estarmos na berlinda, a um passo do "já deu! o mundo é um caso perdido e eu, honestamente, desisto de continuar tentando".

O problema? Ele não desiste de fato. Quando muito, adia a decisão. De novo, e de novo, e mais uma vez. Como, aliás, é praxe na dita civilização. 

Junte a isso - a esse sentimento melancólico de "eu ainda aguento mais um pouco ou não? -, o ser ou não ser shakespeareano, a pedra no meio do caminho de Drummond, o clima meio claustrofóbico, meio Freud, a luz mínima (e não menos precisa e pontual de Wagner Antônio), a direção musical de Mariá Portugal e todo o jogo cênico e corporal de Gregório, e temos uma grande provocação a este mais que indecente mundo contemporâneo. 

Cabe um aparte meu aqui: haja fôlego da parte da plateia para acompanhar Duvivier nessa saga repleta de subidas e quedas. Fiquei cansado só de seguí-lo com os olhos! 

Em determinado momento da peça ele se refere ao mundo (ao nosso país? à realidade? todas as opções anteriores?) como o museu das nossas vergonhas, e está coberto de razão. Estamos sempre destruindo o que tocamos para depois tentar tapar o buraco ou, quem sabe, o sol com a peneira. E no final o que nos resta é o apego à mentira, à ilusão, a eterna mania de fabricar o irreal, torná-lo nosso "porto seguro". Resta saber até quando. 

P.S: para quem tiver interesse o espetáculo está disponível no canal do Sesc SP no you tube, e fez parte da série #Cultura em casa, ainda na época da Pandemia da Covid. Assistam! Achei espetacular.  

sábado, 13 de abril de 2024

Mad Max, 45 anos


Será que só eu tenho percebido isso?

Digam o que quiserem, mas que eu tenho a sensação de que o tempo, nos últimos anos, tem corrido demais da conta, ah eu tenho! E, cá entre nós, não me agrada a ideia de envelhecer à velocidade da luz, mas... é isso. O tempo passa e com ele aquilo que gostamos, apreciamos, cultuamos ganha história, vulto, novas interpretações, datas comemorativas.

Mad Max, de George Miller, começou a trilhar seus passos há 45 anos, quem diria... E acho que nem ele próprio imaginava o grande legado que essa franquia construiria (para mim, pelo menos, ela é tão icônica quanto Star Wars e Star Trek, guardadas as devidas dimensões, é claro!). 

Mais do que acompanharmos a saga de Max Rockatansky (vivido por Mel Gibson), que busca vingar a morte da mulher e do filho, o longa de Miller sempre me soou como uma grande metáfora para o que nos aguarda no futuro. E olha: esse futuro melancólico, diria mais: macabro, onde até a água é disputada a unhas e dentes, nunca esteve tão perto, se levarmos em conta o que os chamados "donos do mundo" têm feito com o planeta terra nas últimas décadas.

Se as últimas gerações ficaram impressionadas com as distopias e realidades fragmentadas propostas por Matrix, Jogos vorazes e Maze runner, muito antes disso (na verdade, muito antes sequer da existência de CGI, Chromakey, Imax ou qualquer outra tecnologia vista como salvadora da indústria do cinema), George Miller deu as caras, pôs a mão na massa com seus, então, efeitos práticos, e fez nosso mundo virar de ponta a cabeça com perseguições, explosões e muito tiroteio.

E a fórmula deu tão certo e atraiu tantos devotos que rendeu uma trilogia de respeito, embora uns e outros volta e meia reclamem da irregularidade da franquia. Eu nunca escondi que gosto até mais do segundo (cujo título original é Road Warrior) do que este que aniversaria aqui, mas todo o conceito por trás do projeto me ganhou de cara sem fazer esforço. 

Um detalhe importante: era um ano de produções arrebatadoras para qualquer cinéfilo que se preze (Apocalipse now, The warriors: os selvagens da noite, Hair, Fuga de Alcatraz, Alien, o 8º Passageiro, etc) e mesmo assim aquele australiano cheio de ideias inovadoras veio comendo pelas beiradas e fazendo o estrago necessário para conquistar o seu espaço na indústria.

E se você teve o desplante de Assistir Mad Max: estrada da fúria, com Tom Hardy como Max e não viu a trilogia original, você não merece ler esse singelo post. Logo, corra agora e procure pelo box em DVD ou Blu-ray com os três longas (eu tenho o meu aqui em casa e, de quando em quando, revejo porque a nostalgia bate forte).

No mais eu paro por aqui, pois quero que vocês, nobres leitores, vejam - ou revejam - essa pequena obra-prima dos action movies. Melhor: de um tempo em que os filmes de ação tinham culhões e não perdiam tempo com tantas pautas, propagandas, agendas políticas e culturais. Obs: corre o risco de vocês viciarem depois de assistir a primeira vez. Fica a dica.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Somos todos assassinos nesse jogo


Em tempos de John Wick no cinema, com quarentões (ou seriam cinquentões?) vingadores que descem o cacete no moral torta dos ditos privilegiados, acho extremamente bem-vinda a leitura da HQ Graffic Noire Jersey, de Immigrant. Primeiro: por se tratar de um trabalho de viés independente. Segundo: por fugir da mesmice super-heróica (que, a meu ver, já cansou!). E finalmente: por propor o desdobramento de uma temática que eu adoro. 

No caso, refiro-me à homenagem aos filmes de ação feitos em Hong Kong na década de 1990. Lembrei-me imediatamente das sessões que assistia pela tv na Bandeirantes dos longas produzidos pela Golden Harvest.

Aguardamos quase que com agonia a batalha de espadas samurais (as famosas katanas) entre Frank e Julian, guerreiros que disputam lâmina a lâmina a posse de uma mala. Detalhe: assim como no filme Ronin, de John Frankenheimer, não conhecemos, em nenhum momento, o conteúdo dela. E quer saber? Isso é o que menos importa na hora H. 

A motivação de ambos nesse duelo derradeiro em muito lembra, por sinal, a noiva vivida por Uma Thurman em Kill Bill, de Quentin Tarantino. O clima da hq, aliás, é altamente tarantinesco, com bastante sangue espirrado nas paredes e uma batalha de cunho quase épico.  

Se existe uma narrativa que não poderia ser colorida é esta aqui. Tanto o preto-e-branco, quando a estética que remete em alguns momentos à garranchos e pichações de rua, vem bem a calhar para o modus operandi da história. E nesse mashup estiloso cabem as mais variadas referências: dos filmes de samurais japoneses ao faroeste desconstruído em outras vertentes, com direito à personagem cantando Johnny Cash, o homem de preto, e tudo!

E como premissa básica, os próprios personagens da história deixam claro: "somos todos assassinos nesse jogo". O importante é cumprir o contrato estabelecido, concorde você com ele ou não. E ao fim, o criador do álbum ainda me deixa cheio de dúvidas e questões mal resolvidas, do jeito que eu gosto (para poder ruminar um pouco mais depois).  

E tudo isso por irrisórios 5 reais numa barraca de livros usados, em meio a um saldão cheio de raridades e outras surpresas não menos curiosas... E depois ainda me perguntam - depois de tanto tempo escrevendo por aqui - porque eu amo a cultura pop e suas infinitas possibilidades.

Procurem. Aposto que não irão se arrepender! 

sábado, 6 de abril de 2024

R.I.P Ziraldo


Quando, moleque, eu falava com os meus pais da minha eterna frustração por não saber desenhar, é porque no fundo eu queria saber desenhar como ele. E mesmo fazendo parte da geração que leu a Turma da Mônica, de Maurício de Sousa, ele nunca deixou de ser o meu maior ídolo. O primeiro quadrinho nacional que eu li, na vida, foi dele.

Ele foi o responsável pela Turma do Pererê (altamente inspirado no Sítio do pica-pau amarelo, de Monteiro Lobato); criou o eterno menino maluquinho, com a panela na cabeça e cheio de ideias e travessuras; nos apresentou aos Flicts e também aos Zeróis (uma resposta pra lá de bem humorada aos personagens da Marvel, DC, etc).

Não fosse pelos seus lápis eu jamais conheceria figuras inesquecíveis como a Supermãe, o bichinho da maçã, o joelho juvenal (do moleque levado, por isso vivia ralado), Jeremias o bom, a menina Nina, Vito Grandam, o menino da lua, o Aspite, e tantos outros.  

E ainda arranjou tempo para participar da grande revolução da imprensa promovida pelo Pasquim, além de trabalhos para o meio publicitário, jornalístico, teatral. Era um faz-tudo.

Ele fez charges políticas, literatura infantil, crítica de costumes da época, metalinguagem, humor ácido, irreverência até dizer chega... Isso quando não estava fugindo da perseguição de um regime de exceção e falando pelos cotovelos. Era bom de papo esse moço. E agora não teremos mais sua boa prosa, seu traço forte e multicolorido. 

O Brasil perdeu hoje, aos 91 anos, Ziraldo. Um mestre da pena, e principalmente, um homem que nunca deixou de pensar o país (essa, com certeza, sua melhor característica). 

Eu poderia até chover no molhado e me repetir sobre seus muitos talentos aqui (na verdade, há texto sobre ele aqui no blog. Procurem!). Mas quer saber? Está rolando uma exposição sobre ele no CCBB, o Mundo Zira. Vão lá conhecer o trabalho extraordinário desse senhor que, cá entre nós, é uma figura ímpar na nossa cultura. Aposto - não, tenho certeza - de que vocês não vão se arrepender. 

E fica com Deus, mestre. Você fez por onde!


quarta-feira, 3 de abril de 2024

Marlon Brando, um século.


Se vivo ele hoje completaria 100 anos de vida. Mais do que isso: acredito piamente que continuaria revolucionário em suas intenções, debochado, provocador, criador de caso e sabe lá Deus o quê mais... Quem? O ator Marlon Brando, claro!

Pouquíssimas vezes vi nas telas alguém tão ciente do caminho que queria trilhar quanto ele. Escolheu não dar trela à própria beleza (e, mesmo assim, foi considerado por muitos um símbolo de virilidade, o adônis do cinema americano). Meu pai dizia que vê-lo em cena era desconstruir tudo que se sabia sobre a sétima arte. "Às vezes ele levava o filme nas costas; às vezes não dava a mínima para o set", dizia ele. 

Foi através do meu pai, por sinal, que conheci dois de seus trabalhos mais extraordinários: Sindicato dos ladrões, de Elia Kazan e Queimada!, de Gillo Pontecorvo (que, depois soube, era o favorito de Marlon na carreira). Mas era apenas o começo da minha relação cinéfila com o ator. 

Com O poderoso chefão, de Coppola, ele virou a lenda. Depois de O último tango em Paris, de Bertolucci, ele foi execrado pelas feministas por conta da famosa cena da manteiga. Em Viva Zapata! eu entendi que o faroeste poderia ir além do que eu imaginava até então. A partir de Uma rua chamada pecado (adaptação de Tennessee Williams), ele ganhou a admiração dos grandes diretores da era de ouro, fez a passagem gloriosa da Broadway à Hollywood. E ainda teve O pecado de todos nós, A caçada humana, O selvagem, o extraordinário Apocalipse now - eu nunca mais esqueci do Coronel Kurtz -, o Jor-El de Superman: o filme e muito, muito mais. 

Sua vida foi tão fantástica (e cheia de reveses, catarses, polêmicas) quanto a carreira: a questão da sua bissexualidade; a ilha que comprou já no final da carreira e onde se exilou, desencantado com os rumos do cinema; a "falsa índia" que mandou representá-lo no Oscar em que ganhou pelo seu indefectível Dom Corleone; o suicídio da filha; o julgamento do filho, acusado de assassinato, etc etc etc...

Embora ele tenha escrito sua autobiografia (que é muito boa), recomendo aos leitores deste post um outro exemplar: conheçam Marlon Brando: a face sombria da beleza, de François Forrestier. Um trabalho que mostra em nuances o lado B dessa figura ímpar e avant garde.  

Esse é um texto-homenagem que já nasce em déficit, pois eu levaria toda uma vida e ainda assim não conseguiria explicar com exatidão para as novas gerações quem foi Brando. Deixo apenas uma dica: talvez vocês encontrem mais fácil, na internet, seus últimos trabalhos (Don Juan de Marco, Um novato na máfia, A ilha do Dr. Moreau, etc). Esqueça-os por ora, procurem os clássicos. Vocês, com certeza, vão querer apreciá-lo no apogeu do seu talento. Podem confiar. 

Faltou mencionar algo? E como! E por isso mesmo vocês, leitores, devem procurar material sobre essa lenda, ver seus filmes, entrevistas... O céu é o limite. Devorem Marlon Brando. Até para entenderem que, cá entre nós, nunca mais haverá outro como ele. Não mesmo. 

E onde quer que esteja, Marlon, meu muito obrigado. A minha cinefilia certamente não seria a mesma sem conhecer a sua jornada. 


terça-feira, 2 de abril de 2024

5 décadas de Stephen King



Ele estreou na literatura há 50 anos e permanece relevante como poucos no mercado editorial. Vou mais além: não consigo imaginar um outro autor nas últimas cinco décadas (e olha que há ficcionistas extraordinários no meio!) como sinônimo do gênero terror além dele. Vejo-o como um H.P.Lovecraft contemporâneo - guardadas as devidas proporções, é lógico. 

De quem falo? De Stephen King, ora bolas! Um escritor cuja obra veio parar nas minhas mãos pela primeira vez de forma bastante acidental: eu encontrei no lixo do prédio onde eu morava um exemplar carcomido de A hora da zona morta (cuja adaptação cinematográfica, feita por David Cronenberg, eu assisti 6 meses depois) e devorei em apenas 72 horas. Para reler duas semanas depois. 

De lá para O iluminado, Carrie - a estranha, Christine, It: a obra-prima do medo (hoje em dia editam este como It: a coisa), Louca obsessão (ou simplesmente Misery) foi um pulo e infinitas idas e vindas à sebos e livrarias. Um processo por demais viciante e não menos prazeroso. 

E o mais interessante: Stephen mostrou que o horror não estava presente apenas em figuras sobrenaturais, possuídas, alienígenas... Não. Ele conseguiu extrair da vida cotidiana e dos dilemas morais de uma sociedade caótica e fragmentada como a norte-americana matéria-prima para o sobrenatural. Mais do que isso: fez dessa escolha um cartão de visitas da sua obra, tornando-a única dentro de um cenário editorial cada vez mais competitivo.

Entre seus inúmeros temas, os fãs puderam testemunhar uma desconstrução acerca da morte de JFK, figuras paranormais, ciganas vingativas, um mistério sobrenatural no corredor da morte, um quarto de hotel mal-assombrado, um jogo televisivo de proporções catastróficas e até mesmo tentáculos assassinos, dentre outras peripécias narrativas. 

Todos aguardam ansiosos seus lançamentos, bem como as adaptações para cinema e quadrinhos de sua obra. Isso sem contar o seu filho, Joe Hill, que nos últimos anos também vem ganhando seu espaço nessa grande selva que é o mercado de entretenimento. 

É difícil indicar a iniciados por onde começar na obra desse grande gênio. Há histórias para todos os gostos e públicos. Além dos já citados no terceiro parágrafo, gosto muito de Duma Key, À espera de um milagre, As Quatro estações, Novembro de 63, O apanhador de sonhos, Os olhos do dragão e O talismã. Além desses, recomendo também Sobre a escrita (no qual King esmiuça seu processo criativo). Enfim... Em se tratando da lenda, o céu é realmente o limite.

Pouco tempo atrás vi em vídeos no youtube especialistas em literatura se perguntando se ele não mereceria um Nobel de literatura (mesmo se tratando de um autor comercial). Afinal, trata-se de um expert no tema a que se propõe. E se pararmos pra pensar em quem vem ganhando o prêmio nas últimas décadas, honestamente... Eu acharia, sim, digno da parte deles. Stephen vem fazendo muito mais pela literatura do que esses vencedores quase anônimos para grande parte do público. Um caso a se pensar. 

E enquanto eles pensam, que o mestre continue nos alucinando com seus livros pelos próximos 50 anos (se ainda tiver fôlego).