Como é bom ler alguém que sabe o que escreve (e como escreve). Nada vinha me irritando mais nos últimos tempos do que entrar em livrarias e sebos - estes últimos cada vez mais raros na cidade do Rio de Janeiro - e me deparar com autores fúteis, mas cheios de pose. Pior: sendo vendidos como a nova geração da literatura brasileira.
E toda vez que me deparo com esses "exemplares", regresso à meus autores preferidos (Umberto Eco, Jack Kerouac, Philip Roth, Bernardo Carvalho, Rubem Fonseca, Mario Vargas Llosa, etc) e me reencontro com o bom texto.
Há tempos procuro por Trêfego e peralta: 50 textos deliciosamente incorretos, coletânea de artigos (e algumas entrevistas) de Ruy Castro, nunca publicadas em livro até então. E desde que eu soube da existência desse livro tive a impressão de que ele prometia - e muito. Para a minha sorte, estava coberto de razão. Devorei-o em apenas 48 horas e ainda fiquei com um gostinho de quero mais.
Ruy é praticamente um faz-tudo nesse meio da comunicação. De repórter do Correio da Manhã à autor das mais célebres biografias já produzidas no país (dentre elas, Carmen, O anjo pornográfico e Estrela solitária), é daqueles profissionais irretocáveis em tudo que faz. E com Trêfego e peralta não é diferente.
Consegue dissertar com a mesma elegância e conteúdo pelos assuntos mais diversos. Da macaca Chita, companheira do Tarzan no cinema (vivido por Johnny Weissmuller) ao tropicalismo de Caetano, Gil, Tom Zé e companhia limitada; do Jack Kerouac, criador do seminal On the road, e ainda assim desmitificar toda sua grandeza editorial ao casal mais que louco (pelo menos, na época retratada) Baby Consuelo e Pepeu Gomes; do papel dos gatos como eternos vilões na cultura cinematográfica às memórias de 1968 e o que o AI-5 causou naquele período...
Na parte referente às entrevistas meu destaque vai para a conversa com o colunista social Ibrahim Sued. Se eu já o achava um contraditório por natureza, isso ficou ainda mais claro depois de ler o texto.
Antes que me perguntem o que tem de tão extraordinário no texto de Ruy Castro, enfatizo dois pontos: a) ele escreve de forma simples, não inventa fórmulas, muito menos um discurso rebuscado, pedante; b) sua capacidade de reunir informações sobre praticamente tudo é assustadora. É como se deparar com uma enciclopédia humana.
E isso, meus caros leitores, em tempos de exibicionismo e gente sem talento atingindo status de visionário, é artigo cada vez mais raro no país.
Não quero me estender demais para não estragar a experiência alheia... Apenas finalizo esse breve post, dizendo: se tiverem a oportunidade de ler Trêfego e peralta, não a desperdicem. Das melhores coisas que eu li no gênero não-ficção nos últimos anos. Minha única decepção foi não ter conseguido lê-lo antes. Fica a dica.
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