Em matéria publicada no Estadão (ou foi na Folha de São Paulo? Fugiu-me à memória agora! Ou um, ou outro) aparece que a palavra do ano escolhida pelo dicionário Cambridge foi Hallucinate - o verbo alucinar - e, a princípio, eu dou uma gargalhada, irônica. Mas logo a seguir, penso: não houve palavra que explicasse melhor o que foi 2023.
Olhem ao redor, vejam o aconteceu e o que ainda está acontecendo no mundo. Só mesmo a alucinação explica o que nos tornamos.
Os responsáveis pela escolha da palavra como definidora do ano dizem que ela remete ao fato de "parecer, ver, ouvir, sentir ou cheirar algo que não existe, seja por um problema de saúde ou por consumo de drogas". Mais: incluem na discussão o tema da IA (o que, por si só, já gera descontentamento e controvérsias), alegando que "é quando sistemas de inteligência artificial, que geram textos que imitam a escrita humana, alucinam e produzem informações falsas". O tema é complexo, eu sei...
Porém, mais do que viciados e máquinas que pretendem operar sozinhas a realidade - o que me faz lembrar dos androides de O exterminador do futuro querendo a cabeça de John Connor -, há também uma questão séria a ser discutida e que, para mim, dialoga e muito com a escolha da palavra: a cegueira ideológica.
Vivemos numa era de total descompromisso com a história. Há quem queira, inclusive, apagá-la de vez, pois prefere acreditar que tudo não passou de mentira. Já um segundo grupo dá mais credibilidade às fake news e conceitos como pós-verdade (que, quando esmiuçados de forma crítica, mais parecem pura histeria, paranoia programada por grupos de interesse nada idôneos). E o resultado dessa catarse onde não se sabe mais ao certo o que é real, o que é ficção, é catastrófico.
Gente pedindo censura, querendo que livros sejam queimados (Ray Bradbury estava certo: o Fahrenheit 451 é real), teorias da conspiração ganhando força na internet, robôs e drones visando o controle da opinião e do espaço geográfico, o culto exagerado à beleza, à fama e ao show business (e dentro de uma estrutura cada vez mais propensa à escândalos e tragédias), etc etc milhões de etc.
Sim, alucinamos. Na verdade, a escolha bem poderia ter sido feita uns anos antes pelo dicionário Cambridge. E se não acordarmos, hoje, agora, sabe lá Deus o que sobrará de nós, reles humanidade!
"Que caminho tomar?", parece a única pergunta coerente a se fazer neste momento. Pena que este mísero blogueiro, colunista ou como quiser chamá-lo, não tenha a menor ideia de uma resposta plausível. E pior: a sociedade não está nem aí, completamente anestesiada pelo óbvio, pelo fútil, pelo "museu das grandes novidades", como bem disse certa vez o saudoso poeta do rock, Cazuza.
No fim, como aprendemos com as antigas telenovelas, resta "aguardar as cenas dos próximos capítulos". Mas que é aterrorizante, não tenham dúvidas... E com tendência a piorar. Rezemos que não.
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