Esperei por três longa-metragens sem alma e lutei contra a sensação de que o diretor Christopher Nolan poderia não passar de um fogo de palha, de uma invenção dessa hollywood cada vez mais vazia e carente de boas histórias. Minha última experiência exuberante com um filme dele havia sido O cavaleiro das trevas, com um Heath Ledger avassalador interpretando o Coringa. E nos 45 do segundo tempo, pronto para gritar aos plenos pulmões "desisto! ele é um engodo mesmo!", ele ressurge das cinzas como fênix explosiva e me põe no chão, nocauteado.
E eu enfim pude dizer - depois de praticamente uma década de decepções - "valeu, Nolan!".
Oppenheimer é uma exuberância e de um apuro estético que há anos não via no cinema com intenções históricas. E ao acender as luzes da sala, ao fim da sessão, tive uma certeza: a humanidade não merece ser vista em alta conta, não importa o quanto ela se venda como a melhor criação de Deus.
Acompanhamos a jornada de J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy, brilhante!) com parcimônia, mas sempre no aguardo da tragédia, que o acompanhou. Mas, mais do que isso, acompanhamos aquela parcela torpe da humanidade que simplesmente não consegue viver além da esfera do poder e seus jogos de interesse (tem quem chame de teatro).
Mais do que o homem responsável pela criação da bomba atômica que dizimou Hiroshima e Nagasaki e deu fim a segunda guerra mundial, ele foi um homem amargurado, perseguido por uma série de traumas e feito de marionete por um sistema ainda mais cruel do que suas próprias intenções. Sim, pois não se iludam: Oppenheimer não é o único culpado nessa que é uma das maiores tragédias da história da humanidade. Muito menos alguém que mereça a alcunha de mártir.
Como pano de fundo às suas teorias e a vida acadêmica, ainda vemos seus dilemas morais (o relacionamento extraconjugal com a jovem comunista) e profissionais (a convocação para depor no Comitê de atividades antiamericanas, por seu flerte com o comunismo). E como se isso não fosse o suficiente, seu maior algoz tramando na surdina para destruí-lo: o almirante Lewis Strauss (Robert Downey Jr., num enfim interessante trabalho após anos encarnando Tony Stark na Marvel).
Oppenheimer é o prometeu americano (alusão àquele que ousou roubar o fogo dos deuses e foi punido categoricamente por Eles), o destruidor de mundos. O homem que praticamente sofisticou as ideias de guerra e de violência. Depois da bomba H, o mundo definitivamente nunca mais foi o mesmo, principalmente no quesito bélico.
E eu que até então achara leviano Nolan dizer que esse homem era uma das figuras mais importantes da história mundial, hoje preciso reconhecer: ele está absolutamente certo. O defeito era não só meu, mas da sociedade como um todo, que costuma chamar de grandes apenas os homens e mulheres que realizaram atos nobres. Não, meus caros leitores! Nem sempre a grandeza é sinônimo de algo positivo.
Ao fim o que fica como legado dessa experiência magnífica (não vi em IMAX, mas quem tiver a chance de assistir no formato, faça! principalmente do ponto de vista sonoro) é o gosto amargo de vermos no que a sociedade se transformou. Viramos carrascos de nós mesmos, seres abjetos capazes de tudo - incluindo aí a extinção da própria espécie - em nome do status, do poder, da zona de conforto, de títulos de nobreza.
O filme dá a luz em boa hora, num momento em que se discute ao redor do mundo as implicações das armas nucleares. Espero que sejamos mais sensatos dessa vez, menos covardes e gananciosos. Mas, se tratando de seres humanos e da sempre presente mesquinhez, é melhor não perder a razão, muito menos a lucidez.
O futuro está mais incógnito do que nunca...
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