Por volta da terceira ou quarta vez que assisti (em VHS ou DVD) à obra-prima de guerra Apocalipse now, do diretor Francis Ford Copolla, cheguei à retumbante conclusão de que precisava urgentemente ler a obra original que inspirou aquele épico. O problema: não encontrava O coração das trevas, de Joseph Conrad, em lugar nenhum, nem em sebos do centro da cidade ou da zona sul, nem na sua versão online. E o resultado dessa frustração me acompanhou por muitos anos.
Eis que, enfim, após uma dolorosa (e quase traumática) espera, me deparo com um exemplar novo em folha num stand do shopping Nova América, em Del Castilho, repleto de livros a módicos 10 e 15 reais. Corro para pegar o meu - há apenas uns quatro sobrando em cima do balcão -, pago e vou direto pra casa para esmiuçar o volume.
E o resultado dessa experiência arrebatadora é a melhor descrição do inferno que eu já li em toda a minha vida como amante da literatura (e olha que, como já disse em outros textos, comecei a me atracar com os livros aos 10, 11 anos!).
E embora Copolla tenha preferido inserir o contexto da guerra do Vietnã em sua adaptação cinematográfica majestosa, o texto original não deve nada em termos de sofrimento e adrenalina. Mais do que isso: a narrativa de Conrad é limpa, enxuta, sem perder a mínima exuberância. Não é à toa que os críticos literários o colocam entre os maiores de sua época, com folga.
Charles Marlow (no filme o protagonista, vivido por Martin Sheen, se chama Capitão Benjamin Willard) é um comerciante de marfim incumbido por seus superiores de encontrar o chefe de posto Walter Kurtz, um homem visto de forma dúbia pelos habitantes daquela região (mais especificamente o Estado livre do Congo durante a colonização belga). Alguns o veem como herói incompreendido; outros, como uma espécie de maldição, alguém que só trouxe a ruína para aquelas terras.
Contudo, o mais importante é a forma como Marlow divide suas desventuras com os demais. Nesse momento, o leitor se depara com a descrição precisa e assustadora de um país em frangalhos, à beira de um colapso social e ainda assim tentando sobreviver a qualquer custo.
Hoje posso dizer com folga, após terminar a última página do romance, duas coisas: 1) que valeu a pena esperar cada dia, cada hora, cada segundo e cada tentar frustrada de comprá-lo, pois ele não deixa a desejar em um parágrafo sequer e 2) incluo esta obra entre o cânone da literatura mundial, junto com Crime e Castigo, Hamlet, Seis personagens à procura de um autor, O nome da rosa, Os miseráveis e outras obras seminais.
Recomendo à leitores e cinéfilos que conheçam as duas versões e, se puderem, façam elas dialogarem entre si. Aposto como será o maior estudo de caso da vida de vocês.
E um importante P.S cabe aqui: A escolha de Marlon Brando como Kurt - embora ele tenha contribuído e muito para tornar o set de filmagem na época em um verdadeiro teatro dos horrores - provou-se acertada, pois o personagem, como descrito no livro, também mostra toda a sua excentricidade e personalidade peculiar. É... Às vezes o que parece contraditório acaba se tornando a única (e melhor) opção.
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