Parece até sacanagem (e provavelmente é). Mal perdemos a nossa rainha do rock, Rita Lee, e agora os EUA perdem a deles. E como é que faz agora? Simples: não faz. Apenas choramos, copiosamente.
Aos 83 anos de idade a lendária cantora Tina Turner, uma das maiores vozes que eu já ouvi em toda a minha vida, nos deixa e a sensação que me fica à primeira vista é: "essa podia ser imortal". Parece clichê que se repete o tempo todo, mas é a mais pura verdade. Nunca estaríamos preparados para sua partida. Logo, o choro é o único legado possível para reverenciar essa mulher camaleônica em todos os sentidos.
Anna Mae Bullock enfrentou a família, a instituição religiosa, um sistema de valores deturpado e opressivo, um casamento fadado ao fracasso com Ike Turner onde a violência doméstica ditava o tom do matrimônio e uma cultura musical eminentemente machista e mesmo quando tudo parecia perdido - ela, falida, arruinada, divorciada - deu a volta por cima, lotou estádios e conquistou corações os mais diversos ao redor do mundo.
Mais do que isso: foi exemplo vivo de mulher empoderada muito antes desse conceito sequer existir dentro da cultura pop. E como esquecer dela dançando, rebolando, furiosa, autêntica, principalmente quando ela cantava em seus shows 'Proud Mary', a minha canção favorita dela? Você nunca viu isso? Meu Deus! Então não faz a menor ideia do que eu estou sentindo nesse exato momento.
Em seu histórico show aqui no Maracanã, em 1988, entrou para o Guinness Book pelo recorde de público. Procurem vídeos no you tube e prestem atenção no público em êxtase, alucinado, aplaudindo, cantando junto. Sim, Tina causava isso por onde passava. Seu show era praticamente um delírio coletivo. E quem esteve lá não esquece jamais. Não à toa foi a primeira mulher negra a estampar a capa da Rolling Stone norte-americana.
Outro momento marcante de sua carreira, que não me sai da cabeça toda vez que penso nela, é sua participação como a vilã Tia Entity em Mad Max - Além da Cúpula do Trovão, longa de George Miller lançado em 1985. Ela praticamente roubou toda a atenção até então voltada para o protagonista, o astro Mel Gibson (e reza a lenda que eles se bicaram durante a produção muito por causa disso!).
Oito anos depois, o diretor Brian Gibson realiza a extraordinária cinebio Tina - A Verdadeira História de Tina Turner, onde fala do início de sua carreira, do casamento tumultuado e violento e sua associação ao budismo. Ela foi vivida de forma intensa pela atriz Angela Bassett, mas confesso que até hoje não perdoo a Academia de Artes e ciências cinematográficas por não ter dado à Laurence Fishburne o seu Oscar de melhor ator por sua interpretação visceral como Ike Turner.
Entre 2018 e o ano passado andou sofrendo duros golpes da vida. Perdeu dois de seus quatro filhos e acabou por se exilar ainda mais na Suíça, onde vinha morando nos últimos anos. Este ano, parece, não aguentou mais tantos revezes. E com isso a indústria fonográfica e os fãs perdem uma de suas maiores vozes. Dessas que dificilmente terão uma sucessora à altura.
Mas como o legado dela é mais importante do que tudo, encerro essa singela homenagem com uma lista básica - além da já citada 'Proud Mary' - para iniciados, entendidos e apaixonados por sua música, que é eterna:
'What's love got to do with it'
'We don't need another hero'
'I don't wanna lose you'
'The best'
'Nutbush city limits'
'Private dancer'
'Typical male'
'River deep, mountain high'
'Addicted to love'
'Let's stay together'
Fica com Deus, rainha!
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