Desde que li Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, com seu narrador-defunto magistral, sou intrigado com o tema da morte. Seja na literatura, no cinema, na música e mesmo nos quadrinhos, há algo de misterioso na finitude da vida que sempre chamou a minha atenção (em alguns casos, chegando a parar o meu dia para saber o final daquela jornada - escrita, musical, audiovisual, etc - o quanto antes).
Talvez - me pego pensando às vezes - seja uma preocupação com a minha própria vida. Minha eterna dificuldade de lidar com ela e com isso que chamamos corriqueiramente de sociedade, a cada dia mais cruel, injusta e interesseira.
E ao terminar de ler o enxuto, porém fantástico Frango com ameixas, de Marjane Satrapi (mesma autora do fenomenal Persépolis), mais uma vez me vi completamente envolvido pela narrativa seca, difícil, porém de uma verdade assustadora, tanto que é inspirada numa história vivida pela família da própria Marjane.
Acompanhamos Nasser Ali Khan, um músico frustrado pelo que sua vida se tornou (na verdade, suas escolhas de vida e contratempos ao longo da jornada o levaram a uma existência vazia). Após uma briga com a esposa ela quebra seu Tar, o instrumento musical que praticamente define sua razão de existir. Irritado, tenta comprar um substituto, mas se depara com tantos exemplares inferiores e de má qualidade, que chega à conclusão de que sua vida simplesmente perdeu a única finalidade que tinha.
Resultado: ele decide morrer. Para isso, permanece isolado em seu quarto por oito dias, distante da mulher e dos filhos, aguardando a famigerada hora. A esposa; a filha pequena, sua favorita; o irmão (um antigo opositor do regime no Irã, agora casado e acomodado à realidade); até mesmo a morte o visitam e tentam trazê-lo de volta à realidade. Mas não adianta. Nasser está decidido de que sua hora chegou.
Nesse momento, memórias da morte da mãe e de um amor do passado não correspondido vêm à tona e bagunçam ainda mais o seu juízo de valor, fazendo com que ele repense escolhas feitas e erros cometidos. Nasser não foi um grande exemplo de conduta ou de homem responsável e passou muitos anos se lastimando por ser preterido dentro da própria família. E isso fez com que ele desenvolvesse uma personalidade difícil, sempre acusando os outros de delitos que ele também cometera tempos atrás.
Abreviando a discussão: o que vemos em pouco mais de 80 páginas é um interessante estudo de caso sobre uma vida melancólica que foi construída em bases frágeis, pois seu protagonista preferiu se acomodar à realidade do que realmente lutar pelo que queria. E como pano de fundo a esse tour de force existencial pequenas ironias e informações sobre como viver no Irã, um país repleto de regras que se esconde atrás de uma cultura excessivamente religiosa e enfadonha.
Poucas vezes, nos últimos anos, li algo tão sucinto e ao mesmo tempo tão direto ao ponto quanto Frango com ameixas (e antes que me perguntem: o título faz menção ao prato favorito do protagonista; Logo, não esperem algo na linha "receitas culinárias iranianas", pois não é disso que se trata a graphic novel).
Faltou comentar algo? Se faltou, melhor assim. A trama é tão cheia de nuances, arrependimentos e interpretações as mais diversas que eu não quero estragar a diversão de ninguém. Mas insisto num detalhe importante: o poder de concisão da autora, mesmo a serviço de tantas (possíveis) histórias já vale pela obra toda.
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