A timeline do meu perfil do twitter se enche de despedidas, homenagens, lembranças nostálgicas e muita música, boa música. Com toda a loucura - e ai dela se não o fosse! - ainda assim praticamente encantou a MPB e o público em geral (que vivia lotando seus shows, que eu enxergava como grandes catarses, experiências praticamente psicodélicas). E assim descubro, a contragosto, que perdemos a nossa rainha do rock.
"R.I.P Rita Lee", estampam os jornais, tabloides, sites... Um deles, lá de São Paulo, de forma terrível (nem merece que eu o cite aqui e o Léo Jaime, além do mais, já disse o suficiente sobre essa gente) estampa no título do epitáfio uma estupidez, coisa de gente sem noção que se autointitula a grande mídia. O dia dele - ou deles - também chegará, podem aguardar.
Mas o que interessa aqui mesmo é: como falar de Rita Lee, dessa mulher pioneira, visionária, à frente do seu tempo, debochada, desbocada, dessa mãe loucaça que praticamente todo mundo queria saber como é, como funcionava a cabeça dela e não conseguiu, e está tudo bem, está tudo certo, o rock também é feito de interrogações para a eternidade?
Rita Lee Jones - eu adorava esse nome, que devia figurar em todas as capas de álbuns dela - foi um capítulo gigantesco da minha formação musical. Com ela aprendi a amar, a reclamar de tudo, a resmungar, a odiar o que era careta em excesso, a discordar do que eu quisesse, como quisesse, quando quisesse. E acreditem: ainda foi pouco. Muito pouco.
"Ovelha negra", "Pagu", "Jardins da Babilônia, "Doce Vampiro", "Bwana" (que certa vez, num show, ela disse que parou de cantar porque achou a canção evangélica em excesso), "Erva venenosa", "Mania de você", "Desculpe o auê", "Caso sério", "Agora só falta você", "Papai me empresta o carro" (minha canção favorita dela), "Esse tal de Roque Enrow", "Banho de espuma", "Baila comigo", "Chega mais", "Nem luxo, nem lixo", "Ando meio desligado", "Miss Brasil 2000"... A lista é imensa e rendia sozinha um livro - e com folga.
E isso sem contar o que ela (ainda) poderia ter produzido, não fossem os problemas de saúde nos últimos anos.
A vida dela, tão louca quanto a própria carreira, daria um filme em plano-sequência com contornos hollywoodianos. Presa durante a ditadura militar ainda grávida, não abaixou a cabeça para um sistema covarde que se outorga o direito de delimitar a ética alheia. Até seu disco com os artistas da banda Toto foi cancelado, incomodou aos eternos falsos moralistas.
Podíamos vê-la se requebrando no Rock in Rio de 1985; num comercial de volta às aulas da Mesbla ao lado de João Penca e seus miquinhos amestrados; interpretando a indefectível Rê Bordosa no longa animado Wood & Stock: sexo, orégano e rock n' roll, de Otto Guerra, inspirado nos personagens do cartunista Angeli; meia nua na capa de um dos seus discos, abraçada ao marido, Roberto de Carvalho. Não importa. Ela era sempre a mesma, fera indomável, que não ouvia desaforo de ninguém e vivia a vida do seu jeito.
Em 2016 lançou sua Uma autobiografia que deu também o que falar, até mesmo entre a classe artística, seja por sua franqueza ou por seu discurso direto, sem rodeios. Resultado: virou best-seller na hora. De triste mesmo só o câncer de pulmão, que a tirou de nós, fãs eternos. E justo quando ela se preparava para lançar, no final de maio, sua Outra biografia, livro contando sobre a sua luta contra a doença.
Em sua obra anterior ela encerra a narrativa profetizando a própria morte. Disse que político algum se atreveria a ir ao enterro dela (não teriam coragem) e tocariam suas músicas sem cobrar jabá. Mais: disse que seu maior gol na vida - e olha que teve aquele que o Casagrande fez no Corinthians só pra ela - foi ter, pelo menos, feito muita gente feliz.
Você não sabe o quanto, rainha. Fica com Deus! Hoje, amanhã e sempre. Desse fã tresloucado que vai te ouvir pelo resto da vida, nem que eu tenha que brigar com os vizinhos da minha rua para isso.
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